MUITO
Timbalada celebra 30 anos reunindo antigos vocalistas em shows
Grupo retorna ao Candeal em temporada recheada de novidades
Por Gilson Jorge
As pinturas coloridas em estilo rupestre aplicadas recentemente no muro do casarão onde Carlinhos Brown morou, na Curva do Cotovelo, no Candeal, indicam novidades no bairro. Ainda este ano, devem entrar em funcionamento neste imóvel três restaurantes, o D'Maddá, comandado por dona Madalena Santos e Cristiane Freitas, respectivamente mãe e irmã de Carlinhos Brown, além de um bistrô e uma parrilhada, como os argentinos chamam a churrascaria.
No momento em que estão sendo comemorados 30 anos de Timbalada, o grupo retorna ao bairro com um cardápio que vai além da água mineral e do acarajé, que como diz uma música, Sara Baiana não quis dar.
É uma temporada recheada de novidades, que incluem o lançamento de Pop Xirê, o novo disco de Brown, que completou 60 anos em novembro, a busca pelo espaço perdido nas rádios e no coração do povo para o sertanejo e, como prato principal, a volta dos ensaios no Candyall Guetto Square com a presença de ídolos eternos do grupo. O ensaio de hoje, o segundo da temporada, reúne Xexéu, Patrícia Gomes e Ninha, além de outros doze vocalistas que já puxaram o grupo.
No domingo de Carnaval, eles também estarão presentes na avenida, cantando sucessos inesquecíveis como Zorra, Canto pro Mar e Beija-flor.
Reencontro
O anfitrião Carlinhos Brown comenta o arrastão de ex-companheiros de projeto. "Pois é, minha gente, tudo unido é mais bonito! Me deixa extremamente feliz realizar esse reencontro especial da Timbalada com o público, ter a chance de apresentar grandes nomes para as novas gerações e ao mesmo tempo reverenciar os 30 anos desse emblemático coletivo cultural", diz ele, através de nota da sua assessoria de imprensa.
O músico destaca ainda a importância de comemorar o legado dos artistas que passaram pelo grupo e a retomada do local onde a história começou.
"A festa será no Candyall Guetho Square, espaço cravado no coração do Candeal, onde nasci e onde nasceu a Timbalada. Reunir todos esses amigos em um lugar tão simbólico é um marco", declara.
A reunião dos ídolos foi uma tarefa que Brown delegou a Ivanna Soutto, que acompanhou a Timbalada do início até 2002 como assessora e empresária do músico e retornou em 2020, ainda durante a pandemia, para exercer a função de diretora artística do projeto, em parceria com o criador do grupo.
A Ivanna coube não apenas fazer o convite aos antigos vocalistas, que anteriormente tinham manifestado descontentamentos com a banda. Ninha chegou a se declarar vítima de racismo na Timbalada por sua família não ter acesso ao camarim.
E, em entrevista a um site local em setembro do ano passado, Patrícia demonstrou incômodo por seus seios terem aparecido nus e pintados nas apresentações no trio e na capa do disco e não ter recebido uma compensação financeira pelo disco que levou a banda ao Japão. No ano do lançamento do disco, Patrícia tinha 18 anos.
O outro episódio de insatisfação veio a público sete anos depois, justamente quando a vocalista foi demitida por um telefonema do produtor em 2014. Patrícia reclamou de não ter recebido uma explicação do motivo da saída, mas afirmou na época que pressentiu o desligamento ao ver Amanda Santiago circulando pelos estúdios e fazendo testes.
Ivanna declara que quando voltou a negociar com os ex-vocalistas o retorno para a comemoração dos 30 anos, essas questões não foram levantadas: "Eu acredito que isso já tenha sido superado. Mas quanto aos seios de Patrícia, hoje eu faço questão que as dançarinas tenham um figurino que acomode os seios, porque não tem mais necessidade de fazer essa exposição, a não ser que as meninas queiram".
Quanto ao episódio com Ninha, ela afirma não lembrar ou mesmo não saber se chegou a tomar conhecimento. "Eu era empresária de Brown, não da Timbalada, mas ajudava no relacionamento. Acho que tenho essa habilidade com eles".
Patrícia, que tinha 15 anos quando começou a cantar no grupo acha que sua irmã mais velha assinou uma autorização para que ela participasse da Timbalada.
Seletiva
Natural de Cachoeira, Patrícia veio para Salvador com 13 anos, depois da morte de sua mãe, para morar com os irmãos na Chapada do Rio Vermelho. Um ano mais tarde, foi participar de uma seletiva para cantora do novo grupo que Carlinhos Brown estava montando. Depois de passar o dia inteiro na fila, ouviu às seis da tarde que a seletiva já tinha acabado. Um produtor percebeu que ela estava no local desde a manhã sem ter sido ouvida e pediu a Brown que lhe desse uma chance. "Foi um sofrimento bom, se é que existe sofrimento bom e sofrimento mau. Quando eu cantei, todo mundo acompanhou e eu fui contratada", afirmou.
Sobre o retorno para a data festiva, ela afirma ter gratidão. "A Timbalada foi uma escola para mim. Eu não sabia nada de música, queria ser professora", afirma Patrícia, que foi incentivada por um tio a se inscrever na audição depois que ele ficou impressionado com a forma que ela cantava as músicas que tocavam no rádio em casa. Hoje, ela tem o seu o próprio grupo musical, o Melafricana.
E foi Patrícia que levou o então vizinho Xexéu para fazer um teste, quando o vocalista Ninha viajou aos Estados Unidos para fazer apresentações de música e capoeira.
O amigo quatro anos mais velho de Patrícia trabalhava desde criança fazendo bicos no bairro ou como vendedor ambulante no Porto da Barra para ajudar no sustento de casa, mas tinha a música na veia e compunha canções em parceria com seu tio Zé Raimundo, sanfoneiro que assina com ele um dos maiores hits da Timbalada, Beija-flor, que ele apresentou quando fez teste para vocalista. "A Timbalada foi a experiência mais evolutiva que eu tive como cantor", diz ele, ressaltando que o grupo mudou a sua história.
Xexéu, que teve a carreira profissional interrompida por problemas com a dependência química, mudou-se para Aracaju onde vive com dois filhos e mantém sua ligação com a música. Na capital sergipana, aliás, ele participou de uma das apresentações que o amigo Ninha fez por lá recentemente. "Eu fiz o réveillon lá e vou fazer outro show em breve", conta o dono do vozeirão que tornou o Carnaval uma experiência nova entoando músicas ligeiras e de letras simples, como Canto pro Mar e Água Mineral, que fizeram parecer louco qualquer um na avenida que resistisse ao ímpeto de pular.
Patrimônio
Ninha, que considera águas passadas a sua denúncia de racismo, demonstra alegria em voltar à antiga banda. "É uma satisfação muito grande poder retornar ao que eu ajudei a construir. Um patrimônio bem construído chamado Timbalada. Eu fico muito feliz em ter recebido o convite de meu compadre Carlinhos Brown para me juntar aos que chegaram depois para essa grande construção", afirma o músico, ao declarar que acredita que a satisfação pelo reencontro seja de todos. "Somar é melhor do que dividir, né?”, arremata.
Um divisor de águas na história do grupo aconteceu em 2017, quando Carlinhos Brown lançou a Timbalada do Século XXI, que ele definiria como "transbordante". Um projeto em que os novos vocalistas Paula Sanffer, Rafa Chagas e Buja Ferreira, apareceram com um figurino futurista, deixando para trás a imagem dos precursores, que usavam nada mais do que uma calça e o torso e braços pintados. A formação atual conta com Buja e Denny.
Nas palavras de Ivanna Soutto, não existe ex-timbaleiro. Aliás, a diretora artística destaca que as pinturas tribais, um código de pertencimento, tornou-se uma marca soteropolitana tão forte quanto a fita do Senhor do Bonfim. Que o digam os turistas abordados por ambulantes no Centro Histórico.
O Candeal Pequeno entrou definitivamente para o mapa cultural de Salvador no início da década de 90, quando os ensaios da recém-criada Timbalada começaram a levar para a região moradores de outros bairros e turistas seduzidos pela levada do timbal. Eram domingos de festa e descontrole do corpo e dos decibéis, no período que precede o Carnaval. O que gerou atritos com a vizinhança e até a transferência dos ensaios para outros locais da cidade.
Ensaios
Dois anos depois da pandemia, os ensaios da Timbalada estão de volta, para a comemoração de 30 anos do grupo, completados em 2021. Um acordo feito entre a Timbalada e os moradores do Candeal resultou na estipulação de oito ensaios do grupo musical no Candyall Ghetto Square durante este verão.
Uma forma de minorar o impacto da circulação de pessoas no bairro e ao mesmo tempo ratificar a presença do grupo por lá, que não se limita à música, mas trouxe intervenções na região, como as 150 casas beneficiadas pelo projeto Tá Rebocado, conduzido pela Associação Pracatum de Ação Social (Apas).
Com os novos restaurantes, o bairro deve ganhar espaço também no roteiro gastronômico da cidade. "Brown pretende que o Candeal ajude a fazer com que os turistas fiquem um dia a mais na cidade", afirma Ivanna Soutto. Se um dos sintomas da Covid-19 é a perda do paladar, o final da pandemia mostrou Brown com apetite para realizar muitas coisas. Toneladas de desejo.
O segundo ensaio da Timbalada com Carlinhos Brown e convidados acontece hoje, a partir das 17 horas no Candyall Guetto Square. Os ingressos podem ser adquiridos em um balcão no Shopping da Bahia ou no site www.boratickets.com.br O preço do camarote individual é R$ 300 + R$ 30 de taxa na web e o do Lounge é R$ 400 + R$ 40 de taxa na web. Os ingressos para a pista estão esgotados.
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