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Segundo Sexo

Eron Rezende

Por Eron Rezende

17/07/2017 - 13:39 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
Novas tecnologias mudam relações sexuais
Novas tecnologias mudam relações sexuais -

A conheceu B na festa de um amigo em comum. Trocaram olhares, números e a promessa de um novo encontro. Mas A, carioca, voltou para casa sem rever B, baiano. Um desencontro, eles entenderam. Numa noite, A apareceu na tela do celular de B. Disse algo como: “Pensei em você agora”. E depois: “Que tesão você me provoca”. Estimularam-se como um casal na cama. Nudes, safadezas escritas, safadezas faladas, safadezas filmadas. Gozaram.

A história traduz o sexting (termo inglês que quer dizer sexo com envio de mensagens pelo celular, mas que você pode chamar de sexo digital) e foi contada num encontro promovido por uma empresa de produtos eróticos. Ocorrido numa tarde no início de julho, num sobrado no bairro do Rio Vermelho, o evento reuniu pesquisadores e curiosos para discutir a “transa contemporânea”, como se lia num cartaz. A julgar pelo afinco com que plateia e palestrantes interagiram, compreender o que muda – e, sobretudo, o que não muda – no universo dos relacionamentos pós-aplicativos de encontros é a quintessência da vida.
Nada mais compreensível para uma civilização devotada ao sexo. Desde que descobrimos como fabricar utensílios, empregamos a tecnologia como ferramenta do prazer. O brinquedo sexual mais antigo, um consolo de pedra, tem cerca de 28 mil anos. É anterior à invenção da agricultura. Em nossa linha evolutiva, é como se, a cada vez que surge uma nova fonte de energia ou matéria, logo aparece alguém para indagar: como é que eu posso usar isso para o sexo?

A oferta sexual está ao nosso alcance e há uma lógica de mercado nisso. Pessoas não mais decidem ficar juntas porque há escassez de opções, mas porque acreditam genuinamente na relação. A oferta tem feito nossas escolhas mais verdadeira

Após o evento no Rio Vermelho, marquei uma conversa com uma das palestrantes, a psicóloga Rita Negreiros, integrante do Programa de Estudos em Sexualidade da USP. Uma mulher baixinha de traços japoneses que, durante sua fala, havia apresentado o maravilhoso mundo dos novos apetrechos sexuais – vibradores com ares de robôs performáticos. Havia uma questão em minha mente: o avanço tecnológico tem algum impacto essencial em nossa relação com o sexo?
“A ligação do mundo digital com o sexo é como alguns casamentos: mútua e frutífera”, disse ela. “A tecnologia nos aproximou do conhecimento do outro, mas, principalmente, de nós mesmos. Estamos no curso de uma segunda revolução sexual, em que qualquer um pode descobrir que não está sozinho em sua orientação, seus gostos e suas fantasias. Se antes sutiãs foram queimados, agora são as barreiras que nos separam que estão ruindo”.
Volto porque te amo
A revolução sexual 2.0 pode ter um nome (aplicativo) e alguns sobrenomes (Tinder, Grindr, Hornet...). Ferramentas que baixamos em nossos celulares para deixar o caminho para o sexo mais enxuto e – por que não? – mais divertido. O primeiro desses aplicativos foi exclusivo dos gays, o Grindr. Chegou em 2009 com uma premissa básica: mostrar aos gays onde estavam outros gays, usando a tecnologia do GPS. Um cadastrado do Grindr puxa o celular e consegue ver quantos outros usuários estão nas proximidades – a 200 metros ou a dois quilômetros. Aí, é só dar uma olhada na foto e, se for o caso, começar uma conversa.
Então veio o Tinder, espécie de Grindr para héteros. Surgiu em 2012 e parece estar no auge. A simplicidade é o trunfo. Podem-se trocar algumas mensagens e marcar um encontro. A velocidade é um consenso – há quem prefira partir logo para a sacanagem e há quem opte pelo périplo da conquista. O sexo é um destino – e hoje uma legião de aplicativos pode nos levar até ele. No computador da cientista social Sofia Jacob há 75 relatos de encontros marcados por ela via aplicativos. O afinco no registro é parte de uma pesquisa sobre a mediação tecnológica nos relacionamentos amorosos, que Jacob desenvolve no mestrado na Ufba.

46,4% dos jovens entre 25 e 34 anos

As histórias que narra são um misto de roubada (como quando um cara lotou sua caixa de mensagens após a transa perguntando se ela tinha alguma doença sexual), de loucura (quando a sensação de transar com um quase estranho entrega ao corpo um nível de prazer nunca antes experimentado) e de romance (o momento em que ela e uma garota se encontram por três vezes e um namorico quase vinga).
As experiências, disse Jacob, deram a ela “a noção de que as relações amorosas têm se tornado menos hipócritas”. “A oferta sexual está ao nosso alcance e há uma lógica de mercado nisso. Pessoas não mais decidem ficar juntas porque há escassez de opções, mas porque acreditam genuinamente na relação. A oferta tem feito nossas escolhas mais verdadeiras”.
A verdade na cama, sabemos, é um conceito subjetivo. Mas já há dados levantados sobre a nossa disposição em aproveitar a oferta de corpos ao redor. A Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira, do Ministério da Saúde, divulgada em 2016 e com amostras colhidas em 2014, mostrou que o número de jovens entre 15 e 24 anos que dizem ter tido mais de dez parceiros sexuais na vida tem aumentado exponencialmente – de 16,2%, em 2004, para 21,9%, em 2008, e 35,4%, em 2014.
O mesmo acontece na faixa etária logo acima, entre 25 e 34 anos – de 19,8%, em 2004, para 46,4%, em 2014. De modo geral, a pesquisa nos mostra que o acesso à internet é um terreno fértil para a liberdade sexual. Uma dúvida nasce da constatação (e para saná-la ainda não há dados oficiais levantados). Com tanta oferta, muda-se também o conceito de fidelidade? Uma olhadela na tela do Tinder é ou não traição? Sexting fora da relação é traição?

Eu também quero gozar

C me disse que pode aceitar a piscadela do parceiro para o aplicativo ao lado, mas que mensagem erótica trocada com outros já é demais. C conheceu D no Omegle, um site que tem a função de conectar computadores aleatórios em todo o mundo. Uma evolução dos velhos bate-papos de cunho sexual. No primeiro encontro, através da webcam, C pediu D tirar a camisa. D revidou o pedido: “Tira a calça”. A masturbação foi municiada por mais partes do corpo exibidas e posições pedidas. Gozaram. Ao fim, D mandou uma mensagem com seu número de telefone.
“Algumas das melhores relações sexuais que tive foram a distância”, contou, por Skype, C, que manteve uma relação com D por dois anos e oito meses. De cidades diferentes, viam-se pelo computador. Parceiros na relação estavam os brinquedos sexuais do casal. O vibrador na mão de um, controlado pelo celular na mão de outro – sim, já há brinquedos assim.
Perguntei a C o que há de especial numa transa mediada por computador ou celular. “É como acessar partes diferentes do corpo e, com isso, sensações diferentes”. E recebi uma correção: “Não há por que dizer que é ‘sexo digital’ ou ‘sexo a distância’. Quando duas pessoas se conectam para obter o gozo e a descoberta do corpo só podemos chamar de ‘sexo’”.
Não são apenas as definições de sexo que já podem ser atualizadas, mas também as definições do que é necessário para manter uma relação aquecida. Uma pesquisa da Universidade Drexel, da Filadélfia, divulgada em 2015 na convenção anual da Associação Americana de Psicologia, encontrou uma forte relação entre mensagens eróticas e a satisfação sexual e afetiva de casais. Naquele ano, oito de cada dez adultos dos Estados Unidos trocaram mensagens de teor sexual – e 75% destes estavam falando com seus parceiros fixos. Casais adeptos do sexting classificaram suas relações como mais felizes.

Toda nudez será admirada

Há, no entanto, um terreno movediço no sexo moderno. O universo das camgirls e camboys, garotas e garotos que exibem o corpo em webcams, seguindo orientações da audiência. Existem sites especializados na prática, como o LiveJasmin, focado em garotas, e o Chaturbate, dedicado ao público gay. Sem nenhuma burocracia, é possível acessar os vídeos online gratuitamente e se excitar com alguém em pleno strip-tease, em posições sexuais ou inserindo objetos em seu corpo.
A experiência tem uma parte paga: quando decidem apimentar a exibição de seus corpos, os garotos e as garotas fecham o acesso e só assiste à transmissão quem desembolsar um valor estipulado. Algumas sessões privadas chegam a durar 20 horas.
Conversei com E, uma garota esguia de cabelos longos que se apresenta no CamaraHot, versão nacional do LiveJasmin. Começou a disponibilizar vídeos no ano passado e disse embolsar mil reais mensais com o conteúdo privado. “Simplesmente me divirto e me entrego 100%, mesmo nos bate-papos gratuitos. O importante é que os espectadores também se divirtam. Meus 30 anos me garantem autonomia sobre meu corpo e eu não estou praticando nenhum crime”.
Há quem veja na prática uma versão turbinada da prostituição, já que o dinheiro está diretamente envolvido. Mas o que, de fato, remete ao ambiente dos prostíbulos é o descompromisso dos pedidos, fruto de quem não deve nenhuma máscara ao outro.
F, um garoto que se apresenta no Chaturbate, contou que closes dos seus pés e axilas são os mais pedidos. Ele é estudante de engenharia que tem, em cada sessão, uma média de 200 espectadores. A melhor resposta que disse receber é quando outros garotos revelam ter gozado junto. “Nossa sexualidade é uma aventura cultural. Não transamos com buracos, vaginas ou pênis. Mas com histórias e fantasias".
Imagem ilustrativa da imagem Segundo Sexo
Ilustração: Túlio Carapiá

Pornô de revanche

Nada é tão novo assim. Os primeiros filmes pornográficos datam de 1896. O telessexo se transformou num vantajoso negócio nos anos 1980. E quem foi adolescente nos anos 1990 deve lembrar do sucesso que se fazia ao chegar à escola comentando o Cine Band Privé, os filmes eróticos exibidos pela Rede Bandeirantes nas madrugadas.
“Da mesma forma que novos hábitos não surgem num estalar de dedos, as mudanças trazidas pela tecnologia digital serão sedimentadas aos poucos”, disse a historiadora pernambucana Tânia Silva, que criou em 2010 o programa de rádio online Eva, dedicado a entender a nova dinâmica sexual sob o viés das mulheres. Por que a indústria demorou a investir em brinquedos sexuais para o público feminino ou por que os sites de camgirls são mais acessados do que aqueles que exibem corpos masculinos são alguns dos temas do programa, hoje gravado em inglês e com a colaboração de cinco mulheres ao redor do mundo.
“Problemas como a objetificação e a promoção de violência contra a mulher ainda são desafios e muitas das tecnologias aplicadas ao sexo reafirmam estereótipos e padrões”, disse Silva, que participará, em outubro, na Holanda, de um congresso para discutir o amor em tempos digitais. Ela cita como exemplo o revenge porn (pornô de revanche), quando fotos de mulheres nuas ou no ato sexual são vazadas por seus parceiros. “Ninguém diz que um garoto é ‘vagabundo’, que é ‘fácil’. Trata-se da reprodução de um discurso que vê a mulher como objeto”.
O site MakeLoveNotPorn (Faça amor e não pornô) talvez seja um dos mais produtivos projetos criados para nos fazer refletir sobre a forma como tratamos o corpo ao lado. Os usuários postam vídeos pornôs caseiros na plataforma e recebem parte dos ganhos gerados pela visualização. A intenção é disseminar o sexo real, em contraponto à estética pornô, que ao longo dos anos tem ensinado garotos e garotas a praticarem transas irreais.
MakeLoveNotPorn nos lembra que sexo, seja presencial ou não, demora a engatar e exige uma sincronia de vontades e de tempo. Nada é tão fácil como pode fazer crer a assepsia de um pornô clássico. Por e-mail, Cindy Gallop, fundadora do site, uma ex-publicitária com cara de roqueira, relatou como percebe as mudanças que o avanço tecnológico trouxe para a cama: “Acredito que estamos no auge de um novo momento sexual, cuja característica é a diversidade e a possibilidade de conhecimento. A autorização social para experimentar pode beneficiar grupos historicamente marginalizados, como mulheres e gays, porque dá espaço para que eles obtenham maior autoconhecimento de seus corpos, realizem escolhas e completem uma revolução sexual iniciada há quase meio século”.

Tudo igual, tudo diferente

Quando Freud publicou Três ensaios sobre a sexualidade, em 1905, e estabeleceu a importância do impulso sexual sobre o comportamento, houve alvoroço e discordâncias. Mas a balança moral já se dobrara em direção à liberdade – o sexo evoluiria da condição de pecado para a de manifestação inevitável da vida.
Talvez o susto ainda provocado pelo sexting ou pelo sexo com androides – a próxima fronteira da atividade sexual, não duvide – não esteja tão distante do espanto antes provocado pela camisinha ou pela pílula anticoncepcional. Inevitável lembrar do jogo de sedução entre Rick Deckard e a robô Rachel em Blade Runner, filme baseado no livro Androides sonham com ovelhas elétricas? (1968). Ali, somos capazes de suprimir a nossa estranheza quando constatamos que em nossa frente estão apenas dois corpos desejosos pelo prazer.
“Devemos relativizar um pouco o impacto das mudanças”, me disse B, naquele encontro no bairro do Rio Vermelho. “Se você for olhar os registros históricos, verá que todas as gerações se reprisam na constatação de que ‘hoje em dia tudo mudou’ e que ‘antes era melhor’. Com o sexo e os relacionamentos tem sido da mesma forma. Antes era ‘mais genuíno’ e ‘mais autêntico’. Será?”.
Alguns dias após conversarmos, B me procurou para relatar uma nova experiência. Havia trocado mensagens e fotos com uma pessoa que pediu para que ela filmasse o seu próprio gozo. Após o envio do registro e das imagens, a resposta veio em forma de uma pergunta que parece tão antiga quanto nossa espécie: foi bom pra você?

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