CLIMATE WEEK
Mulheres têm 14 vezes mais chance de morrer em desastres climáticos
Recorte de gênero ainda é tema pouco abordado em fóruns ambientais

Por Gabriela de Paula* | Direto de NY

“Quem está passando por essa transição energética não somos nós, são as pessoas de outros países. A buraqueira vai ficar pra gente.” O lamento em forma de alerta feito pela pesquisadora indígena Uakyrê Pankararu Braz, durante a Semana do Clima que acontece em Nova York, carrega um dado preocupante: 57,8% das reservas dos chamados minerais estratégicos estão em territórios de povos tradicionais. Quando falamos em lítio e manganês, 85% e 75% respectivamente das reservas estão em locais onde vivem populações originárias.
Moradora da aldeia Cinta Vermelha Jundiba, a liderança brasileira foi a única indígena sem cargo público do nosso país a participar de painéis no maior evento global sobre as mudanças climáticas. Ela viajou a convite do Instituto Por Elas, sediado em Minas Gerais, para denunciar os impactos da mineração em meninas e mulheres.
“Nós somos o Vale do Jequitinhonha e não queremos que nossa cultura seja apagada, temos orgulho do nome de origem indígena na região. Não somos o vale do lítio. E se os estrangeiros têm dificuldade de falar Jequitinhonha, eles que aprendam”, destacou a Pankararu Pataxó.
O último Censo aponta que a Bahia tem a segunda maior população indígena do Brasil, com 13,53% do total do país, algo em torno de 230 mil pessoas. Dos cerca de 1,7 milhão de indígenas brasileiros, 53% são aldeados. Em áreas onde os direitos territoriais indígenas são assegurados, há evidência de que reduz-se o desmatamento em até dois terços e estimula-se a restauração florestal de áreas degradadas.

Presente ao evento realizado na Câmara de Comércio Brasil – Estados Unidos, a indígena membro da nação indiana Manipur e fundadora da Aliança Global dos Povos Indígenas, Justiça de Gênero e Paz, Binalakshmi Nepram, reforçou uma mensagem de Uakyrê.
“Não queremos impedir o desenvolvimento ou a transição energética, mas não queremos guerra. Queremos ser ouvidos e respeitados para encontrarmos juntos uma solução para toda a humanidade. Estamos abertos a conversar de forma pacífica e justa”, destacou.
O incrível apoio: ator de Hulk lado a lado com mulheres indígenas
Conhecido por seu combate ao fracking – técnica que usa explosivos para extração de combustíveis fósseis que tem alto risco de contaminar a água – e outras pautas ambientais, o ator Mark Ruffalo foi uma das presenças no palco da Climate Week.
O intérprete de Hulk nas telas correu emocionado em direção à Uakyrê, abraçando com força a liderança indígena e dizendo a ela que se mantivesse firme na defesa das florestas. “Conte comigo, mantenha-se firme”, declarou ao abraçar a indígena brasileira.
O lado triste do Avenger ter sido tão efusivo no encontro com a liderança da comunidade Pataxó-Pankararu é o de que apenas ela e mais duas canadenses da nação Dënesųłiné representavam os povos tradicionais no evento principal, onde estavam mais de 1.500 pessoas.

A proximidade da proporção de indígenas presentes no fórum com a encontrada no Brasil deixa uma dúvida: será que estes debates de alto nível estão de fato ouvindo quem tem o pé nos territórios que guardam a solução para a crise climática?
Os povos indígenas mantêm “memória viva” sobre espécies nativas, ciclos ecológicos, manejo de plantas medicinais, fauna, polinização e sistemas agrícolas adaptados. Essas práticas ajudam a manter a diversidade biológica e restaurar ecossistemas.
Mulheres são mais vulneráveis às mudanças climáticas
Representando a ministra Márcia Lopes que foi chamada de última hora para um compromisso com o presidente Lula na ONU, a assessora especial do Ministério das Mulheres, Isis Taboas, destacou que a pauta climática será um dos eixos da 4ª Conferência Nacional das Mulheres, que acontecerá semana que vem em Brasília, com representantes de todo o país.
“Há uma desproporcional destes desastres na vida das mulheres, especialmente das indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Aumenta o trabalho de cuidado, que é executado majoritariamente pelas mulheres, porque temos mais pessoas doentes, idosos, crianças que precisam dessa atenção”, ressalta a representante do poder público.

Isis trouxe ainda o registro de que a violência contra as mulheres aumenta de maneira significativa após os desastres e que isso deverá ser considerado em um protocolo de que vem sendo preparado para lançamento na COP30 de Belém. Os dados da análise realizada pela Women’s Earth Alliance também estimam que 80% das pessoas deslocadas por impactos climáticos sejam mulheres e meninas.
Para a presidente do Instituto Por Elas, a advogada Rizzia Froes, organizadora do painel, ter quem seja parceiro em causas que podem ser desconfortáveis é muito importante. “Se chegamos num espaço desse de poder, temos a obrigação moral de trazer outras mulheres. Hoje estamos sentados no PIB brasileiro em Nova York. Trazer um assunto polêmico para ser discutido com respeito é muito importante”, destacou.
Rizzia ainda lembrou que é preciso não deixar a empolgação do momento inicial apagar e fazer com que as propostas de avanço tornem-se realidade.
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