MUITO
Sabores com memória: os projetos do Mãe Comida Afetiva
Café Mãe inaugura um restaurante na Casa do Carnaval e lança projeto social
Por Marcos Dias
“Coloque o leite no fogo para ficar bem quente, aí coloque o açúcar e mexa até o açúcar misturar no leite. Bata os ovos em neve e coloque no leite, vá misturando, não é para mexer”. Essas instruções para fazer uma ambrosia incrível estão impressas com a letra de dona Josete no jogo americano do Café Mãe. Assim como o leite materno é o primeiro alimento, imagine levar como conceito todos os valores da maternidade – amor, conforto, cuidado – para a gastronomia?
Ali, no Comércio, de onde se vê o Elevador Lacerda e o Mercado Modelo, precisamente no museu Cidade da Música da Bahia, estão sendo gestados outros projetos de culinária afetiva. Além das opções de café, doces, salgados e comidinhas, a decoração conta com fotos, pratos, cadernos de receitas e outras lembranças familiares que são uma inspiração para o ambiente.
Já há alguns anos, dona Josete, mãe das produtoras culturais Paula e Elaine Hazin, sonhava em ter um café. Vibrou quando a empresa das filhas venceu a licitação para a gestão dos espaços culturais da prefeitura e, exatamente ali, havia o projeto para um café.
Aos 71 anos, estava animada em tocar o espaço em que cabem cerca de 20 pessoas sentadas. Mas em tempos como o que vivemos, seis pessoas da sua família contraíram covid-19 e dona Josete não resistiu às complicações da doença.
“Ela era uma mulher cheia de vida, uma coisa impressionante, sempre cozinhou muito bem. Era muito amor que ela colocava nas coisas que fazia. A sensação que a gente teve foi a de que tiraram nosso chão. Mas demos continuidade ao sonho dela, homenageando-a”, diz Elaine.
Encantamento
A irmã, Paula, que sempre amou o bife a rolê feito pela mãe, recorda o “encantamento” que as comidas dela provocavam – era de dona Josete, inclusive, a produção dos doces e compotas feitos para a chef Dadá, que cruzaram fronteiras.
“Ela tinha uma vitalidade enorme, era cheia de energia, sorrisos e talentos, e com o falecimento a gente se viu com o dilema do que faríamos com o café”, diz Paula.
O dinamismo da mãe, de algum modo, moveu as filhas, que chamaram a amiga e chef Paula Bandeira para, igualmente nutrida por memórias familiares, desenvolverem o Mãe Comida Afetiva.
A marca está operando desde novembro o Festival Donas do Sabor, no Shopping Barra, que conta com comidas de outras chefs (“embaixadoras”) e prossegue até o final deste mês. No festival, com a assinatura da chef do Mãe Comida Afetiva, servem entradas, pratos principais e sobremesas da comida patrimonial baiana.
A recepção do público tem dado ânimo ao projeto. Outro dia, serviram moqueca de camarão com chuchu e ovo, como diz Paula Hazin, “uma moquequinha muito caseira”. As pessoas adoram e, não raro, dizem que os pratos – incluindo bobó de camarão, entre outros – lembram a comida da casa da mãe ou da avó. “Acho que nem a gente imaginava o poder que essa simplicidade de fazer, em termos de paladar e sabor, pudesse estar encantando as pessoas”.
Vou pra Bahia
A chef Paula Almeida, que conheceu dona Josete há 12 anos, quando era consultora gastronômica, honra os dons culinários da própria família criando e recriando delícias litorâneas que aprendeu com a avó materna, ou se inspira nas tradições do lado paterno, do oeste.
Batizou, por exemplo, um doce de Vou pra Bahia – porque em Cocos ainda se fala ‘vou pra Bahia’ quando alguém vem para Salvador. E é assim: bolinhos de estudante com brigadeiro branco, frutas grelhadas e sorvete de coco. Outro: um nhoque de banana da terra com molho de queijo coalho e crocante de carne de fumeiro. Tudo sem produtos químicos, molhos ou caldos industrializados.
Juntas, as três agora preparam o lançamento de um restaurante na Casa do Carnaval (Pelourinho), ainda neste mês, com capacidade para 60 pessoas. E num universo em que valores femininos prevalecem, incluindo o modo de cozinhar, vão criar ainda neste semestre uma escola de culinária para mulheres na Casa do Carnaval.
“Vamos fazer do Mãe um projeto social também e queremos ensinar culinária a mulheres em situação de vulnerabilidade, que foram violentadas ou têm filhos deficientes, para que através da comida tenham independência e resgatem a autoestima”, adianta Elaine. A mãe dela, aliás, ajudava algumas instituições sem contar a ninguém.
Novas receitas de dona Josete devem ser impressas nos próximos jogos americanos onde houver a marca Mãe Comida Afetiva. Por enquanto, é importante notar que na de ambrosia ela incluía meio copo de suco de laranja no preparo. Faz toda diferença. Coisa de mãe.
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