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ABRE ASPAS

"Temos um contexto muito complexo para o jornalismo", diz pesquisadora

Suzana Barbosa, Pesquisadora e professora da Ufba, concendeu entrevista a A TARDE

Por Gilson Jorge

10/12/2023 - 4:30 h | Atualizada em 10/12/2023 - 12:02
Pesquisadora Suzana Barbosa
Pesquisadora Suzana Barbosa -

Esta semana foi intensa para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no que diz respeito ao combate a fake news. Na segunda-feira, o magistrado defendeu a inelegibilidade de políticos que disseminarem desinformação nas eleições do próximo ano. No dia seguinte, cobrou da Meta, empresa proprietária do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, um vídeo que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria postado com informações inverídicas.

A luta contra a desinformação nas redes é global e diversas sociedades se preocupam com o risco de deformação na democracia pelo uso de conteúdo que iluda os eleitores.

Da Espanha, onde faz pós-doutorado ancorado pelo programa PPGCOM da USP, com bolsa Capes Print, Ufba, a professora e pesquisadora da Ufba Suzana Barbosa falou a A TARDE sobre o combate à desinformação e as mudanças na forma com que a sociedade se informa.

Fale um pouco dessa viagem à Península Ibérica e de que atividades está participando.

Participei de dois congressos, um em Portugal, o Congresso de Jornalismo para Dispositivos Móveis e Inteligência Artificial, na Universidade da Beira Interior, onde apresentei juntamente com Moisés Costa Pinto, que é meu orientando no doutorado, um trabalho que tem a ver com a pesquisa dele, sobre Inteligência Artificial no jornalismo. E também lá, como coordenadora do GJOL (Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online da Facom), e Moisés como integrante do grupo, estivemos em uma reunião de trabalho com outros grupos de Pesquisa de Portugal, da Espanha e do Brasil, para discutir as possibilidades de realizar um projeto em conjunto sobre essa temática na área de comunicação móvel e Inteligência Artificial. Dessa reunião, saiu a criação de um observatório de comunicação móvel e inteligência artificial. Aqui na Espanha, fui palestrante no Congresso Internacional de Comunicação Digital e Ciberjornalismo, em Bilbao, onde falei sobre a minha pesquisa de pós-doc sobre plataformização do jornalismo.

Em 2000, com o crescimento do Google e da Microsoft, já se falava em plataformização da cultura. Com o avanço das redes sociais e, sobretudo, o fenômeno do TikTok, os conteúdos estão cada vez mais curtos e divertidos. Como a senhora enxerga a possibilidade de inserção de conteúdo jornalístico sério nessas plataformas?

Quando a gente fala de plataformas, nessa acepção, relacionando diretamente às grandes empresas de tecnologia, as chamadas Big Techs, tem o Google, que aparece sempre no topo, mas não é a única. As cinco principais são Google, Amazon, Microsoft, Apple e Meta/Facebook. Isso as americanas, do Vale do Silício. A gente já está tendo no contexto internacional uma força muito grande das empresas de tecnologia chinesas e TikTok é um dos fenômenos. Pesquisas mostram que, em muitos países, o TikTok já tem uma grande dimensão. O que é curioso, para mim, como pesquisadora, é que os conteúdos do TikTok são curtíssimos e, às vezes, é difícil distinguir o que está ali por trás daquele conteúdo. Tem a marca da empresa jornalística, que eu identifico qual é, mas nem sempre o público internauta consegue fazer a diferenciação. E mais. Os conteúdos não têm data. Esse é um ponto que para o jornalismo é chave. Eu preciso ter. Desde quando começou o processo de publicação de conteúdo jornalístico na web, em 1995, e mesmo com a atualização constante do hard news (noticiário factual), que ficou forte com a web, as notícias têm data. Mas agora temos o TikTok com vídeos curtos e sem data. O que é que isso pode trazer do ponto de vista do consumo da informação?

Acho que isso cria uma dificuldade ainda maior para o entendimento dos públicos. Da diferenciação do que é conteúdo jornalístico e de como se está consumindo. Eu tenho uma estudante do doutorado que começou este ano a pesquisa sobre tiktokzação do jornalismo. É há outros colegas aqui na Espanha e em outros países trabalhando com essa perspectiva, buscando compreender o TikTok, que tem os jovens como grandes usuários, embora não sejam os únicos. Mas é a dieta informativa dos jovens. Eles consomem muito os influenciadores digitais e nem sempre conseguem fazer a distinção do que é ou não notícia. Isso é uma complicação para o jornalismo. Fica mais complexo ainda. Se falamos da produção de conteúdo jornalístico atualmente, as diversas empresas, as mais tradicionais, com forte presença na web, para as diversas plataformas de redes sociais, os aplicativos, temos um contexto muito complexo para o jornalismo.

O avanço digital não é um cenário novo, mas as coisas estão mudando muito rapidamente. Que diagnósticos há sobre a forma com que as pessoas estão consumindo informação?

A gente já vem vivenciando isso há um tempo. Muitas pesquisas, inclusive o relatório da Reuters Institut, o Digital News Report, indicam há alguns anos que o consumo de conteúdo jornalístico nas redes sociais vem aumentando e ultrapassa a TV. No mundo todo. Se você compra um celular que já vem com os aplicativos das redes sociais, o consumo aumenta. É não é só Facebook, Instagram, TikTok e X.

Às empresas jornalísticas no Brasil agora fornecem conteúdo através de seus canais no WhatsApp. O WhatsApp já era utilizado para ter contato com a audiência. As pessoas podiam enviar sugestão de pauta através dele. Mas agora, isso é mais recente, as empresas jornalísticas criaram seus canais de conteúdo no WhatsApp. De disseminação do conteúdo, de circular e recircular. Esse é o grande papel das redes sociais. Isso é um forte contexto de plataformização. E aí a gente tem o fenômeno maior da plataformização da sociedade. Há um livro de 2018, Sociedade das Plataformas, de autores holandeses, e vemos como esse fenômeno está se espraiando por distintas áreas. Setores estão se adaptando à lógica das plataformas.

Na economia, na política, na educação. E temos o jornalismo, que é uma das áreas mais afetadas. O jornalismo, como indústria cultural, é fortemente impactado. Das empresas mais bem posicionadas, com maior reconhecimento, até as menores, elas vão ter diferentes níveis de dependência das plataformas para distribuir seu conteúdo.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, esta semana ameaçou com inelegibilidade e cassação de mandato políticos que usarem Inteligência Artificial para desinformar os eleitores em 2024. Como.essa questão está sendo discutida na academia?

O ministro quer a regulação. Na verdade, há o temor que essas tecnologias de inteligência artificial generativa venham a criar ainda mais desinformação, através da manipulação, com técnicas de inteligência artificial. Você tem os deep fakes, que podem ser muito mais convincentes. Isso numa campanha eleitoral tem um efeito absurdo. Há uma preocupação com as eleições dos Estados Unidos, no ano que vem.

No contexto da América do Sul, houve o emprego da inteligência artificial nessa campanha presidencial da Argentina. Há várias matérias falando do uso do Midjourney. Pelo que li em uma matéria de O Globo, a assessoria de Javier Milei negava. Só que havia pessoas trabalhando e foram disseminados vídeos em redes sociais com discursos pró-campanha de Milei. Só chama mais a atenção para a necessidade da regulação das plataformas e redes sociais, para assegurar de fato que se tenha clareza sobre os conteúdos gerados pela inteligência artificial.

O próprio Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições passadas, vinha o tempo todo alertando às plataformas sobre a retirada de conteúdos que eram desinformação. A Repórteres Sem Fronteiras divulgou, há duas semanas, um documento com princípios para o uso da inteligência artificial no jornalismo. Um desses princípios é que o uso da inteligência artificial por empresas jornalísticas em seus conteúdos deve estar identificado. Desde as eleições municipais de 2020, o G1 gera conteúdos automatizados, empregando evidentemente alguns recursos de inteligência artificial. Para conseguir pegar dados do Tribunal Superior Eleitoral e divulgar os números das eleições. Isso começou em 2020.

Nas eleições gerais de 2022, eles já estavam com o sistema muito mais aperfeiçoado. Você podia acompanhar o resultado consolidado da apuração por municípios, em qualquer região do Brasil. O G1 colocava uma observação de que aquele texto foi gerado automaticamente, empregando a tecnologia, e ainda assim passou pela revisão de um jornalista. Agora, a necessidade de regulação é real. Sam Altman, CEO da Open AÍ, empresa que criou o ChatGPT, é a favor da regulação. Ele pediu ao Congresso dos Estados Unidos a regulação. E isso está sendo discutido também em outros países. Certamente, alguma inteligência artificial vai ser usada nas eleições do ano que vem, ela está aí. Então, é preciso regular.

Como funciona isso na Europa?

A União Europeia aprovou, em 2021, a Lei de Serviços Digitais. E no Brasil, o PL 2630 (Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet) segue alguns critérios do que está normalizado nessa lei. Há um ponto justamente da lei que diz que as big techs atuam como gatekeepers (editores) de infraestruturas digitais cada vez mais essenciais. Essas cinco empresas mencionadas detêm a infraestrutura.

A gente está fazendo essa entrevista usando o Google Meet. Mas poderia ser Microsoft Teams ou a Zoom, que ficou muito conhecida na pandemia. Zoom não é uma dessas grandes de infraestrutura, mas é uma, como existem outras menores, que vão atuar como plataformas complementares, setoriais. Então, essa lei europeia serviu de base para essa proposta do Brasil. Na União Europeia, há essa lei maior, mas no âmbito da Espanha, por exemplo, há toda uma preocupação por parte de associações representativas de meios de comunicação sobre como regular melhor, que acordos devem ser feitos especificamente com as plataformas.

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