Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > MUITO
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email

ABRE ASPAS

Rodrigo Rossoni: “Há que se investir no cuidado com a imagem”

Fotógrafo falou sobre experiência com o MST e importância da imagem para movimentos sociais e governos

Por Gilson Jorge

08/01/2023 - 7:00 h
Rodrigo Rossoni é fotógrafo e professor de fotografia da Faculdade de Comunicação da UFBA
Rodrigo Rossoni é fotógrafo e professor de fotografia da Faculdade de Comunicação da UFBA -

Professor de fotografia da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, Rodrigo Rossoni visitou o acampamento Piraema, do Movimento Sem Terra, no Espírito Santo, em três momentos distintos. Fotografou em 1997, durante o Governo Fernando Henrique, fez oficinas de fotografia em 2003, primeiro ano de Lula no poder, e em 2017, sob o Governo Temer. Mas não foi só o presidente que mudou.

Os avanços tecnológicos, o interesse dos jovens pela imagem e a própria dinâmica do movimento tornaram cada visita singular. O resultado do trabalho foi publicado no livro Olhares Comprometidos, publicado pela Edufba, lançado no dia 30 de novembro no Palacete das Artes. Neste domingo, Dia Nacional do Fotógrafo, Rossoni conversa com A TARDE sobre sua experiência com o MST e a importância da autoprodução de imagem para movimentos sociais e governos.

Nesses três períodos em que o senhor esteve no Acampamento Piraema, como percebeu as mudanças que ocorreram na relação do MST com a produção da sua imagem?

São 20 anos, de 1997 a 2017. Houve uma série de mudanças e a própria fotografia foi mudando ao longo da história. Em 1997, a gente tinha ainda uma forte influência da fotografia documental clássica, a figura do fotógrafo que vai desbravar e trazer informações de como vive o outro. E o MST estava naquela pauta dos anos 90, estava no foco da cobertura da imprensa, imagem em preto e branco, película, e um acampamento com eles na lona preta. Em 2003, há uma mudança na fotografia, o protagonismo juvenil.

O Governo Lula traz a juventude para o processo, havia uma nova perspectiva de discussão e uma série histórica de pessoas que eram sempre olhadas pelo olhar estrangeiro. E com essas comunidades querendo produzir, eu desenvolvi uma série de oficinas de fotografia durante oito meses para que, a partir de então, não fosse mais eu a fotografar, e eles não fossem mais registrados somente pela imprensa ou por fotógrafos independentes, mas pudessem também produzir a imagem de si, através de sua própria experiência de vida. Daí, eles fazem uma série de fotografias a partir das oficinas, coloridas, uma outra lógica.

E em 2017 a fotografia já tinha passado por uma série de transformações do mundo digital. Já tinha smartphone, rede social. São três momentos de mudanças muito importantes que a própria fotografia foi atravessando. Nem precisava de oficina de fotografia nem nada, já fotografavam o dia a dia, muita selfie, fotografia contemporânea, publicavam em suas redes sociais, fazendo circular a sua própria imagem. Essa é uma mudança importante na história da fotografia. Uma outra mudança que todo o processo de 20 anos agrega é que eles estavam num momento de acampamento, ainda naquela busca e esperança de conquista da terra.

Em 2003, quando eles fotografam, já têm casa, têm escola. Em 2017, um fenômeno importante é que, passada aquela euforia da conquista, passado o momento em que se concretiza a esperança, eles vão produzir uma espécie de empoderamento, um encontro consigo mesmos, de não mais serem vistos como em 1997, pelo olhar estrangeiro, estereotipado. De não mais fotografar como em 2003, quando eles fotografavam sob aquela grande influência do discurso do MST, do olhar de ‘nós temos, nós conseguimos’. Em 2017, eram eles podendo se ver, podendo cuidar da sua imagem, fazer circular uma imagem que já está num estágio evolutivo muito mais amplo, também um processo de mudança nesses 20 anos da própria sociedade e do próprio Movimento Sem Terra.

De um movimento que nos anos 90 era a luta pela terra, a conquista da militância, e em 2003 estava saboreando essas conquistas, mas ainda com um discurso de militância. Em 2017, o MST está num outro momento, de pensar que não há mais espaço somente para o discurso de militância, que tem que analisar e mostrar o que essa conquista lá atrás gerou. Vai investir na imagem, em produtos orgânicos, no arroz, que está muito em discussão, cumprindo um outro momento dessa história.

Em 1997, o MST era tratado nas capas de revista como um movimento quase terrorista, visto como violento e agressivo. Agora, ao se declarar o maior produtor de arroz orgânico da América Latina e de espalhar pelo país lojas do Armazém do Campo, com produtos de fabricação própria, deu uma nova roupagem ao movimento. O senhor diria que houve, de fato, uma transformação ou apenas mudou o olhar? A sua visão pessoal do MST foi alterada?

Eu nunca tive uma ação militante com o MST. Quando fui fazer o trabalho, em 1997, era algo mais amplo, não só o movimento. O Brasil vivia em 1997 um momento muito agressivo em relação a políticas sociais, às desigualdades. Era um dos países com maiores índices de trabalhadores no canavial, existe uma marcha mundial contra o trabalho infantil e o Brasil era um país com esse problema.

Nosso Trabalho de Conclusão de Curso em 97 foi atuar em áreas em que a infância estava sendo explorada e também as crianças nos acampamentos. A visão que eu tinha do MST, naquele momento, era muito influenciada pela própria discussão que a Universidade estabeleceu e pelo conjunto de imagens que Sebastião Salgado vinha produzindo. Ele começou a fotografar o MST em 1996 e suas imagens faziam um contraponto ao jornalismo. A imprensa mostrava violência, invasão.

Salgado trazia uma outra imagem. Havia duas narrativas sobre o MST. Salgado trazia um olhar muito romantizado do outro, daquele que é a vítima de um sistema. E eu acabei entrando nessa mesma lógica. Aí tem uma questão importante. Eu faço no capítulo dois do meu livro uma crítica a esse olhar, meu mesmo. Por isso que há uma mudança para 2003. O movimento teve que aprender com o próprio tempo. O MST é de 1984 e começa a entrar mesmo na cena brasileira nos anos 1990, quando aparece na primeira capa da Veja.

Não é que eu tenha mudado a minha visão sobre o MST. Eu acho que é um movimento legítimo, fruto de um país extremamente desigual, cheio de conflitos sociais, marcado pela escravidão e uma história de desigualdade, de violência, que faz surgir um movimento de luta pela reforma agrária. Não deveria existir esse movimento, mas diante do caos social esse movimento é necessário.

O senhor menciona a construção da imagem e também se refere ao fato de que a sua segunda visita ao acampamento acontece na chegada de Lula ao governo em 2003. O ex-presidente está de volta ao poder, assim como os problemas sociais que estiveram ali antes. Lula sobe a rampa para tomar posse de seu terceiro mandato junto a oito integrantes da sociedade civil e há ainda uma foto emblemática, em que o presidente aparece com um cocar sobre a cabeça, referência à histórica foto de 1981, quando o então ditador João Batista de Figueiredo aparece com um quepe sobre a cabeça. Como o senhor vê a construção imagética desse início de governo com o trabalho de Ricardo Stuckert e a própria direção de fotografia oficial?

O importante é que eles compreenderam que há que se investir no cuidado com a imagem. Quando eu faço minhas apresentações do trabalho de pesquisa em diversos lugares, São Paulo, Porto Alegre, Natal, Vitória, aqui na Bahia, sempre faço uma pergunta: quem já fez uma visita a um acampamento? Raríssimas vezes alguém levanta a mão. Mas quando eu pergunto o que se sabe sobre o MST todo mundo levanta a mão. Você nunca esteve lá, mas sabe porque consome a imagem que é mediada por alguém.

E as imagens que chegam geram uma construção imaginária. Essa produção de imagem, principalmente no momento que o Brasil vive, é muito importante. Durante esses últimos quatro anos, a imagem do país esteve totalmente deteriorada. Quando Lula sobe a rampa com o povo entregando a faixa, é muito simbólico, muito forte. Quando você tem um trabalho mais acurado, mais cuidadoso, é muito importante, porque fortalece na opinião pública um determinado objetivo de governo.

Mesmo a foto de Lula saindo do Sindicato para se entregar à Polícia Federal, em 2018, foi muito bem planejada. Quando você pensa no episódio, lembra de Lula sendo carregado pelo povo. Ainda que a foto que mais circulou não tenha sido de Stuckert, mas de Francisco Proner.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Cidadão Repórter

Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro

ACESSAR

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
Rodrigo Rossoni é fotógrafo e professor de fotografia da Faculdade de Comunicação da UFBA
Play

Filme sobre o artista visual e cineasta Chico Liberato estreia

Rodrigo Rossoni é fotógrafo e professor de fotografia da Faculdade de Comunicação da UFBA
Play

A vitrine dos festivais de música para artistas baianos

Rodrigo Rossoni é fotógrafo e professor de fotografia da Faculdade de Comunicação da UFBA
Play

Estreia do A TARDE Talks dinamiza produções do A TARDE Play

Rodrigo Rossoni é fotógrafo e professor de fotografia da Faculdade de Comunicação da UFBA
Play

Rir ou não rir: como a pandemia afeta artistas que trabalham com o humor

x

Assine nossa newsletter e receba conteúdos especiais sobre a Bahia

Selecione abaixo temas de sua preferência e receba notificações personalizadas

BAHIA BBB 2024 CULTURA ECONOMIA ENTRETENIMENTO ESPORTES MUNICÍPIOS MÚSICA O CARRASCO POLÍTICA