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Unilab celebra 10 anos com exposição Brasil e África
Conheça algumas das histórias conectadas com a Unilab
Por Gilson Jorge
O artista visual Gringo Cardia havia sido convidado pela professora Ana Cláudia Gomes de Souza, do departamento de antropologia no Campus dos Malês da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), em São Francisco do Conde, a dar uma palestra sobre tecnologia audiovisual de narrativas históricas no dia 1° de fevereiro deste ano.
Cardia estava hospedado em Salvador na casa de seu amigo, o fotógrafo João Farkas, que há quatro anos vem à capital baiana para fotografar integrantes do bloco As Muquiranas, e convidou para a viagem ao Recôncavo o seu anfitrião, um entusiasta da cultura afro-brasileira.
Interessado pelo ineditismo de um campus universitário que tem 40% de seus estudantes vindos de países africanos, Farkas esperou a palestra acabar e improvisou em uma das paredes um fundo com pano azul para fotografar os alunos. Foram feitos mais de 100 registros, de estudantes estrangeiros e brasileiros.
Três meses depois, mais precisamente em 14 de maio de 2024, seriam comemorados os 10 anos de existência do campus, uma extensão da sede da Unilab em Redenção, Ceará, que sofre com a dificuldade para obter recursos para a sua manutenção diária.
Sem dinheiro para celebrar o aniversário, surgiu então em fevereiro a ideia de usar as fotos de Farkas em exposição na instituição para um mínimo festejo. O fotógrafo paulista pagou do próprio bolso a impressão das fotos em São Paulo e as doou à universidade. Assim como Gringo Cardia doou a impressão de uma bandeira da exposição.
Modelo da foto que virou o cartaz da exposição, a guineense Norilde José da Silva foi ao campus no dia da sessão fotográfica mesmo sem ter aula no dia. "Eu fui ao Restaurante Universitário, vi as pessoas na quadra fazendo fotos e fui", conta a jovem, formada em Humanidades pela Unilab (BA) e prestes a se graduar em Relações Internacionais na mesma instituição.
"Quando cheguei ao campus, no dia da abertura da exposição, vi minha foto bem grande lá", orgulha-se a estudante, que em 2022 ficou em segundo lugar no concurso Beleza Black Bahia. Antes de voltar a Guiné-Bissau, Norilde pretende fazer mestrado em Ciência Política na Ufba, para estudar o peso de organismos internacionais na agenda de governos africanos.
Norilde, que chegou à Bahia com 18 anos, declara que estudar aqui é uma das melhores experiências de sua vida até agora. "Eu não sabia como era aqui. E estudar na Unilab está sendo incrível, independente do que eu já construí aqui, das amizades", diz ela.
Uma das coisas que a impressionaram foi justamente a ênfase que existe na universidade em temas africanos. "Lá a gente não tinha a visão sobre as nossas culturas. Mas na Unilab há uma educação bem afrocentrada e isso me ajudou a desconstruir muito a ideia de que por aqui tudo do Ocidente é o que vale, que tudo da Europa é o que presta", diz a estudante.
A beleza de cada um
Não foi muito fácil para João conseguir as fotos. No primeiro momento, quando ele perguntou quem queria fazer os registros, os estudantes africanos estavam tímidos. Mas ao final, dezenas de jovens toparam encarar a câmera. "Eu pensei que as fotos ficariam 10 ou 15 dias e depois seriam retiradas. Mas permaneceram por lá, parece que virou uma coisa de orgulho, de ser reconhecido, da beleza de cada um", conta Farkas. As fotos da exposição Brasil e África permanecem expostas até 31 de outubro.
O fotógrafo declarou-se surpreso com a instituição. "O Brasil tem essa coisa, a gente não sabe nem o que a gente tem. Eu não fazia ideia de que existia", declara Farkas, que classificou a iniciativa de uma universidade voltada para a África como algo muito inteligente. "Isso cria um vínculo. Imagine um jovem de Angola, de Moçambique, vindo estudar no Brasil. Obviamente, alguns desses estudantes vão se destacar na vida econômica ou política de seus países e já criaram um vínculo muito forte com o Brasil", afirma o fotógrafo.
Com as fotos coloridas de jovens estrangeiros que deixaram suas casas para estudar em um pedaço do mundo que reivindica o posto de guardião da cultura africana, a exposição é também o retrato do paradoxo da Unilab na Bahia. Por um lado, a celebração da experiência singular de acomodar 400 estudantes dos países africanos. Por outro, a dificuldade de avançar na autonomia acadêmica.
A professora Ana Cláudia considera que a implantação do Campus dos Malês é uma das iniciativas acadêmicas mais relevantes do país. "Esse campus, na Bahia, é muito significativo, muito representativo. É um projeto que tenta instituir uma reparação a países do continente africano a partir da oferta de vagas para estudantes, especialmente dos Palops", afirma a professora, referindo-se aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe).
Mas a professora destaca que, no dia a dia, os alunos enfrentam grandes dificuldades, como a redução nas linhas de ônibus que ligam o centro da cidade ao campus, causando atrasos na chegada de alunos.
Recursos
Além da falta de recursos federais para a universidade, o professor adjunto da Unilab, Marlon Marcos, reclama que a sociedade não tenha abraçado o campus universitário. "A gente tem sentido a necessidade de tornar a Unilab uma área pertencente a São Francisco do Conde. Mas a cidade não a acolhe. É como se fosse um espaço educacional dirigido a um público africano. E esse público africano é visto de uma maneira menor", afirma o professor, que declara se questionar o que ocorreria se a universidade tivesse o modelo eurocêntrico e com alunos brancos. "Será que ela seria tão rejeitada assim?", indaga o professor.
Duas novidades, entretanto, devem alterar a realidade do campus. Uma é a provável implantação do curso de medicina, que é estudada há mais de seis anos. Outra mudança é a possível separação da sede no Ceará. Alguns professores do campus baiano chegaram a sugerir que a estrutura fosse incorporada por outra universidade existente na Bahia, mas a ideia não prosperou porque destruiria a sua identidade original.
A tentativa agora é a criação da Universidade Federal África-Brasil, com sede em São Francisco do Conde e campus em cidades próximas. "É importante que se saiba da existência do Campus dos Malês, mas precisamos sair da secundarização. O projeto é a Ufab, com a ajuda dos políticos da Bahia", declara Marlon. Ao completar 10 anos, o Campus dos Malês celebra os seus feitos. Mas, no que diz respeito à gestão, espera poder sair melhor na foto.
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