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Torcidas organizadas de times da Bahia se mobilizam em defesa da democracia

Publicado segunda-feira, 15 de junho de 2020 às 06:00 h | Autor: Adriano Motta
A Brigada Marighella, do Vitória, tem 150 membros | Foto: Divulgação
A Brigada Marighella, do Vitória, tem 150 membros | Foto: Divulgação -

Dentro do mundo do futebol há um jargão que muito se ouve ainda hoje: futebol e política não se misturam. Uma ideia que não poderia estar mais longe da verdade. Afinal, nunca faltaram exemplos na história de como o esporte conseguiu influir ou interferir em diversos momentos políticos e sociais ao redor do mundo. Desde o uso de clubes, seleções e eventos para promoção política ou movimentações sociais que ganham visibilidade com o futebol.

Quando o assunto são as torcidas, isso também é uma realidade. Em outros lugares, há uma cultura maior de engajamento político nas torcidas. Por exemplo, nos protestos que ocorram no Chile no ano passado, houve participação maciça das principais torcidas de todos os clubes chilenos, algo que também é comum em outras partes do mundo. Já no Brasil, a maioria das torcidas nunca teve um papel político relevante e tampouco se manifestava.

Algo que começou a mudar mais marcadamente com o surgimento das torcidas antifascistas, no começo da década passada. São grupos que se pautam por assuntos relevantes dentro e fora dos estádios, desde a batalha contra a escalada dos preços no futebol, trazendo a luta pela democratização do esporte, a engajamento nas brigas de outros segmentos da sociedade – como a luta contra o racismo, homofobia e, considerando a ascensão de ideários antidemocráticos nos últimos anos por aqui, e honrando o próprio nome, antifascistas.

Atualmente, há mais de 100 delas espalhadas pelo país. Algumas são torcidas, de fato, e estão também nas canchas. Outras utilizam seus clubes de futebol favoritos como pano de fundo para trazer à tona questões sociais.

Protestos

Nas últimas semanas, os protestos que surgiram mundialmente após o assassinato de George Floyd, além das polêmicas envolvendo o meio político, ajudaram a florescer esse momento em que torcedores organizados de diversas equipes, incluindo rivais, se uniram, talvez em proporções inéditas no país para protestar pela democracia.

Foram manifestações ocorridas em mais de 15 cidades país afora, mostrando um poder de mobilização pouco visto anteriormente das torcidas. Em Salvador, elas também tiveram sua participação nos levantes populares mais recentes.

No último domingo, grupos de torcidas antifascistas dos mais diversos times da Bahia, como o Bahia e o Fluminense de Feira, saíram às ruas, mesmo durante o período de isolamento social, para marcar de vez a entrada das torcidas como atores politicamente ativos no Brasil.

Algo corroborado por Bruno Tito, da Bahia Antifa, torcida criada em 2013 que conta com 160 membros e fez parte da liderança dos protestos com as outras organizadas do estado.

“Agora cabe a nós, torcedores, nos organizarmos para construir uma sociedade mais justa, pensando também no futebol e no que ele representa para a política”.

Apesar da pandemia, o grupo optou por convocar e manter os atos. De acordo com ele, uma “dura escolha dado o cenário atual”. O posicionamento foi abraçado pela maioria das torcidas antifas brasileiras, mas algumas optaram por não sair em meio à pandemia, ainda que concordassem e apoiassem as manifestações.

É o caso da Brigada Marighella, grupo de torcedores do Vitória surgido em 2013. A homenagem ao político não foi à toa: teve um papel na fundação do grupo, como conta Diego Rêgo, representante da torcida. “Depois que vimos que Marighella foi torcedor do Vitória, resolvemos nos unir”, lembra.

Hoje a torcida conta com 150 membros. Eles partem para a defesa de pautas não só antifascistas, mas também anticapitalistas, tal qual expresso no manifesto da brigada.

“Somos um grupo que se orienta contra as opressões sofridas dentro e fora dos campos de futebol”, afirma Diego.

Para ele, o crescente papel político das torcidas é uma das consequências do conturbado contexto social vivido no país nos últimos anos.

“Não há meio-termo neste momento. Há um debate maior da política nos últimos anos. É algo que enxergamos com bons olhos, isso tende a fazer com que as torcidas tenham posicionamentos mais consistentes”, afirma.

Já para Tito, o envolvimento das organizadas com a política, embora já existissem grupos há mais tempo, explodiu mesmo desde 2018, com a crise institucional na qual o Brasil está mergulhado. “As antifas se colocaram como resposta ao autoritarismo, retiradas de direitos e também por pautas específicas do futebol”, diz Tito.

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