MUITO
Vai, Muquiranas: conheça o estilista que faz as fantasias do bloco
Por Bruna Castelo Branco | Foto: Adilton Venegeroles / Ag. A TARDE

O ateliê do estilista Fábio Sande, escondido ali no Saboeiro, é o próprio Carnaval. Um carnaval cheio de penas, pedrinhas de brilhante, cores fortes e muito paetê. Desde 2015, é ele quem faz as fantasias das Muquiranas, um dos poucos blocos fantasiados da cidade. “A cultura da fantasia aqui começou a morrer com os abadás. Ficou meio morto, sem cor”, opina Fábio. Talvez pelo movimento do Carnaval sem cordas, talvez por inspiração de outros estados, as fantasias estão finalmente voltando à avenida. “É isso o que é Carnaval. É isso, essa é a essência”.
Num dos tantos manequins espalhados pela sala está a fantasia dourada que ele vai usar no desfile da Unidos do Porto da Pedra, escola de samba do Rio de Janeiro. Mostra também a que usou no ano passado, quase um tesouro: juntando tudo, o figurino custou cerca de R$ 25 mil. “Varia muito o preço, não tem uma média. Algumas máscaras que faço são joias”. Foi no Rio, há 20 anos, antes de sequer se imaginar nas Muquiranas, que Fábio sentiu que a carreira de estilista e carnavalesco tinha começado de verdade.
Fábio é formado em artes plásticas e, de início, desenhou algumas fantasias de teatro. “Já fazia essa experimentação”. Chegou a ser professor por um tempo, mas logo desistiu. Se sentia desvalorizado. “Sabe como é professor, trabalha muito e ganha pouco”. O design de moda, conta, veio muito naturalmente. “Eu já desenhava e gostava muito. Foi quase que sem querer”. Foi convidado para desenhar para algumas marcas, participou de desfiles, viajou. Mas sonhava mesmo era em trabalhar com escola de samba. “Salvador não tinha essa coisa de fantasia, né, então era lá”.
No Rio, fez alguns figurinos para a Porto da Pedra. Nesse tempo, conheceu materiais e técnicas que não via muito por aqui. Era como se, em fevereiro, se forjasse um novo mundo. “Lá é um sonho de Carnaval, de fantasia, sempre vou lá para fazer pesquisa, ver o que estão usando, o que estão criando. Em Recife também fazem fantasias lindas, tem concurso de fantasia. São Paulo, nem preciso falar. Fui me aprimorando”.
Foi essa aprimorada toda que fez com que, em 2001, ele fechasse com uma cliente grande. Era Emanuelle Araújo, que assumia o comando da Banda Eva naquele ano – e no lugar de Ivete, o que você há de convir, é muita responsabilidade. “Eu lembro como se fosse hoje. Foram três fantasias, uma era a guerrilheira do amor, pintei à mão. Teve a de Eva… naquele Carnaval todos olharam para ela. As pessoas avaliam o carisma, a voz e, é claro, a aparência. Tinha uma pressão forte ali”. Nesse mesmo ano, Fábio trabalhou com Gerônimo e Lazzo Matumbi. Por alguns carnavais, fez também as fantasias de Tatau, do Araketu. “O figurino dele em Ó Paí, Ó é meu”. Até que decidiu parar.
Não parou de fazer Carnaval, mas se afastou da festa baiana. “O movimento aqui, às vezes, é meio fraco”. Ficou pelo Rio até 2015, quando recebeu o convite das Muquiranas. De início, não quis aceitar. “Eu fiquei meio assim… Na época, estava meio desacreditado com o Carnaval de Salvador”.
Para ele, aquela ideia de que o que vem de longe é melhor ainda resiste por aqui. “Quando o cantor começa, ele procura um artista. Aí quando você ganha grana, começa a impor limitações ao artista. ‘Olhe, só tenho X de orçamento, vamos fazer uma parceria?’. Mas a gente não precisa de parceria, precisa pagar conta. E aí ele vai procurar o de fora”, desabafa.
Para ele, essa desvalorização do estilista faz com que muitos parem. “Dos meus amigos que começaram comigo, só eu continuei. Até culpo Dom João, porque quando ele chegou aqui, a primeira coisa que fez foi abrir os portos, né? O que era bom, vinha de fora”. E aí, explica Fábio, começa um ciclo: como sobram poucos profissionais qualificados, os empresários trazem gente de fora, o que faz com que os estilistas daqui desistam das fantasias – não tão literalmente falando.
“Eu tive até um episódio uma vez, com uma cantora que não vou citar o nome, que ela fez um orçamento, mas acabou procurando uma pessoa do Rio para fazer. Acabou que essa pessoa era muito minha amiga e me indicou: ‘Mas lá têm Fábio Sande, você não sabia?’. Olha que situação”.
Revolução
Acabou que, depois de pensar, encarou as Muquiranas como a última tentativa de voltar a Salvador. E, como diz o diretor do bloco, Luciano Paganelli, foi uma revolução: “O convite veio na comemoração dos nossos 50 anos. Desde que Fábio chegou, a gente só trabalha com estampas exclusivas, ele viaja atrás disso”.
Outra mudança está nos apetrechos: antes, era só a fantasia. Cada um levava a própria sunga, acessórios e arranjos que compravam na mão dos ambulantes. Agora, o kit já vem completo. “O processo dura o ano inteiro. Já estamos com o tema do ano que vem escolhido. E Fábio é altamente democrático, ouve também, assimila, não é um cara que diz que é assim e acabou”. É tanta democracia que, às vezes, são mais de 20 testes até que o modelo seja escolhido. E essa atenção é resultado das vivências nas escolas de samba. “A gente trabalha com o conjunto, é o conjunto que leva nota, que é avaliado”, diz Fábio.
Quem conhece Fábio do Carnaval talvez não saiba que ele circula por outras chiquezas da vida. Desde que começou, lá atrás, também faz vestido de noiva, debutante e formanda. “Fazer vestido de festa também é fantasiar. Você fantasia o momento. Um vestido de noiva não é habitual, para usar a vida toda. É o momento, um conto de fada, você crê nessa coisa de sonho. E o próprio nome já diz, fantasiar, delirar”. É o que nos resta, na vida e na avenida.
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