MUITO
Romance de entretenimento: mais estranho do que a ficção?
Por Gilson Jorge
Todo mundo lembra como o universo das letras foi sacudido em 2016 quando Bob Dylan tornou-se o primeiro compositor a vencer o Prêmio Nobel de Literatura. O autor de Blowing in the wind sempre foi quase uma unanimidade na crítica musical, mas arrebatar um prêmio destinado a escritores? Parecia demasiado.
A resposta, além do vento, como diz sua famosa canção, também pode estar na fala de José Arcadio Buendia, personagem criado pelo colombiano Gabriel García Márquez, laureado em 1982 por sua obra-prima, Cem anos de solidão. “As coisas têm vida própria”, apregoava o cigano com áspero sotaque, “tudo é questão de despertar a sua alma”, diz o personagem.
Pois se o mestre do realismo fantástico, morto em 2014, fosse agora um jovem escritor brasileiro terminando um livro com histórias fabulosas sobre o futuro do país, poderia inscrever a sua obra na recém-criada categoria Romance de Entretenimento do Prêmio Jabuti, tradicional prêmio literário nacional, cuja edição 2020 está com inscrições abertas até 30 de abril. Ainda é possível estabelecer uma fronteira rígida entre alta literatura e romances de entretenimento?
A intenção declarada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), que promove o prêmio desde 1959, é valorizar escritores brasileiros que navegam pela praia da fantasia, terror, romances sentimentais e aventura, entre outros, e “fazer com que eles se tornem tão populares quanto Julio Verne, José Mauro de Vasconcelos e Mary Shelly. Por outro lado, a categoria que até o ano passado era unicamente Romance passa a ser chamada de Romance Literário.
Autor do elogiado romance As margens do paraíso, o escritor Lima Trindade considera que não há razão para a divisão da categoria em dois subgêneros. “Um best-seller pode ser bem escrito. Vamos premiar autores ruins porque não foram premiados antes?”, questiona. Lima acredita, aliás, que livros comerciais já têm o seu grande prêmio, que é justamente o dinheiro obtido com a vendagem.
“Se ele vende fácil, se dá bem. Já o autor menos comercial fica jogado no limbo”, pontua o escritor, que classifica a iniciativa como péssima.
O que significa?
Para o editor Fernando Oberlaender, da Editora Caramurê, a questão central em torno da nova categoria é quem vai avaliar o que é romance de entretenimento ou não. “A gente ainda não sabe, exatamente, o que isso significa. É uma coisa nova, uma tentativa de selecionar”, diz ele, que publica em seu selo desde escritores consagrados, como Ruy Espinheira Filho, a jovens talentos, como Breno Fernandes e Saulo Dourado. E, se é para catalogar, ele classifica a subdivisão da categoria como elitista.
Contemplado em 2006 com o segundo lugar no Jabuti na categoria Poesia, com o livro Elegia de agosto, o escritor e professor Ruy Espinheira Filho classifica a subdivisão do romance como bobagem. “Eles deveriam se preocupar em melhorar a comissão julgadora, que nos últimos tempos está um horror”, declara.
Interessado em inscrever no prêmio o seu romance O som do tempo passando, lançado em outubro passado, o escritor Victor Mascarenhas leu a descrição da categoria no site da CBL e não entendeu. Foi verificar no regulamento e entendeu menos ainda. “O Morro dos Ventos Uivantes é um romance sentimental? Aldous Huxley é um escritor de entretenimento?”, questiona Mascarenhas, ele mesmo um produtor de ficção científica. “A ideia é boa, mas ficou esquisito. Leitura é entretenimento. Ninguém pega um livro para sofrer”.
Uma voz dissonante é a da diretora de leitura e livro da Fundação Pedro Calmon, Bárbara Falcón, para quem a inclusão dessa categoria pode estimular a leitura e mesmo que mais pessoas escrevam. “Acho que não podemos ser preconceituosos. Numa análise rápida, acredito que seria mais um incentivo à formação de leitores e ao mercado editorial”, declara.
Bárbara pensa que ao se deparar com o selo do Prêmio Jabuti na capa do livro vencedor, o consumidor dessa dita categoria de romance de entretenimento pode vir a se interessar em pesquisar outros gêneros e autores contemplados pela premiação.
Não é o que pensa a escritora Gláucia Lemos. Premiada pela Academia de Letras da Bahia e Secretaria de Cultura do Recife, ela acredita apenas na existência de boa e má literatura, independentemente do gênero.
“Se a intenção é se referir ao romance sem interesse pelo texto literário, escrito de qualquer jeito, que só pretende contar uma história, no meu entender não é mais do que má literatura. Ou um texto que não merece ser chamado de literário”, arremata.
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