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Zezé Motta: "Existe o mito de que a vida do artista é só glamour"

Por Marcos Dias

30/07/2018 - 10:39 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
Zezé Motta participa hoje do projeto Mulher com a Palavra, no TCA, para falar sobre feminismos
Zezé Motta participa hoje do projeto Mulher com a Palavra, no TCA, para falar sobre feminismos -

O sorriso de Zezé Motta ilumina o Brasil há muito tempo. Na verdade, ela ri até quando pensa na finitude. A atriz e cantora vai estar hoje, ao lado de Gaby Amarantos, no projeto Mulher com a Palavra, às 20h, no palco do Teatro Castro Alves (R$ 10 e R$ 5), para tratar do tema #feminismos. Desde que estreou profissionalmente na histórica montagem da peça Roda Viva, de Chico Buarque, com direção de José Celso Martinez Corrêa, em 1968, talento e dignidade fazem parte dessa trajetória. Em meio século dedicado à arte, ela brilhou para o mundo em Xica da Silva (1976) e, na sequência, interpretou personagens emblemáticos, como Dandara, Carolina de Jesus e muitas outras, com atuações memoráveis no cinema, teatro e TV. Não à toa, foi homenageada neste mês no I Festival Internacional de Mulheres no Cinema, em maio na 6ª edição da Mostra de Artes Cênicas Tiradentes em Cena, também foi premiada com o Troféu Raça Negra no ano passado e, aqui e ali, inspira um arrebatamento de quem reconhece tudo que ela representa na cultura brasileira. Com nove discos gravados, ela também faz shows em que homenageia artistas como Luiz Melodia e Jards Macalé (Negra Melodia), Elizeth Cardoso (Divina Saudade) e Caetano Veloso, mas só recentemente, aos 74 anos, lançou um disco de samba. “De samba e de negros”, enfatiza. Nesta entrevista, Zezé resgata episódios que viveu em Salvador, fala do novo disco e a permanente luta contra a discriminação. Filha de Oxum Opará, ela se autodefine: “Eu sou meio indomável”.

Hoje você participa do projeto Mulher com a Palavra, no Teatro Castro Alves. Não é a primeira vez que você estará neste palco. O que é mais vivo na sua memória em relação a Salvador?

Na minha memória foi quando nós fizemos, eu e Luiz Melodia, o projeto Pixinguinha, em 1979, apresentando Marina Lima. Foi uma comoção, porque o teatro lotou e a fila lá fora não parava de crescer. A gente teve que fazer duas sessões. Acho que foi a primeira vez que me apresentei lá. Mas o lançamento do meu primeiro LP foi naquele teatrinho, o Vila Velha. Tenho lembranças maravilhosas de lá, por ter estreado na Bahia com o disco Muito prazer, eu sou Zezé, meu primeiro trabalho como cantora.

Imagem ilustrativa da imagem Zezé Motta: "Existe o mito de que a vida do artista é só glamour"
| Foto: Arquivo A TARDE
A atriz e cantora foi destaque do desfile das Filhas de Gandhi no Carnaval de 1981

Certa vez, você declarou que passou por situações de racismo em Salvador, a cidade mais negra fora do continente africano. Acha que Salvador é mais racista que o resto do país?

Não, não acho isso. É... é... eu não posso nem falar, não tenho palavras para isso. Eu não entendo isso acontecer na Bahia. Na verdade, eu não entendo isso no Brasil inteiro, porque é um país miscigenado; na verdade, eu não entendo no mundo inteiro, porque é um absurdo, é ridículo. Agora, na Bahia, para mim, foi surpreendente no sentido negativo. Se tem um lugar que você espera não passar por isso é na Bahia. Nós estávamos fazendo um filme, A Força de Xangô, de Iberê Cavalcanti, e estava com Elke Maravilha, estávamos hospedadas no Pelourinho. Grande Otelo participava do filme, dona Ivone Lara... quanta gente maravilhosa que se foi... A Elke foi convidada para uma festa e me chamou. Quando cheguei, era um buchicho pra lá, um buchicho pra cá, era na casa de umas pessoas com muita grana e aconteceram duas coisas graves: todo mundo tentando justificar minha presença na festa, sabe, uns papos-furados: “Você é convidada de quem?”. Não era nem assim, era tipo: “Você é amigo de fulana?”. Eu perguntei: “Quem é fulana ?”. “O dono da casa, a dona da casa”... umas quatro pessoas me perguntaram. Era tipo: “O que você está fazendo aqui?”. Aquela história do livro da nossa saudosa Lélia Gonzalez, Lugar de Negro, tipo assim, “aqui não é seu lugar”. Até que Elke disse que me convidou e estávamos fazendo um filme. “Ah, é atriz? Agora estou me lembrando de você”. Imagina, eu fazia uma ponta numa novela! Não tenho certeza, mas acho que era Duas vidas, da Janete Clair, e fazia um personagem que tinha uma promessa que ia acontecer alguma coisa mas não aconteceu. Até que alguém falou: “Claro, ela é atriz, está fazendo essa novela”. A partir daí eu fui aceita por todos que estavam na festa. E aconteceu uma coisa muito grave: uma pessoa nos convidou para ir a uma boate e, na distribuição dos carros, eu fui em um carro e Elke foi em outro, e ela foi sequestrada e teve uma tentativa de estupro, mas ela era muito esperta e se saiu bem.

Muita violência em um único dia na Terra da Felicidade.

(Risos). Muita. Mas nós estamos na mesma situação no Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa. Eu tinha o maior orgulho disso, não dá mais, né, não dá mais.

A propósito de você ter filmado com dona Ivone Lara, o que pensou sobre a pressão que a cantora Fabiana Cozza enfrentou por conta do colorismo, chegando a renunciar ao papel no espetáculo?

Fiquei muito triste, mesmo. Já dói que a gente seja atacado por um grupo que se considera branco, branco e superior. A gente sabe que não existe branco no Brasil e não existe ninguém superior a ninguém, isso já é uma coisa triste, uma agressão, agora nós mesmos nos dividirmos é muito mais triste. E foi injusto, porque Fabiana não é branca. Sou fã dela, ela é ótima e representaria o papel muito bem, era amiga de dona Ivone, a família já tinha aprovado, fez teste, não foi uma coisa “vamos escolher essa de pelinha mais clara”, não. Fabiana fez teste e passou, é uma excelente cantora e, além do mais, não seria a única Ivone, havia outras.

A gente não pode desistir da luta porque, se desistir, fica pior. A real é essa.

O movimento das mulheres negras na Bahia realiza durante todo este mês uma agenda intitulada Julho das Pretas. Na sua opinião, como essa interseção entre machismo e racismo deve ser enfrentada?

Toda vez que sou convidada para um evento eu fico pensando: a gente vai ter que se encontrar para combater, ainda, o racismo, o machismo, a desigualdade de gênero, em termos de reconhecimento, de tratamento, de salário... fico muito indignada e decepcionada. Agora, a gente não pode desistir da luta porque, se desistir, fica pior. A real é essa. Mas sempre me chamam para falar sobre essas questões. São décadas e décadas, ou seja, desde que o mundo é mundo, é triste, mas a luta continua.

Mas é propriamente o espaço da liberdade, no sentido de ser o possível nesses tempos. Na sua área de atuação, por exemplo, ainda nos anos 80, você criou pioneiramente o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro (Cidan), uma base de dados para ampliar participação em produções audiovisuais, quando não se falava tanto em protagonismo. Como o projeto está hoje?

Neste momento, nossa ideia é reativar o Cidan. Tinha revezamento na presidência. O primeiro foi Jaques Jacques D’Adesky, um dos fundadores, depois eu e depois o Antônio Pompêu [morto em 5 de janeiro de 2016]. Por todas essas questões, e sobretudo por causa do desemprego, ele teve que priorizar a sobrevivência dele e, como não conseguia trabalho, ele entrou em depressão e o Cidan ficou parado. Pompêu era muito fechado, ele não abria muito pra gente o que estava acontecendo, ele ficava muito constrangido porque as coisas não iam bem, e a gente tentava uma reunião, ele ficava protelando, protelando, porque ele queria resolver primeiro as questões do Cidan, as dívidas, enfim, os problemas de um modo geral, para depois marcar uma reunião e anunciar: tivemos esse problema mas está resolvido. Mas, infelizmente, não teve tempo para isso. Então, nossa página hoje está parada, mas tenho uma meta de em 2019 retornar. Tem que deixar passar este momento cruel e perverso que o país está atravessando para ver se consigo patrocínio para reativar o Cidan. Um dos problemas do Cidan é uma dívida que tem que ser resolvida para que a página volte.

Desde o ano passado, por causa dos 50 anos de carreira, você tem sido muito homenageada. Pensa que o Brasil realmente valoriza seus talentos?

Não paro de festejar (risos)! Minha primeira peça profissional foi Roda Viva (1968). Olha, pelo menos meu trabalho tem tido bastante reconhecimento, e digo que isso é importante para que a gente continue na luta, porque existe o mito de que a vida do artista é só glamour. Muita gente tem essa impressão, e a realidade não é essa, a vida do artista é uma luta diária, principalmente para uma mulher negra, é uma batalha diária para você começar uma carreira de atriz, e mais difícil ainda é manter essa carreira por 50 anos. É realmente um privilégio, mas não pode deixar a peteca cair, não pode vacilar, tem que ter muita disciplina para não cair a qualidade do seu trabalho, se reciclar sempre, ler muito, continuar estudando, enfim, depende de muita coisa para manter essa carreira por muito tempo. Eu agradeço a Deus todos os dias, porque começar é difícil, e manter também é muito difícil.

No seu caso, ainda tem a questão de ser muito fiel a algo interior e atenta a essa qualidade do seu trabalho. Você lançou há três meses o disco O Samba mandou me chamar, só com sambas, porque politicamente, no início da carreira, não queria ficar rotulada como sambista. O que mudou?

Eu sou filha de Oxum, mas de Oxum Opará, então, eu sou meio indomável (risos). E estou muito feliz com esse trabalho, tem música do Arlindo Cruz com ele cantando comigo. Antes de ele adoecer, foi a última vez que ele entrou num estúdio para gravar, é uma música dele com o Maurição, que chama-se Nós Dois; tem uma participação do Xandy de Pilares, em Alma Gêmea; tem participação de alguns integrantes do grupo Bom Gosto e de alguns integrantes do Fundo de Quintal, ou seja, é um CD de sambas e de negros!

Aquele projeto, o Quarteto Negro, que você gravou em 1988 com Paulo Moura, Djalma Correa e Jorge Degas, para mim, é um dos discos mais incríveis da música brasileira. Hoje não temos mais Paulo Moura, mas por que não fizeram mais?

Uma cineasta francesa tinha pensando em homenagear eu, Gil, Martinho da Vila, Grande Otelo, aí ela fez um especial para a França, foi em 1988, e a gravadora quis fazer uma homenagem ao Centenário da Abolição. Infelizmente, Jorge Degas mora na Dinamarca, e houve alguma dificuldade por ele estar lá, e o quarteto se desfez. A gente só apresentou esse show no Olympia de Paris, e depois fizemos em Nova York, depois não teve um acordo para que Degas continuasse, isso é o que ouvi falar, acho que o fato de ele morar lá, estar casado, com filhos, complicou a questão das viagens, e sem ele não fazia muito sentido.

Depois de interpretar personagens emblemáticos como Xica da Silva, Carolina de Jesus (no curta Carolina), Dandara (em Quilombo), em breve será lançada sua biografia, Nos Palcos da Vida, escrita por Cacau Hygino. Como está esse projeto? Soube que viraria uma peça, é verdade?

A biografia está superatrasada porque tem muita coisa que depende de ser aprovada, como foto de pessoas, fotos que pertencem a algum jornal ou revista e têm que ser compradas, e está atrasada por isso, mas sai este ano.

A ideia é transpor sua vida para o palco?

Não, não. Tem um grupo qui no Rio que já está ensaiando e vai me homenagear com uma encenação sobre a minha vida, mas eu não participo como atriz.

Não é doido isso de ter sua vida encenada? Como se fosse uma obra completa?

(Risos). É muito doido e muita emoção. Lá no festival Tiradentes em Cena, eu cheguei a dizer: ainda bem que eu não sofro do coração porque “são tantas emoções”.

São coisas que colocam diante da noção de finitude. Como você lida com isso?

É engraçado, tem uma música da Elizeth, do meu show Divina Saudade, em que canto a ária da Bachiana nº 5, em que a letra é meio uma despedida (cantarola). Ela fala: vão lembrar quando eu partir, da minha voz... Sempre me emociono porque a música é uma despedida, estou homenageando Elizeth e qualquer dia vai ser eu que não vou estar mais aqui (risos), mas vão lembrar de mim.

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