O Teatro Castro Alves, um gigante com uma área de mais de 6 mil m² e cerca de 280 funcionários, completou 51 anos no domingo, 4. “É uma boa idade”, diz Rose Lima, responsável nos últimos 12 anos pela direção artística do complexo cultural que inclui a Sala Principal, a Concha Acústica, a Sala do Coro e outros espaços para eventos. Boa parte dessa história, iniciada em 1967, pode ser conferida no site especial TCA 50 (www.tca.ba.gov.br). Para a arquiteta, que tem mestrado em políticas culturais e se aproximou do mundo da cultura quando atuou como curadora de artes visuais do projeto Mercado Cultural (Via Magia, 1999-2012), a marca da gestão da equipe liderada por Moacyr Gramacho na direção geral do teatro desde 2007 é o que chamam de “Novo TCA”. Além de manter uma programação artística acima da média nacional, instituíram um Centro Técnico com armazém cenográfico (“o pulmão do TCA”) e promovem a requalificação e reforma do espaço, iniciada com a Concha Acústica e que se encontra na segunda etapa, com obras na Sala do Coro. “Há um pensamento com diretrizes para tudo poder ir surgindo, e acho que é por isso que a gente consegue realizar, às vezes com muita dificuldade, às vezes com facilidade, mas consegue realizar porque tem um objetivo”, considera. Para este semestre, além de apresentações como a da Cia. de Dança Deborah Colker, Maria Bethânia e Zeca Pagodinho, homenagem a Ederaldo Gentil, entre outros, ela revela nesta entrevista a circulação da Osba pelo interior, a negociação para a volta do projeto Sua Nota é Um Show, a possibilidade de ampliar ações na Sala Principal e questões sobre a gestão do próprio TCA.
Com muitas atrações já confirmadas para a programação artística do TCA no primeiro semestre, as redes sociais andam inflamadas mesmo é com os preços dos ingressos para o show Caravanas, de Chico Buarque, em quatro noites de maio (17 a 20). As inteiras vão de R$ 320 a R$ 490, com meia-entrada para 40% do total dos ingressos. Esses valores dão direito a um jantar ou, como disseram no Facebook, a massagem e “olhos nos olhos” com o artista?
Concordo que o valor deveria dar direito a uma casadinha, no mínimo. Mas a questão é a seguinte: o teatro, nesses casos, faz locação de pautas, e quem determina o valor dos ingressos é a produção. Porque é o produtor que sabe dos custos para colocar Chico Buarque, a banda e toda uma equipe no palco do TCA. O que fizemos, nesse caso, foi tentar aconselhar que é um valor alto para os padrões de uma cidade como Salvador, e o que eles falaram é que é um valor igual para todo o país. Não temos como interferir, infelizmente. Projetos que são próprios do teatro, em que a produção é do estado, conseguimos ter um valor mais acessível. O Concha Negra teve ingressos a R$ 30 e R$ 15, todos os espetáculos da Orquestra Sinfônica (Osba) são R$ 10 e R$ 5, R$ 20 e R$ 10, assim como também os projetos do Balé Teatro Castro Alves (BTCA), do Neojiba e o Domingo no TCA a R$ 1.
O que você considera a principal marca dessa gestão, desde 2007?
O TCA é um teatro muito grande, com mais de 6 mil m² de área construída, e é muito pujante. A gente tem uma média nacional de ocupação bastante alta em relação aos teatros, quiçá a maior do Norte-Nordeste, não em relação ao tamanho, mas em termos de pujança da programação artística. Geralmente, os teatros têm uma média de 12 apresentações por mês, e aqui a gente tem uma média de 16 na Sala Principal. Acho que a grande marca da gestão é um projeto que chamamos de Novo TCA. É um projeto que, desde 2007, essa gestão fez vários diagnósticos, não só físicos, mas do que acontecia aqui dentro e o que era necessário.
E como foram os desdobramentos?
Quando fizemos o Domingo no TCA foi para mostrar que esse teatro é um teatro público e que tem que oferecer acessibilidade. Aqui não existe cultura, existem culturas; não há um público, existem públicos. Não podemos pensar apenas num público-alvo, esse que paga, esse não é o público-alvo; temos que pensar nos invisibilizados. Criamos alguns projetos, como o Domingo no TCA, para ter a experiência de espetáculos artísticos na Sala Principal, que dá outras possibilidades estéticas, de luz, efeitos, sonoridade. O foco é dar acessibilidade, permeabilidade, no sentido não só da fruição, mas para o público específico da área da engenharia teatral poder estar aqui. O Centro Técnico é o pulmão do teatro. Não tem a visibilidade que tem um show, mas é o que dá a base para eles acontecerem. O Centro Técnico, com o espaço para figurinos ou na área de cenotecnia, presta cerca de 180 apoios por ano. Quase tudo que passa pela cidade tem nosso apoio, independentemente de ser aqui. Fora isso, a gente tem a Osba e o BTCA, que também são corpos estáveis, que vivem aqui dentro, e o Neojiba, corpo residente, que também vive aqui.
No caso do Domingo no TCA, por exemplo, com ingressos a R$ 1 e R$ 0,50, você não considera que é pouco apenas 12 edições por ano?
Sim. E acho que a gente deveria ter muito mais, mas é a possibilidade que temos, a verba que temos, e é com ela que podemos nos movimentar. Mas acho que, além do acesso, o Domingo no TCA tem a função de acender uma centelha para que, depois de assistir, por exemplo, a Chico César a R$ 1, as pessoas passem a conhecer aquela obra e a procurar em outros meios um conhecimento maior daqueles espetáculos. Alguém vem aqui com esse valor de R$ 1 ou R$ 0,50 assistir à Osba fazendo um cine-concerto, mas acende aquela fagulha sobre o que é a música orquestral e depois vem assistir por R$ 5 ou R$ 10, que também é um valor popular. Mas é claro que a vontade era fazer vários Domingos no TCA no mês, mas essa é a possibilidade. A gente tem um projeto que tem tentado trabalhar para fazer parte dos nossos projetos realizados que é o Sexta a Dois, seria nas sextas-feiras a R$ 2.
E isso pode acontecer para além da declaração?
Pode acontecer, sim, é um projeto que a gente tem trabalhado para tentar emplacar. A gente tem também uma indicação que o Sua Nota É Um Show voltará. A Secretaria da Fazenda entrava com recurso para contratação dos artistas e a Cultura entrava com espaço e logística. A gente está esperando a integração da nota estadual, pois já existe a nota municipal eletrônica, e a nota estadual ainda está em processo de consolidação. O TCA é uma peça na grande engrenagem da cultura na Bahia. Quando falamos que temos o Domingo no TCA a R$ 1, também temos espetáculos nas praças do Pelourinho com preços acessíveis. De certa forma, você vai tentando dar condição em vários outros espaços e que não seja só o TCA, porque nem tudo é ideal que aconteça aqui.
Tanto você como Moacyr Gramacho são arquitetos. Isso foi uma consequência ou uma coincidência para a realização do Novo TCA?
Moacyr já fazia trabalhos na área da cenografia, já tinha feito vários Núcleo TCA de Teatro e já conhecia bastante a casa. Quando Marcio Meirelles foi secretário de Cultura, convidou Moacyr para a direção do teatro. Naquele momento, a gente estava tendo um alinhamento com o Ministério da Cultura, que havia sido criado há pouco tempo. Foi muito interessante porque se rompeu com o que estava estabelecido aqui dentro. Sei que Theodomiro Queiroz [ex-diretor-geral do TCA] teve a maior importância aqui dentro, tudo que ele fez e conseguiu consolidar, mas aquele foi um momento que veio alguém da base da economia do teatro para ser o diretor do TCA. Não tem como isso não dar uma outra visão de necessidade, e é claro que Moacyr vai chamando essa cadeia da economia da cultura e da engenharia do espetáculo para cima. Ele diz que é um quase arquiteto, eu digo que ele é um arquiteto de mão cheia. A arquitetura dá uma condição muito grande de você estabelecer metas e fazer, você tem realização. A arquitetura não é só papel, ela é construída. Acho que isso deu à gente uma visão em que pegou as necessidades do teatro e rebateu na arquitetura. Então, não à toa, quando a gente entrou no Centro Técnico foram vários caminhões com coisas retiradas para que pudesse dar lugar ao novo se estabelecer de outra forma, e o Centro Técnico passou a ter muita importância. A gente também criou outros projetos que talvez passem despercebidos para o público em geral, que é o Conversas Plugadas, que já teve Luana Piovani ou Claudia Raia, mas sempre falando do ponto de vista do produtor e não do artista, o que já é uma grande diferença, assim como Gringo Cardia, Serroni, Vera Hamburguer, Deborah Colker, falando sobre como é montar um espetáculo, então tudo isso traz outro público. Tem também o Ver da Coxia, que é a possibilidade de cenotécnicos da cidade assistirem ao Momix, por exemplo, aquele espetáculo de sombras, de dentro da coxia, e ver que às vezes é só você ter um skate e que com a luz você tem um efeito. Nesse sentido, tem uma importância muito grande.
Nesses anos todos, qual foi a solução que vocês encontraram para a gestão do BTCA e da Osba, que, mesmo sendo corpos estáveis do TCA, aqui e ali passam por turbulências?
Realmente, é uma questão muito delicada. Quando chegamos, as companhias já tinham sido criadas, funcionavam e tudo o mais, mas não tinha sido pensado um plano de carreira, e não imputo nenhum erro a ninguém, principalmente para o BTCA. A gente teve que arrumar a casa e ainda hoje estamos tentando arrumar. Quanto à Orquestra Sinfônica, houve um processo que, apesar de ter demorado praticamente 10 anos, conseguimos lograr sucesso. Então, a Osba foi publicizada em abril do ano passado, e a gente conseguiu fazer um edital público em que o vencedor foi a Associação dos Amigos do Teatro Castro Alves. A Osba tem feito seus concertos com muito sucesso de público, nosso maestro Carlos Prazeres tem uma empatia com o público muito grande. A Osba vai começar uma grande circulação que há muito tempo não conseguia fazer pelo interior da Bahia. Há 12 anos existia uma brincadeira que dizia que a Osba e o BTCA viviam nas torres do castelo, porque a gente tem dois elevadores que levam aos locais em que eles ensaiam, mas eles passaram a ter uma política de cultura bem definida, que não é só a temporada do balé viajando nos EUA, ou a orquestra. Eles passaram a compartilhar saberes com outros elementos do próprio estado. O BTCA tem hoje uma relação interessante com a Escola de Dança da Fundação Cultural. Então, eles fazem espetáculos que têm o BTCA como base. Existem não só como corpos estáveis que fazem sua função artística, mas como funcionários públicos também compartilham o que é necessário.
E quanto ao BTCA?
O BTCA a gente está se debruçando agora, uma vez que conseguimos que a Osba já tenha esse formato, pensamos qual seria o melhor formato para o BTCA. Temos também um grupo de estudos que está funcionando desde o ano passado trabalhando sobre quais são os caminhos para a gestão do TCA, porque ele é ligado à Fundação Cultural e já há uma uniformidade de pensamento sobre funções distintas. A Fundação Cultural tem a função de estar presente nos 417 municípios com as seis linguagens artísticas, e o teatro é um complexo cultural que depois da consolidação do Novo TCA, que não é apenas um projeto arquitetônico, reflete uma necessidade muito maior. De qualquer forma, esse Novo TCA tem uma nova Concha, uma Esplanada que pode ter função artística, o estacionamento, estamos na segunda etapa com a da Sala do Coro, que é muito conectado aos artistas locais. Então, a gente vê a necessidade de que o teatro tenha maior independência, porque de fato tem, mas de direito não, para que agora a gente possa ter mais fluidez para captar e ter mais projetos próprios.
Nesses últimos 12 anos da gestão do TCA, a pasta da Cultura já está com o quarto titular. Essas mudanças afetam a condução dos projetos?
Sempre tivemos uma boa relação com os secretários e os governadores. É um teatro público e fazemos o nosso trabalho dentro dessa perspectiva. Penso que alguns entraves que existem vêm de uma conjuntura muito maior, digamos, internacional e nacional de falta de verbas; então, em alguns momentos tive contingenciamentos ou corte de alguns projetos por falta de verbas, mas este é um horizonte maior para ser analisado.
Aqui na sua sala, temos cartazes de show realizados aqui com Tereza Salgueiro, Bobby McFerrin, Philip Glass, John Malkovich, entre outros, pelo projeto Série TCA. A última ocorreu em 2015...
A Série TCA é um projeto que nós, como a cidade inteira, sentimos falta, e foi contingenciado porque num determinado momento a gente não teve verba para dar continuidade, mas a gente aguarda por tempos melhores em que a receita do estado da Bahia seja maior e que a gente possa retornar a ter esses espetáculos, porque, realmente, os produtores não têm, talvez, a possibilidade de trazer atrações internacionais e a gente tinha.
Em relação aos projetos, quais as novidades para este ano?
Tem coisas que a gente pode adiantar e outras não. A gente tem que aguardar inicialmente que o artista e a assessoria de comunicação definam e deflagrem a pauta para depois a gente poder entrar nas nossas redes. A gente vai ter uma programação grande tanto na Concha como na Sala Principal. Temos uma marca de diversidade tanto de públicos como de linguagens. Além das atrações que já estão com ingressos à venda para o primeiro semestre, estamos na torcida para concretizar o Jorge Ben Jor na Concha e também dou destaque à Osba, que no ano passado fez dois eventos que foram sucesso e esgotaram os ingressos. É uma mudança de paradigma. Uma orquestra que nos últimos 11 anos passou de uma ocupação de 180 pessoas no TCA para duas edições esgotadas de cinco mil pessoas na Concha. No dia do aniversário de Salvador (29 de março), vamos ter dois eventos muito bonitos: a Orquestra Sinfônica na Concha, com convidados especiais, e Mariene de Castro na Sala Principal, iniciando aqui a turnê de lançamento de um novo trabalho, comemorando 20 anos de carreira.
Além da programação artística, vocês pensam em ajustes ou novos projetos?
Estamos fazendo reuniões acerca do Concha Negra, que já teve seis edições desde agosto do ano passado, e deu uma liga importante com os blocos afros e o público da Concha. Foi interessante ver o Ilê Aiyê com Criolo e Daniela Mercury; Brown com Filhos de Gandhy. As aberturas são com grupos que passam a ter visibilidade maior e a parceria maravilhosa com o Irdeb com a transmissão, levando pessoas que estão em outros países a relatar a experiência de ver os espetáculos online. Isso vai ser mantido.
Vivemos um momento muito tenso no país em relação aos valores democráticos. Acho importante que, além da experiência estética com diversas linguagens, vocês tenham aberto espaço para pensadores e escritores. Na sua opinião, qual o papel do TCA em relação à reflexão neste momento?
Nesses encontros, as pessoas estão ouvindo e estão tendo uma dimensão simbólica de estar juntos, discutindo sobre determinados assuntos. A literatura também é uma linguagem que deve ser incentivada. Por que não ouvir o que Mia Couto, Agualusa ou Wisnik têm a dizer? São pensadores e, cada um no seu universo, refletem o pensamento de uma época. É importante até para ser contestado. Ninguém pode ter a arrogância de pensar que no momento que você apresenta uma programação só essa é a certa e que você tem que reproduzir. Acho que a função da arte é trazer de outra forma: você assiste a um espetáculo de dança e ali está também um pensamento, é como se você tivesse tendo elementos para formatar seu HD. Também acho importante que a gente possa passar antes de alguns espetáculos VTs tanto de grupos locais como nacionais falando sobre a censura e a necessidade de observar e não permitir que ela se instale mais uma vez.