MUITO
Salvador tem litoral, mas compra peixe no mercado: filme pergunta o por quê
Onde a onda quebra mostra a relação de três pescadores com a vida no mar
Por Gilson Jorge

Em uma noite de 2024, uma pequena equipe de filmagem decidida a produzir um documentário sobre soteropolitanos que vivem do mar mergulhou nas águas da famosa praia de Itapuã, na companhia do veterano Ari Pescador, com uma lanterna e uma câmera, enxergando juntos, pela primeira vez, a beleza da vida subaquática sem a luz do Sol.
"Para Ari, foi diferente ser filmado durante a pesca submarina, que é do que ele vive. E a gente mergulhou com uma pessoa superprofissional, sem a qual não poderíamos estar ali", destaca a cineasta Lara Beck, diretora de Onde a onda quebra, filme que mostra a relação de três pescadores com a vida no mar.
Se na foz do Rio Amazonas, o encontro das águas fluviais com o Atlântico provoca o fenômeno da pororoca, aqui na orla atlântica soteropolitana o encontro submarino do cinema com a pesca fez pulularem ideias na cabeça da cineasta, que está registrando a forma de viver de três pescadores baianos.
"Entender esse mar à noite foi uma experiência muito bonita", afirma a documentarista, que também foi a alto-mar durante o dia, com outro pescador, Almir Albergaría, e viu quase toda sua equipe sofrer com náuseas e vômitos, enquanto registrava a beleza e a solidão de um pequeno barco pesqueiro longe da costa. E também foi à Ilha de Maré, documentar o trabalho de marisqueiras em uma comunidade.
"Eu fui lá diferentes vezes e o manguezal nunca é o mesmo", conta a cineasta, que começou a rodar o filme com a noção de que queria apresentar a vida de quem trabalha no mar e construir o roteiro ao longo da jornada, com a ajuda dos protagonistas. O filme tem fotografia Gabriel Teixeira, companheiro da diretora.
Lara é a idealizadora do Cinema e Sal, projeto de educação comunitária que leva conhecimentos do setor audiovisual a jovens da periferia. E sempre que via os barquinhos de pesca ancorados nas praias da orla atlântica e da Baía de Todos-os-Santos, ao longo dos dez anos de atividade nesse setor, interessava-se em saber mais sobre aquelas pessoas que saem para o mar. "São pessoas que vivem em cidades grandes, como Salvador, mas têm a vida intimamente ligada ao mar", afirma Lara, que em 2018 fez um documentário sobre colônias de pescadores de Itapuã e do Rio Vermelho. O filme foi exibido em um telejornal local.
Uma história maior
Nesse período, a cineasta conheceu dois trabalhadores que anos depois se tornariam protagonistas do seu filme, Ari Pescador e Almir Albergaria. "Gabriel e eu tivemos um sentimento muito forte que não era uma história a ser contada em sete minutos. Seria uma história maior", recorda Lara.
Os pescadores tornaram-se amigos da cineasta e das conversas surgiu o plano de fazer um filme sobre pessoas que vivem do mar. "A pesca seria um fio condutor, mas a abordagem extrapolaria esse tema", conta a cineasta, que passou uns meses conhecendo melhor os seus personagens e as suas histórias.
Quando foi tomada a decisão de fazer o filme, a produção foi atrás de uma terceira personagem e encontrou a pescadora Marizelha Lopes, conhecida como Nega, líder comunitária em Bananeiras, na Ilha de Maré.
Uma das perguntas que o filme se propôs a fazer é por que em Salvador se compra tanto peixe no mercado, quando a Bahia conta com o maior litoral do país. "Há tanto peixe fresco nas colônias. Isso também nos aproximou durante a pesquisa", conta a cineasta, que passou a comprar regularmente o pescado local. "O interesse pela pesca fez com que passássemos a frequentar as colônias como consumidores", conta Lara.
Havia a decisão de fazer um filme, mas o roteiro não estava pronto. "A gente descobriu juntos esse filme, do que esse filme ia falar", declara a cineasta, que aponta em sua obra uma certa subjetividade na cosmovisão de pessoas que vivem próximas à natureza. "Para Gabriel e para mim, foi muito interessante o processo de aproximação das pessoas que iriam fazer o filme. Por exemplo, eu não sou uma documentarista que quer apenas fazer perguntas, entrar na vida dos outros, sem deixar nada de mim, sem que haja uma troca", afirma Lara.
De certa forma, o filme cobre geograficamente a cidade a partir do litoral. "O bacana é que, dentro dessa comunidade do mar, a gente conseguiu traçar três pontos que margeiam a cidade. O extremo de Itapuã, o Rio Vermelho, no meio, e depois a boca da baía", diz Gabriel, ressaltando o desafio que é retratar a atividade pesqueira, comum a todo o litoral, a partir de locais que têm suas singularidades.
Um ponto destacado por Gabriel é que desde o mar é possível ver os enormes edifícios da Cidade Alta. "É interessante conseguir perceber essa cartografia da cidade, a partir da Baía de Todos-os-Santos e do próprio Oceano Atlântico", declara Gabriel, que passou pela experiência da náusea em alto mar. Ele precisou ficar deitado no barco se recuperando, enquanto Lara filmava, mas ainda assim erguia a mão e segurava o microfone para fazer a captação do áudio.
O filme, que foi contemplado pela Lei Paulo Gustavo com recursos para finalização, ainda não tem data para lançamento.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes