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"Só pode existir economia com vida", diz João Tude

Por Gilson Jorge

02/05/2021 - 6:02 h
João Tude, Doutor em administração | Foto: Rafael Martins | Ag. A TARDE
João Tude, Doutor em administração | Foto: Rafael Martins | Ag. A TARDE -

Esta semana o Brasil atingiu o marco de 400 mil mortes provocadas pela Covid-19 desde o início da pandemia. É como se os municípios de Camaçari e Santo Antônio de Jesus tivessem perdido gradualmente toda a sua população desde março de 2020 até o presente momento. Além dessa tragédia humanitária, milhões de pequenos e médios empresários, empreendedores individuais, assalariados e trabalhadores informais estão experimentando uma brutal perda de rendimentos em função do prolongamento da pandemia. Mas existe mesmo um dilema entre preservar a saúde ou a economia? O diretor da Escola de Administração e representante da Ufba no Conselho do Sebrae-BA, professor João Tude, acredita que não. Ele coordenou um relatório feito por professores da faculdade ao Sebrae em que se apontam caminhos para o enfrentamento da crise sanitária e econômica. Nesta entrevista, Tude explica a posição defendida no relatório.

Como surgiu a iniciativa de se fazer esse relatório?

Os professores da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (Eaufba) já vêm publicando tanto artigos científicos como de opinião em jornais locais, regionais e nacionais sobre o tema da pandemia da Covid-19 e suas relações com essa dimensão econômica, ou seja, essas interfaces da dimensão econômica e da saúde na pandemia. A Ufba possui uma cadeira no conselho deliberativo do Sebrae Bahia. E o Sebrae provocou o conselho a escutar as diferentes entidades e que trouxessem proposições para auxiliar as micro e pequenas empresas. Em tempo recorde, nós mobilizamos todos os docentes da Escola de Administração, e uma parte desses docentes respondeu com textos científicos e de opinião. Esses textos possuem diferentes ideias e análises sobre a situação e essa relação entre a dimensão econômica, especialmente o suporte a micro e pequenas empresas, e a pandemia.

Em seu texto, o professor Raimundo Leal estima que não deve haver mudança significativa no panorama em um período de 12 a 18 meses. O relatório foi fechado em 15 de março. Houve esta semana a resolução da Anvisa de não respaldar a importação da vacina Sputnik V. Como o senhor está vendo essa evolução, a partir desses dados novos?

O que o governo federal vem demonstrando desde o início da pandemia é uma total inabilidade em conduzir os rumos das políticas nacionais no enfrentamento da Covid-19. E isso nas mais diferentes dimensões. Tanto do ponto de vista sanitário, ao propagar, por exemplo, kits Covid com remédios que não têm comprovação científica, como não fazer defesa de medidas como o uso de máscaras, o distanciamento social e também no que se refere ao apoio com políticas que deem suporte às empresas de forma geral e, mais especificamente, às pequenas e microempresas. É verdade que, com atraso, no ano passado, uma série de políticas acabaram sendo desenvolvidas, como, por exemplo, uma linha de crédito chamada Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), muito importante para o financiamento de pequenas e microempresas, com a possibilidade de a empresa congelar a sua folha de pagamento durante algum período. Mas todo esse conjunto de medidas superimportantes acabaram tardando muito no ano passado e a mesma coisa se repete este ano. Isso foi discutido no conselho. Este ano estamos inclusive pior do que o ano passado, porque no ano passado essas políticas existiram. E neste ano até agora nenhuma política foi de fato aprovada no Congresso ou executada pelo governo federal no sentido de dar suporte a apoio às micro e pequenas empresas. Isso é muito preocupante porque a gente sabe que as micro e pequenas empresas no Brasil são as principais geradoras de trabalho e renda. A dimensão econômica é fundamental, claro. Mas mais importante é a dimensão social que possuem as pequenas e microempresas.

Alguns economistas e gestores chegaram a defender a tese de que o governo federal deveria simplesmente emitir moeda e dar auxílio a pessoas e empresas. A ideia de que em uma situação dessas, uma pandemia, isso seria justificável. Como o senhor vê isso?

Mesmo alguns economistas mais ortodoxos vêm defendendo essa política de emissão monetária, diante de um quadro de grave retração econômica, taxa de juros baixa e inflação controlada. Diante de uma queda expressiva na atividade econômica, a emissão monetária não teria um dano tão significativo na inflação. Essa é uma das possibilidades em termos de política econômica. Mas essa política macroeconômica, sozinha, não trará nenhuma ajuda se de fato não for combinada com a ajuda financeira mais ampla para a população, para o estímulo econômico do ponto de vista do desenvolvimento de uma infraestrutura, e também o apoio às pequenas e microempresas fundamentalmente por meio de crédito barato e de longo prazo por meio da isenção tributária e por meio de um suporte técnico, tecnológico. Uma questão fundamental, também, combinada com essas políticas econômicas, que tem um impacto tanto na dimensão de saúde quanto na dimensão econômica, é a vacinação. A vacinação e todo o imbróglio que a gente vem acompanhando nos últimos meses entre o governo federal e determinados governos estaduais, discutindo coisas absolutamente irrelevantes, como por exemplo a nacionalidade da vacina, em vez da real funcionalidade científica, isso tudo vem atrasando muito o processo de compra, licenciamento da Anvisa e o uso na população. Uma política de vacinação talvez seja a mais importante neste momento.

A professora Maria Elizabete Pereira abordou a questão do dilema, para ela falso, entre vida e emprego. Como o senhor vê essa questão?

O falso dilema entre economia e saúde ou entre economia e vida, né? Acho que se pudesse resumir o relatório que nós fizemos, o tema principal seria justamente esse. Existe uma compreensão, absolutamente equivocada, como se a saúde e a economia fossem dimensões separadas da vida. E na verdade só pode existir uma economia numa sociedade humana, só pode existir economia com vida. E toda e qualquer política que compreendeu a economia dissociada da vida ou da sociedade, da saúde, tendeu a fracassar. Como a gente se refere mais especificamente ao contexto da pandemia de Covid-19, a gente vê isso com muita clareza. No relatório, a gente traz exemplos de países como a China, que teve uma taxa de óbitos por Covid-19 de três a cada milhão (de habitantes) e teve um crescimento econômico em 2020 de 2,5%. A Coreia do Sul teve 33 por milhão de habitantes e teve uma redução da sua economia em 1%. E o Brasil, que foi absolutamente malsucedido nas suas políticas de contenção à pandemia, uma incompetência do governo federal, a gente vê uma taxa de óbitos superior a 1.300 mortes por milhão de habitantes e um decréscimo no PIB da ordem de mais de 4%. A gente verifica que essa ideia de alguns em defesa da economia, permitindo a abertura do comércio de forma indiscriminada, não defendendo o distanciamento social, e outras atividades, não somente o comércio; a gente não pode escolher o comércio como bode expiatório para essa crise. Quando a gente fala de distanciamento social está falando não só das atividades comerciais, estamos falando das confraternizações, das festas, da praia. Os países que tiveram mais sucesso em adotar esse distanciamento social e o uso de máscaras foram os países que também tiveram retomada de seu crescimento de forma mais rápida.

E considerando o pós-pandemia, o que já pode ser feito e pensado hoje pelas autoridades, entidades empresariais e pelos próprios empreendedores quando as atividades voltarem à normalidade? No plano das grandes empresas, estamos vendo aqui na Bahia algumas obras de infraestrutura que devem beneficiar a mineração, a agricultura do oeste, grandes empresas no geral. Mas, por exemplo, a agricultura familiar tem um peso muito grande na formação do trabalho no estado, o que pode ser feito?

O novo governo dos Estados Unidos, o governo Biden, está mostrando algo que até pouco tempo atrás era inimaginável. Uma política de retomada do crescimento econômico numa dimensão não vista nos últimos anos. Fala-se inclusive que é como se fosse um segundo new deal (New Deal foi um programa de intervenções na economia dos Estados Unidos feitas pelo presidente Franklin D. Roosevelt entre 1933 e 1937). Alguns chama de green new deal (uma versão sustentável do New Deal. O governo assumir o seu papel de liderança no processo de planejamento e financiamento do desenvolvimento econômico é fundamental, ter de fato uma agenda governamental, que articule os diferentes entes federativos no estímulo e na mobilização de recursos para o crescimento econômico. Não se pode fazer políticas que busquem desenvolver apenas o grande empresário, as grandes obras de infraestrutura. Não que essas obras não sejam importantes para o micro e pequeno empreendedor. Sem sombra de dúvidas, é muitíssimo importante. Mas se deve ter o cuidado de pensar, de fato, como essas grandes obras de infraestrutura, o apoio ao grande capital, vai impactar esses micro e pequenos empresários.

Voltando à pandemia, segundo a Receita Federal, temos quase 20 milhões de CNPJs. Uma parte significativa deles são MEIs. Pensando em quem é MEI, quem tem apenas um funcionário, ou pequenas empresas, eles têm muitas vezes trabalhadores que não têm a opção do home office, que precisam se mover em transporte público. O que se pode fazer especificamente para essas empresas?

Cerca de 9,8 milhões são MEIs. E cerca de 6,5 milhões são microempresas. Além disso, temos alguns milhões de trabalhadores na informalidade, que nem CNPJ possuem. Esses são os que precisam de maior atenção. E aí, mais uma vez, a política de suporte financeiro, a política de microcrédito para que esses trabalhadores consigam manter a sua atividade laboral, empresarial, o acesso a formações, tecnologias. A gente viu muito claramente na universidade que há uma exclusão digital muito grande. Muitos desses micro e pequenos empreendedores não têm conhecimento e tecnologia para se inserir nesse universo digital. Eles precisam do apoio e a parceria com diversas instituições, como, por exemplo, o Sebrae, que tem um papel fundamental para o empreendedor, as universidades, para dar suporte a esses empreendedores, isenção tributária. No âmbito municipal, tem muitas lojas fechadas, muitos escritórios fechados, com o IPTU sendo cobrado. A gente sabe que o IPTU incide sobre a propriedade. A gente sabe que também tem a questão fiscal, um déficit muito grande nas contas da prefeitura. É uma questão muito delicada, mas é muito importante se pensar que a não contemplação de uma política de isenção tributária ou pelo menos uma diminuição nos impostos pode acarretar a quebra dessas pessoas jurídicas.

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