CRÔNICA
Yes, nós somos bananas!
Confira a Crônica deste domingo
Por Antonia Damásio*
Não basta o ser humano ser complexo. Alguns carboidratos também são. Banana de São Tomé, pacovan, banana-da-terra são a representação do sagrado na terra das bananas. A trindade clássica é nomeada de formas distintas e tem modos diferentes de preparo. Acreditem ou não, não sou uma baiana raiz, do tipo que se apega à dinastia do caruru. Quando criança, era uma das sete convidadas dos banquetes clássicos de Santa Bárbara. No meio de todos os quitutes, só gostava da banana. É uma confissão com potencial para heresia. Mas eis aí a minha verdade. Nunca fui a musa do acarajé, menos ainda do quiabo. Fiz as pazes com a culinária da minha origem muito tempo depois. Mas está é uma outra história.
O fato é que sempre amei as bananas. A ponto de assumir tal preferência como parte da minha identidade. Por um tempo incorporei minha dileta ao meu sobrenome. E na dieta. No início da minha vida escolar, assinava as tarefas de casa como Maria Banana. Como a professora identificou a autoria, nunca saberemos. Codinomes eram o forte do Fernando. Gosto do Pessoa na pessoa e da banana com canela. Assada, cozida, frita. Mais tarde com noz moscada, puxuri, gengibre, fava tonka. Minha república é gastronômica. Só não é econômica pois tudo que eu gosto, engorda e não é barato. Mas é legal e, na moral, iconoclasta. Banana tem uma pegada erótica.
Vou te contar e os olhos agora podem ver. Daqui, do paraíso das bananas, no baixo sul da Bahia, depois de muito me fartar delas, não alcanço o ponto de fastio. Percebo que as alterações climáticas alteraram o formato robusto da minha preferida. As bananas estão minguadas e esbeltas. Entretanto, o sabor não foi alterado. As maduras permanecem as primícias da terra. Uma fartura de amido resistente. Irresistível.
Música para os ouvidos e o aparelho fonador. Cartola. Um músico de mão cheia e uma sobremesa deliciosa da terra do frevo. Pé na nostalgia, a banana se derrete e vai choramingando amido, o mel do seu galanteio. O mundo pode até ser um moinho, mas a banana é a nossa redenção. Pode soprar suas rodelas na minha cara.
No tabuleiro da Carmem Miranda tinha um apelo tropical e era uma ode às bananas. Batida no garfo, com leite em pó e açúcar, fazia estrelas cadentes grudarem no céu da boca. Era uma festa de texturas. O açúcar se oferecia como mais uma complexa camada de dulçor. Um arrepio crocante, uma riqueza necessária.
De prova de amor a objeto de insulto, a banana nos atravessa. Os humanos continuam complexos. De fonte de prazer, a ícone do discurso do ódio. No estádio do espelho lacaniano, a boa saída é o não despedaçamento. É a integração do eu. Nos estádios e nas ruas assistimos, tantas vezes, ao acirramento das questões de pele, da eugenia, da segregação.
Uma banana nos mostra diversas formas de existir para além das premissas de tamanho ou espessura. Quando empencados, somos robustos, corpulentos, volumosos. O melhor de uma banana madura. Quando temporãos, enodados, indigestos, a mais trevosa criatura.
Há bananas para todos os gostos, do amarelo ao roxo, uma vasta paleta de sabores. Sabem-se doces, nutritivas, substanciosas, ricas em fibra. Liberam triptofano, matriz da serotonina, fortuna da vida afetiva.
Mas também podem passar do ponto, assim como nós, por vezes, perdemos a mão. Uma banana lançada, uma palavra maldita. É como uma lança ou uma espada, que atravessa gerações. Tem gosto para tudo. Há os que não toleram banana, há os que não suportam a diversidade. A penca da vida é repleta de adversidades. Algumas nós plantamos, outras caem sobre as nossas cabeças. Nem tudo é obra do aleatório. Bendito o fruto do vosso ventre, reparação. A benção mama África.
*Antonia Damásio é psicanalista
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