ABRE ASPAS
“Vejo o público querendo verdades”, diz Larissa Luz
Confira entrevista com a jovem atriz e cantora
Aos 19 anos, Larissa Luz assumiu os vocais da banda Ara Ketu. Desde então, foi indicada ao Grammy Latino, interpretou Elza Soares, liderou o bloco Mascarados e foi responsável pelo lineup da edição brasileira do Afropunk, maior festival de cultura negra do mundo. A responsabilidade, diz a cantora e atriz, faz parte da construção da artista que é hoje. “É muito gratificante conseguir realizar o plano que eu tracei”, comenta Larissa, que participa do programa Saia Justa, do canal GNT. Ela também está trabalhando num disco novo, escrevendo um livro e atuando em filmes. Como Larissa canta na música Descolonizada, de composição própria com Pedro Itan, ela quer mais: “Eu quero voar, escrever o meu enredo. Liberdade é não ter medo”. Seja na música, no cinema ou na televisão, a artista ocupa espaços e provoca impacto social. “A nossa presença, nós, artistas negras, já é política. A nossa existência nas telas, nos espaços, é revolucionária”.
Durante sua carreira, você assumiu funções de muita responsabilidade, como interpretar Elza e cantar no Ara Ketu. Você sente o peso de ocupar esses lugares?
Eu vejo o meu caminho como uma construção. Sempre quis trabalhar com arte, sempre gostei de criar. É muito gratificante conseguir realizar o plano que eu tracei. Vejo cada degrau, cada passo, cada conquista como parte dessa construção e sempre entendi a carreira de artista assim. É algo que se dá com tempo, maturidade, parcimônia e dedicação, como toda profissão. Sei das responsabilidades de ser artista e formadora de opinião, trabalhando a palavra cantada e falada. Mas não vejo essa responsabilidade como um peso. Vejo até como parte do processo.
Há cinco anos, você estreou o musical Elza e, recentemente, fez o show Elza Tributo. Como essa aproximação da carreira e da vida de Elza Soares lhe influencia como cantora e como pessoa?
Mergulhar na vida de Elza foi um grande presente, que me fez crescer em vários aspectos, não só enquanto artista, mas como pessoa, mulher e ativista. Foi um trabalho que me atravessou fisicamente e emocionalmente. Que mudou muitas coisas na minha forma de ver a vida. Foi um projeto que me abriu muitas portas, me fez conhecer muita gente e fez com que muita gente conhecesse o meu trabalho. Sou grata a Elza por isso, por ter me auxiliado a conquistar outros espaços. Ela já era parte do meu repertório e sempre foi uma referência. Eu brinco que a gente foi se aproximando, se aproximando e virou uma só. Pude desfrutar de toda a potência que ela tem e teve e pude crescer ainda mais. Sou muito grata por ela ter me convidado para o projeto [do musical Elza] e pelo aval dela para entrar na sua vida.
Como é ser fiel ao processo criativo e manter a preocupação em chegar ao público, em ser ouvida, num momento de tanta relevância dos streamings e redes sociais para o mercado da música?
Temos que equacionar a nossa vontade artística e liberdade criativa com a indústria fonográfica e com o que está em voga no momento. Para mim, esse diálogo entre personalidade, desejo, criatividade e o mercado é um grande desafio. Ao mesmo tempo em que a tecnologia avança, vejo o público querendo verdades. Querendo profundidade, querendo enxergar você, o artista. E não só uma casca ou um personagem superficial que não diz respeito à sua essência. Tem a robotização, que tem funcionado de alguma forma, mas tem também muita gente querendo se aprofundar e conhecer arte de verdade produzida pela essência original. Sempre quis fazer arte e usar a minha arte como ferramenta de transformação, queria que a minha arte atravessasse as pessoas, transformasse de alguma forma a vida dos que me escutam. Nunca quis ter amarras ou me prender à necessidade de me encaixar em prateleiras para que minha música fosse ouvida ou vendida. Por outro lado, comecei a entender como esses segmentos podem ajudar a minha palavra chegar às pessoas. Estou o tempo inteiro tentando equacionar. E negociar comigo mesma. Assim, consigo fazer minha arte sem perder a minha verdade e a minha essência e sem enganar o público. Sendo honesta com o público estou sendo honesta comigo, porque arte é honestidade. Tem que ter verdade. Senão, perde o sentido.
E falando em liberdade, você foi finalista do The Masked Singer Brasil e muitos artistas comentam sobre a experiência de cantar sem ser visto. Isso foi libertador para você ou sentiu que esconder o rosto foi uma limitação da sua performance?
A fantasia, ao mesmo tempo em que liberta, limita fisicamente. Tinha movimentos que eu não conseguia fazer. Era meio difícil até de enxergar. Tenho dificuldade também de ficar em lugares pequenos, apertados. Mas, ao mesmo tempo, senti uma grande liberdade, por não ter o rosto exposto, não ter a identidade divulgada. Era a liberdade de criar uma personagem que era eu, mas, ao mesmo tempo, eram várias. Eu podia ser qualquer coisa que eu quisesse. Foi uma experiência muito massa. O que no começo parecia uma coisa impossível virou um aprendizado de vida. Sem poder me comunicar com o olhar, descobri que o corpo é uma ferramenta muito poderosa. A abelha, que era minha fantasia, dança para se comunicar e, para mim, isso fez todo o sentido. Isso bateu num lugar muito especial de poder experimentar o quanto que a gente consegue se comunicar sem a palavra dita, apenas com o movimento do corpo. E foi muito divertido também.
As crianças gostam muito do programa, não é?
Muito. Revisitei o meu lado criativo infantil. Eram infinitas possibilidades. Mesmo com as limitações, tinha muita liberdade, então, foi lúdico. As crianças adoravam, teve uns meninos que foram até em um show meu. Ganhei um público infantil, que eu amo. Tenho muita vontade de fazer projeto para crianças. Eu me inspiro vendo o olhar infantil e as possibilidades que as crianças têm.
Sua participação no programa foi marcada por interpretações de Nina Simone, Jimmy Cliff, Alcione e Tina Turner. Hoje, vemos você fazer colaborações e shows com artistas novas como Agnes Nunes e Majur. A escolha de artistas negros para interpretar e colaborar é um posicionamento político?
É valor social. A nossa presença, nós, artistas negras, já é política. A nossa existência nas telas, nos espaços, é revolucionária. Também estou sempre tentando fazer links, porque o coletivo importa. São conexões que não só me contemplam individualmente, no sucesso individual. Sempre busco formas de agregar ao coletivo, ao povo preto como uma comunidade. Claro que meu sucesso individual é importante e é ótimo, mas ele não é só pra mim, não é o suficiente. Espero que muito mais gente tenha sucesso. Estava ali de fantasia para vários nomes serem citados. De Paula Lima, de Elisa Lucinda, de várias cantoras negras. E também busquei trazer no repertório referências da música negra universal. São ações pequenas, mas que têm impacto. Sempre tento contribuir com a realidade que eu penso como a ideal.
Outro espaço que você está ocupando agora é o cinema. A gente acabou de ver você como atriz em Um Ano Inesquecível - Outono, dirigido por Lázaro Ramos. Você pretende investir mais nessa presença no cinema?
O cinema me pegou de uma forma muito especial. Fiz também um telefilme em Salvador com equipe toda baiana, o Beleza da Noite [coprodução da Globo Filmes com a Movida Conteúdo]. Passou no Tela Quente [da TV Globo]. É a valorização da nossa cultura, da nossa identidade. Eu gravei depois de fazer o filme de Lázaro e falei “eu quero fazer mais cinema”. É um mundo muito grande com muitas nuances e coisas para destrinchar. Quero aprender e mergulhar nesse mundo. Já até gravei uma participação em outro filme que sai no ano que vem. Também estou trabalhando em um novo disco e escrevendo um livro. Quero conceber narrativas que precisam ser contadas, que vão ter impacto.
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