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ANA CECÍLIA COSTA

"Torço que se estabeleça na Bahia um mercado de trabalho consistente"

Atriz baiana está na novela das seis da TV Globo, 'Amor Perfeito', e na série 'DOM', da Prime Video

Por Gilson Jorge

23/04/2023 - 7:00 h
Artista fala sobre a sua formação, estudar jornalismo e visão sobre o Brasil atual
Artista fala sobre a sua formação, estudar jornalismo e visão sobre o Brasil atual -

Coisa que baiano já gosta é ver uma pessoa talentosa se destacando na TV e dizer: tá vendo?, é da Bahia! Pois quem estiver acompanhando a novela das seis da TV Globo, Amor Perfeito, deve estar se deliciando com a atriz baiana Ana Cecília Costa, que interpreta a personagem, também baiana, Verônica. “Apesar de ter ido morar no Sudeste ainda bem jovem, sinto Salvador como minha casa, aí está a maior parte da minha família, vivos e mortos, alguns amigos e o mar que amo”, diz ela. A atriz também participa atualmente da segunda temporada da série Dom (Amazon Prime Video) e nesta entrevista fala sobre a sua formação, sobre estudar jornalismo para não aborrecer a família e sua visão sobre o Brasil atual.

Você está na segunda temporada de Dom, uma série que fala sobre a experiência real de um delegado que sofre com o envolvimento do filho na criminalidade. Na vida real, temos visto um assombroso domínio do crime organizado sobre as cidades, grandes, médias e pequenas. Como analisa as perspectivas da juventude brasileira?

Não vejo outra perspectiva para a juventude brasileira que não passe pelo acesso de todos a uma educação de qualidade desde a primeira infância até a universidade, onde a escola seja um espaço que acolha e faça frutificar os sonhos de crianças e jovens. Educar, como defendia Paulo Freire, é um ato de amor. O amor não é uma abstração, é ação concreta de um Estado comprometido com a construção de cidadãos através de políticas públicas e investimento em educação, saúde, segurança, cultura. Acredito que na ausência deste Estado amoroso, vicejem não só o crime organizado, as milícias, mas a própria cultura da violência.

Amor perfeito, escrita por Duca Rachid, Julio Fischer e Elísio Lopes Jr., tem sofrido algumas críticas por uma suposta irrealidade ao retratar o protagonismo negro numa novela de época. Como avalia a discussão sobre pautas identitárias em produtos de comunicação em massa?

Faço televisão há muitos anos e me sinto muito comprometida em fazer um trabalho artisticamente de qualidade e que possa também estimular o pensamento crítico para além do entretenimento. Por sorte ou afinidade, tenho sido escalada para trabalhos sensíveis às pautas em defesa dos direitos humanos como Jóia Rara, de Duca Rachid e Thelma Guedes, onde interpreto a operária comunista Gaia; Órfãos da Terra, de Duca Rachid e Thelma Guedes, onde interpreto a refugiada Missade; Rota 66 , de Maria Camargo, onde interpreto Beatriz, mãe que perde filho em ação criminal da polícia, e agora a novela Amor Perfeito, de Duca Rachid, Elísio Lopes Jr e Julio Fisher, onde interpreto Verônica, mãe solo, amante do prefeito.

No caso da novela atual, na reunião entre autores, direção, elenco, nos foi falado que esta seria uma obra bem brasileira, com uma estética colorida, inspirada na arte de Heitor dos Prazeres. Temos metade do elenco de negras e negros em todos papéis – ricos, pobres, bons, maus. Isto é histórico na televisão brasileira, onde por anos o elenco negro era escalado para papéis de serviçais dos brancos. Entendo que a premissa deste projeto não está pautada no racismo e na violência à população negra, mas sim em dar visibilidade à sua força, beleza e expertise que foram apagadas historicamente. Acredito e torço para que esta obra, da qual ajudo a contar a história, para além de emocionar e entreter, também contribua para construir um novo imaginário social, já que muitos brasileiros e brasileiras não têm acesso ao teatro, cinema, mas assistem diariamente às novelas.

Você participou do filme o Escaravelho do Diabo, como a delegada Dora, e a série Vaga-lume, da editora Ática, completa agora 50 anos. Tem lembranças especiais de algum livro dessa coleção?

Os livros da coleção Vagalume eram aqueles de que a gente não se desgrudava, leitura deliciosa, histórias misteriosas que instigavam o sentido de aventura e da descoberta de novos mundos. Lembro bem de O Mistério do Cinco Estrelas; A ilha perdida; O Caso da Borboleta Atíria e o próprio Escaravelho do Diabo. Esta coleção me estimulou muito a leitura durante a adolescência e acho que a celebração dos 50 anos desta coleção ajuda a lembrar a importância da literatura infantojuvenil na formação de cidadãos leitores.

Como foi a sua juventude na Bahia e em que momento decidiu ir para o Sudeste? Você nasceu em Jequié, correto?

Nasci em Jequié, vivi lá até meus oito anos, e tive na escola uma primeira experiência de teatro inesquecível com a Professa Zélia Barros. Em Salvador, estudei no colégio Antônio Vieira, que foi fundamental na minha formação, tive professores extraordinários, como Madalena em Literatura, um ambiente estimulante para minha cabeça de jovem artista. Comecei a estudar teatro aos 14 anos no Vieira em um grupo extraclasse, dirigido por Luiz Felipe Pondé (hoje, filósofo), onde montamos o Santo Inquérito e seguimos depois sob a batuta do diretor Cícero Alves Filho, hoje maestro, com uma montagem de O Despertar da Primavera", que cumpriu temporada no Icba.

Depois disso, entrei no Curso Livre da Escola de Teatro da Ufaba sob direção de Sérgio Farias na mesma turma de Marcelo Praddo, Beto Mettig, Diogo Lopes Filho, Elisa Mendes, entre outros. Decidi mudar para o Sudeste aos 19 anos, porque desejava viver profissionalmente como atriz e naquela altura sentia que o mercado de trabalho em Salvador seria mais limitado. Mudei para o Rio, continuei os estudos de atriz na Casa de Artes de Laranjeiras, fiz cursos de interpretação para câmera, iniciei minha carreira de atriz no audiovisual e me graduei em Cinema. Há 12 anos vivo em São Paulo, onde fiz mestrado na PUC com pesquisa em documentário e atuo, sobretudo, no teatro.

Além de atuar na atual novela das seis da Globo, você trabalha com Laila Garin na série Dom, e há uma geração inteira que saiu do teatro baiano para a televisão e o cinema. Tem acompanhado a recente produção cultural na Bahia? Há mais alguém daqui que desperte seu interesse?

Apesar de ter ido morar no Sudeste ainda bem jovem, sinto Salvador como minha casa, aí está a maior parte da minha família, vivos e mortos, alguns amigos e o mar que amo. Mantenho apartamento no Rio Vermelho, sempre passo temporadas na cidade e quando posso acompanho as peças em cartaz, sobretudo dos amigos. Voltei a Salvador para atuar em Capitães da Areia, longa-metragem de Cecília Amado, bem como O Sumiço da Santa, espetáculo dirigido por Fernando Guerreiro, ambos baseados nas obras de Jorge Amado.

Trabalhei no audiovisual no Sudeste com Emanuelle Araujo, Vladimir Britcha, Jackson Costa, Cristiane Amorim, Maria Gal, Marcelo Flores e Laila Garin, e sempre é uma alegria estes reencontros. Eu e Selma Santos, atriz e produtora, já tentamos algumas vezes levar o espetáculo que protagonizo e produzo, A Língua em Pedaços, para temporada em Salvador, inclusive convidei Marcelo Praddo, meu antigo parceiro, para dividir a cena comigo, mas ainda não conseguimos pautas e apoio para esta realização. Recebi convite da Secretaria de Cultura de Jequié para apresentar este espetáculo na inauguração do teatro da cidade este ano, quiçá consiga estender a temporada a Salvador. Mantenho um diálogo mais estreito com o diretor e autor Gil Vicente. Quero conhecer mais a nova geração de atrizes e torço que se estabeleça na Bahia um mercado de trabalho consistente para artistas e técnicos.

Em alguns castings, o número de seguidores que os atores têm nas redes sociais acabam pesando na escolha do elenco. Como vê esse processo?

Cruel. Entendo que quem manda nos produtos audiovisuais, séries, seja o patrocinador, que por fim quer escalar elenco que tenha os tais milhões de seguidores, que significam ao fim e ao cabo possíveis milhões de consumidores de seus produtos. De uma forma ou de outra sempre foi assim: você é contratado em função do que você possa render àquele produto cultural. Claro que sempre vai ser necessário nesta engenharia o elenco que também sustenta a história. Às vezes, acontece de celebridades serem grandes atrizes e atores- bingo! Por isso é fundamental a ação do Estado sobre a cultura através de políticas públicas e editais que viabilizem artistas dos vários cantos do Brasil, fora deste circuito midiático, produzirem suas obras.

Você estudou jornalismo, assim como Wagner Moura e Sérgio Machado. O que acha dessa discussão em torno da PEC que exige diploma de comunicação social para o exercício da profissão? É uma discussão que também existe entre atores de TV.

Entrei na Facom (Faculdade de Comunicação da Ufba) para estudar jornalismo porque não tive coragem, naquela altura, de fazer vestibular para Teatro e ir contra a minha família. A solução que encontrei foi cursar Jornalismo de dia e fazer o Curso Livre de Teatro da Ufba à noite. Em seguida, abandonei o Jornalismo, diferente de Wagner e Sérgio que se formaram. Por isso, prefiro me posicionar sobre esta questão da formação profissional em relação às atrizes e aos atores, já que nunca tive experiência como jornalista. Como atriz profissional que depende deste trabalho para sobreviver, sou a favor da profissionalização do elenco, é uma questão também de defesa do mercado e da nossa classe, sim. Acho triste ver colegas preparados e talentosos vendendo quentinhas para sobreviver, não é justo. No audiovisual é mais comum o mercado absorver não-atores no elenco, geralmente em obras de ficção com linguagem próxima do documentário que preza por uma não atuação do elenco.

Mas, se este sujeito não tiver um talento extraordinário, ele vai estar sempre fazendo o mesmo papel em todos os filmes, ou seja, ele mesmo. Um registro profissional de artista também pode ser conseguido pelo acúmulo de experiências, a prática também forma um artista. Inclusive, acho que dentro da academia, seja fundamental a experiência prática dos professores nos sets de filmagem e nos palcos para darem conta deste ensinamento. Não adianta ter vários títulos e não estar no campo da ação prática. Uma coisa enriquece a outra, eu tratei de me graduar e fazer mestrado anos depois, mesmo já tendo anos de prática como atriz.

E sigo querendo ampliar meu aprendizado em cursos. A professora Cleise Mendes, que admiro muito, falou uma coisa em sala de aula que nunca saiu da minha cabeça: "A princípio, um ator tem que falar e caminhar, por isso tudo que fala e anda acha que pode ser ator, mas vá caminhar e andar em um palco...", concordo com ela. Sou old school.

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