MUITO
Rotas do desejo: conheça histórias de viagens que valem mais pela experiência do que pelo destino
Por Daniel Oliveira
A experiência humana é permeada por viagens desde que o mundo é mundo. Em todos instantes, alguém está viajando por aí. No céu, na terra e no mar, por variadas distâncias, as pessoas se deslocam por vontade de conhecer lugares, buscar novas vivências e entrar em contato com diferentes modos de vida. Uma prática que atravessa a vida de milhares de pessoas e que, anos após ano, vem crescendo, segundo os relatórios anuais da Organização Mundial de Turismo (OMT).
Alguns não sabem o que vão encontrar, são errantes em suas incursões, mas outros planejam e trilham suas rotas com um objetivo específico e bem definido – relacionado aos seus interesses, possibilidades e sonhos – seja gastronômico, cultural, de exercício da fé, para atividade esportiva e até para exploração além do planeta Terra.
O empresário baiano Fabrício Bloisi, CEO da Movile (que administra aplicativos como o iFood), por exemplo, escreveu um artigo no ano passado afirmando que pretende realizar o sonho de ir para o espaço até 2022, em uma excursão organizada pelo dono da Amazon, Jeff Bezos.
Ele diz no texto: “Conquistar Marte, levar turistas para o espaço, melhorar a vida de um bilhão de pessoas por meio de aplicativos, criar um líder global de tecnologia a partir do Brasil. Todo projeto incrível começa assim”.
Evidentemente, nem todo sonho de viagem visa um destino em si, muito menos tão distante e, de certa forma, improvável. O engenheiro Bruno Maia, desde que começou a correr por estímulo da sua esposa, a triatleta Melina San Martin, viaja em busca de corridas. Já participou da meia-maratona de São Paulo e da maratona de Berlim – umas das seis etapas do circuito World Majors Marathon.
“Antes viajava só por turismo, escolhia um local sem um objetivo tão específico. Agora vou para correr. Queremos fazer as outras cinco maratonas, de Boston, Chicago, Nova Iorque, Londres e Tóquio, para completar. Fico sempre acompanhando os preços das passagens e os locais dos eventos”.
Na estrada por esporte
Numa das idas ao exterior com esse fim, Bruno teve uma lesão e não conseguiu correr, mas acompanhou Melina de bicicleta. “É um estilo de vida que envolve fazer essas viagens. Mudei a alimentação para melhorar a performance e comecei a nadar. A ideia é fazer as duas coisas nas próximas”, conta.
O gerente de vendas e torcedor do Vitória Gabriel Rosário é conhecido das arquibancadas nos jogos do time baiano em estádios fora de Salvador. Foi para tantas partidas que já perdeu as contas. Leva a filha junto, faz amizades, inclusive com a torcida da equipe adversária. Começou a cultivar o hábito em 2007, quando mudou da sua cidade natal, Ilhéus, para a capital baiana.
“Tem duas coisas: a paixão pelo clube e a diversão, os amigos. E sou um cara apaixonado por estrada. Se a passagem de avião está cara, vou de ônibus, de carro. Sempre me divirto, conheço as cidades, culturas diferentes”, explica.
Ele lembra com carinho de quando foi para Curitiba e Cuiabá para acompanhar a equipe. Mas é da viagem, em 2012, para assistir à final da Copa do Brasil sub-20, em Sete Lagoas (MG), que fala com mais emoção: “O Vitória foi campeão, em cima do Galo, lá em Belo Horizonte. Querendo ou não, foi um título nacional. Fui de carro, dormi na estrada e depois voltei. Foi um jogo muito especial”.
Embora seja uma escolha de vida, a família de Gabriel não aprovou inicialmente essa peculiar rotina. “A galera, minha mãe, meu irmão, não reagiam bem, não. Meus amigos me chamam de louco. Mas hoje viram que não tem jeito. É um hobby que tenho. Gosto de fazer, me sinto bem. Um estado de espírito. Sou louco, mas sou feliz”, afirma. Mesmo a fase ruim do rubro-negro e as frustrações com as derrotas não abalam a prática de Gabriel.
“O saldo é sempre positivo. Claro que dentro do campo, como todos os times, há alegrias e tristezas”, pondera.
Banda dos sonhos
Para Renata Alves, jornalista soteropolitana que mora na cidade de Melbourne, na Austrália, as motivações para viajar são, principalmente, musicais. Fã da banda norte-americana Blackberry Smoke, que entremeia o country e o rock, ela já passou dezenas de horas dentro de avião para assistir a shows nos Estados Unidos. Essa ligação começou quando um amigo de Salvador apresentou o som do grupo, em 2014, e logo surgiu um intenso desejo de ir para uma apresentação.
“Pelo fato de o Blackberry Smoke não ser uma banda de grande porte, como Guns N’Roses, Foo Fighters ou Maroon 5, não viaja tanto para fora dos Estados Unidos. Então, resolvi viajar para vê-los. Precisava ver os caras ao vivo. E, quando assisti, a paixão aumentou ainda mais”, revela.
A partir daí, iniciou o que chama de “saga” para ver as apresentações em lugares diversos. Conheceu uma turma de fãs, o “brothers and sisters”. “É como uma família. São pessoas do mundo inteiro, mas majoritariamente dos Estados Unidos, que se conectam e se tornaram amigas na vida real por conta do grupo”.
Renata já era frequentadora da cena roqueira de Salvador e costumava viajar para o Sudeste do país para festivais, como Lollapalooza e Planeta Terra, e shows de rock, como o do Foo Fighters, Stereophonics, Coldplay e Paul McCartney (este por três vezes, em cidades distintas).
Também fez uma excursão “beatlemaníaca” para a Inglaterra com integrantes do fã-clube Beatles Social Club, que se reúne mensalmente numa pizzaria no Rio Vermelho. Ou seja, tinha iniciação no universo de fãs de rock.
Atualmente, não sabe o número exato de viagens que fez para assistir a shows. Até num cruzeiro, organizado pela lendária banda Kiss, Renata já navegou. Para ver o Blackberry Smoke, retornou aos Estados Unidos em outras ocasiões e chegou a assistir à apresentação do grupo em Atlanta, cidade natal dos músicos, dividindo a plateia com os familiares dos integrantes.
“Viajar para shows une duas das coisas que mais gosto de fazer: música, que é minha paixão, e viajar, que é algo que todo mundo gosta. Muitas pessoas falam: ‘Você está gastando uma grana só para ver um show’. E não é só assistir a um show. É ver a sua banda preferida e ter a oportunidade de conhecer lugares novos. Visitei cidades quase rurais nos Estados Unidos, conheci o Museu da Música Country”, lista.
No contexto do Blackberry Smoke, além da música, Renata também construiu vínculos de amizade que pretende preservar ao longo da vida. “Por causa deles, conheci pessoas maravilhosas que são amigos de verdade. Me apoiam quando eu preciso, eu apoio quando elas precisam. Amizade verdadeira mesmo. Hoje viajo por causa da banda e por causa dessas pessoas também”.
Nesses percursos de viagem, mesmo quando as finalidades são nítidas e conscientes, outros caminhos estão sempre ali, abrindo múltiplas possibilidades. Os roteiros não precisam ser rígidos ou unidirecionais.
Já a gestora cultural Carol Marques, em seus deslocamentos, se interessa, sobretudo, pela gastronomia. Pesquisa restaurantes, organiza planilha e vai aos espaços de comidas típicas. “É um modo de olhar e conhecer a cultura”, afirma. Mas, muitas vezes, deixa se surpreender, arrisca sabores.
Ela não gosta de milho, mas, no Chile, não abriu mão de comer o pastel de choclo – cuja base é o milho. No restaurante Elena – considerado um dos 50 melhores da América Latina, em 2018, na premiação continental do 50 Best Restaurants Global – mais uma vez repetiu o milho no prato. Deu oportunidade para o inesperado.
“Mesmo quando não gosto, a experiência vale a pena. Foi assim com o escargô, quando experimentei em Paris. É como uma lambreta, porém três vezes mais forte. Não repetiria. Mas viajar é abrir a mente”.
Busca espiritual
Conectar-se com pessoas, com gostos e objetivos comuns também mobiliza a educadora Aldacy de Souza, hoje aposentada, em suas voltas pelo mundo. No caso dela, o foco é a fé. Espírita e participante do movimento em torno do indiano Sathya Sai Baba, viaja por motivações religiosas com grande frequência, tanto para retiros espirituais no Brasil ou em outros países da América Latina, como para o Ashram – templo sagrado de Sai Baba, na Índia.
“A minha primeira viagem foi em 2001. Já fui algumas vezes para o Ashram e parei de contar. O lugar inspira a gente a pensar no bem, fazer o bem, pensar em nós mesmos, na finalidade da vida. Sempre que posso vou. É uma oportunidade de estar com pessoas de várias partes do mundo, com o mesmo objetivo, de pensar em Deus, entregar a vida ao divino. Ser um humano melhor”, afirma.
Aldacy cresceu numa família com pluralidade religiosa, do espiritismo ao candomblé, passando por catolicismo e protestantismo. Quer dizer, rodeada por uma diversidade de manifestações de fé. Assim, sempre teve curiosidade e desenvolveu o hábito de buscar e estar em espaços que suscitem uma viagem interior, em suas palavras, “onde as pessoas se reúnem para fazer orações, pensar em si e nos outros”.
Entretanto, para ela, tais lugares podem ser encontrados na própria natureza. E não é preciso ir tão longe. Cita a Lagoa do Abaeté, em Itapuã, e o Parque São Bartolomeu, no subúrbio, como exemplos soteropolitanos desses espaços. “Os templos foram criados para facilitar o nosso caminho. As coisas ficam mais fáceis nessa relação com o outro. Mas a natureza o tempo todo está mostrando. É só olhar para o balançar das árvores e seguir”.
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