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Sucesso da MPB, Luedji Luna lança novo EP no início de 2019
Por Victor Melo | Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE
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Para Luedji Luna, tomar um banho de mar quando está em Salvador é de lei, já que em São Paulo, onde reside desde 2015, não pode ter esse luxo. Por isso mesmo, preferiu falar com a reportagem na praia – uma forma de conseguir cumprir os compromissos e não perder a oportunidade de entrar no mar.
Nascida no Cabula e criada em Brotas, ela diz que é em Salvador que mais se reconhece. Para matar um pouco a saudade, desde o ano passado ela vem se programando para passar parte do verão aqui. Assim, pode ser que fique mais fácil cruzar com ela pelas ruas até meados de janeiro.
“A Bahia é minha casa. Sinto que o povo daqui sente orgulho de mim”, diz a cantora da música Banho de folhas, que no final do mês passado ganhou uma versão remix com participação do DJ Nyack, que toca nos shows de Emicida e do rapper Zudizilla.
A faixa é o primeiro single do EP Mundo, que vai trazer, além dessa, remixes das faixas Dentro ali, Saudação malungo, Acalanto e Um corpo no mundo. Todas as canções terão parceria com nomes do cenário do rap nacional, como Tássia Reis, Djonga e Rincon Sapiência. A data de lançamento ainda não é certa, mas deve acontecer entre janeiro e março.
Com o primeiro disco, Um corpo no mundo, lançado em 2017, ela rodou o país em turnê, cantou em palcos consagrados, além de se apresentar em festivais de música. Mas é possível dizer que 2018 foi o ano em que Luedji realmente expandiu a potência do seu trabalho.
O sucesso não foi à toa: a voz, a percussão e o violão bem marcados das canções renderam à artista inúmeros elogios da crítica e conquistaram os que hoje são fãs. Para o jornalista e crítico de música Luciano Matos, o disco de estreia “mostra a força que ela tem, a partir da sonoridade com referências das músicas baiana e africana, e que ela está mais preocupada esteticamente do que comercialmente”.
De fato, o álbum desperta a sensação de que uma música vai completando a outra, ampliando os sentidos. A experiência de ouvir o álbum inteiro também é como uma “viagem” em que se experimenta uma paz inexplicável.
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Curiosamente, as composições surgiram do encontro da artista com a cidade de São Paulo. “Me senti estrangeira no meu próprio país”, conta, sobre a reação de estranhamento que teve ao chegar. Ela só se reconhecia nos corpos dos imigrantes de diversos países da África ou da diáspora africana – diferentemente de quando morava em Salvador, onde se sentia inteira nos espaços urbanos. E foi ao questionar o lugar do seu próprio corpo no mundo que surgiram as letras do álbum.
O deslocamento também se expressou na sonoridade. “Não podia ter um recorte tão marcado se estou falando de não pertencimento, de não lugar. Não podia ter um som tão demarcado”, justifica. Os músicos que a acompanharam nas gravações do disco, produzido por Sebastian Notini, sueco radicado em Salvador, também são de diversos lugares, mas de alguma forma possuem relação com a Bahia.
Transição
Luedji surgiu em um movimento de artistas que conseguiram visibilidade na internet, num momento de transição do mercado fonográfico. As plataformas de streaming começaram a ganhar força e os artistas independentes conquistaram espaços para mostrar trabalho e colocar suas músicas ao lado das de artistas produzidos por grandes gravadoras.
A partir do boom do seu primeiro clipe, Um corpo no mundo – viralizado na época do lançamento e compartilhado por diversos músicos, incluindo o cantor Chico César –, é que começaram a surgir convites para se apresentar em casas de show da capital paulista.
As redes sociais também possuem um papel fundamental na carreira da artista baiana. É por lá que ela pauta assuntos que considera importantes e defende o que acredita, como questões ligadas à luta pela igualdade racial e feminismo. ”Eu me vejo no mundo, independentemente do que eu faça, como a continuidade de uma luta”.
Isso tem a ver com um posicionamento de escolher trabalhar prioritariamente com mulheres negras, bem como discutir questões que façam suas músicas terem coerência com suas ações.
No Dia da Consciência Negra, no último novembro, ela foi convidada para abrir o show de Elza Soares em São Paulo, artista que sempre foi referência na sua vida e trabalho.
“Elza Soares é o que tem de mais inovador na música brasileira hoje. Ela tem uma capacidade de se renovar que consegue ser mais moderna do qualquer outra cantora”, tieta.
Garantindo a continuidade da força das mulheres negras, ela vai apresentar o espetáculo Aya Bass, em janeiro, em Salvador. Os holofotes serão divididos com Larissa Luz e Xênia França, as “Destiny’s”, como ela mesmo diz, fazendo referência ao grupo de cantoras que revelou Beyoncé.
“É uma homenagem às outras cantoras negras baianas, um show bem de verão mesmo, cantando os clássicos do Carnaval, mas com a nossa roupagem, a nossa identidade”, adianta.
Em tempo
Luedji acredita que a sua imersão total no mundo da música aconteceu tardiamente, pois só passou a se dedicar exclusivamente à arte aos 25 anos. A cantora não acreditava que poderia ter uma carreira até ver Ellen Oléria ganhar o The Voice Brasil, em 2012.
Hoje, aquela que é referência e indiretamente responsável pela carreira da baiana não apenas conhece Luedji e seu trabalho com se identificou com as músicas. “Eu estava lá também, naquela sonoridade que despertou algo fundo no meu entendimento. Corpos soltos no mundo se conectando e despertando tantas raízes e âncoras. Pirei no som de Luedji, uma pira num sentido de chama sagrada. Me incendiei”, diz Ellen.
A cantora baiana formou-se em direito e, na época, não acreditava que pudesse se profissionalizar naquilo que parecia um hobby: “A gente não é educado para viver dos sonhos, é educado para sobreviver”.
Ela só conseguiu, de fato, se estabelecer na música e viver disso quando se mudou para São Paulo. Para ela, isso se deve à maior oportunidade que a metrópole oferece aos músicos por conta de um recorte econômico que favorece o consumo e a divulgação da arte. “Midiaticamente, você não se projeta só para São Paulo, você se projeta para o Brasil. Todo mundo está observando o que está acontecendo lá”.
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Mesmo assim, acredita que o que está sendo produzido de mais interessante na música brasileira está saindo da Bahia, mas o estado ainda não possui recursos para profissionalizar os artistas, o que acaba dificultando para os iniciantes.
“Uma vez que você se estabelece fora, você já tem uma agenda que dá suporte, então, você mora em qualquer lugar. Eu me imagino voltando para a Bahia”, confidencia.
Aos 31 anos, a ganhadora dos prêmios Caymmi e Bravo é uma das maiores apostas da Música Popular Brasileira. Mas ainda não tem previsão para um segundo álbum. ”Já tem canção, já tem ideia, já tem estética, já tem tudo. Mas eu vou segurar um pouquinho a emoção”.
Luedji acredita que ainda há muito o que trabalhar com Um corpo no mundo e com o EP de remixes que o disco vai ganhar. Compositora, a canção mais conhecida e tocada da artista, feita com Emillie Lapa, é Banho de folhas, onde revela a força do candomblé quando canta: “Para-raio para afastar o mal, para afastar a inveja, para atrair o amor, para atrair o que for bom”.
“Eu digo que essa música é a canção de Ogum, porque abre caminhos mesmo”, reforça. O desejo e a força, contudo, está nela. Quando decidiu ser cantora, disse aos pais: “Aconteça o que acontecer, eu vou cantar”. Acontece que ela canta.
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