MÚSICA
Melly lança seu 1º vinil em edição especial de ‘Amaríssima’
Indicado ao Grammy Latino, estreia da baiana Melly, ‘Amaríssima’, ganha bela edição em vinil
Por Grazy Kaimbé*

A cantora e compositora Melly, 23, estreou bonito com Amaríssima, seu primeiro álbum, lançado em 2024. Isso porque, além de o trabalho ter sido indicado ao Grammy Latino (categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa), recentemente, o disco ganhou uma edição em vinil. Lançado de forma limitada, o LP já está praticamente esgotado e celebra a nova geração da música baiana com apuro estético.
O lançamento foi feito pelo selo cearense Wakati Produções, em parceria com a Som Livre. Ao todo, foram apenas 300 cópias prensadas, com direito a acabamento luxuoso: LP vermelho marmorizado, capa gatefold (abre como um livro), encarte com fotos, letras e ficha técnica completa.
Para a cantora, a edição de Amaríssima em vinil representa um marco em sua trajetória. Apesar de a Wakati ser uma gravadora do Nordeste, Melly é a primeira artista nordestina a integrar o catálogo da empresa.
“Foi uma emoção imensa! Amaríssima é um pedaço do meu coração, e essa memória existe agora em matéria: marmorizado, vermelho, cheio de presença. É como se eu pudesse pegar na minha própria coragem com as mãos. O vinil tem esse cuidado — o design especialmente criado para o encarte, para o disco, para as letras ali impressas, fotos, tudo tão bem acabado”, admira-se a cantora.
“Me fez lembrar de tudo que eu vivi para esse disco nascer. É um presente para os ouvidos, mas também para o toque, para o olhar. Me senti respeitada como artista e muito grata por ter um trabalho que agora pode atravessar o tempo de outro jeito”, acrescentou Melly.
Edimar Lima, 38, fundador e curador do selo Wakati, conheceu o trabalho de Melly em 2021, com o lançamento do EP Azul (2021). Desde então, ele já alimentava o desejo de lançar um disco da artista em vinil. “Quando ela lançou Amaríssima, pensei: ‘tem que ser pelo nosso selo’”, lembra.
Para ele, o formato físico resgata o valor de cada etapa da produção musical. “Hoje, a gente escuta uma música no celular e nem sabe quem fez. Com o vinil, devolvemos importância a todos os envolvidos”, destaca.

Segundo o Edimar, a opção pelo vinil também dialoga com uma tendência afetiva, em tempos de consumo rápido e dispersão, o LP remete a uma experiência de escuta imersiva. “Você coloca o disco, acompanha a sequência pensada pelo artista, mergulha na obra”, enfatiza. “A nossa proposta é dar protagonismo à música negra, celebrando suas vozes e potências. E a Melly se encaixou perfeitamente nesse conceito. É uma artista baiana que vem se destacando nos últimos anos. Vimos que esse disco tinha tudo a ver com o formato vinil” , observa.
O primeiro vinil
A artista conta que não participou diretamente do processo de criação do vinil, mas se sentiu contemplada com as escolhas feitas pela produtora — especialmente por ter dirigido o álbum Amaríssima e assinado as composições.
“Toda a direção criativa do Amaríssima teve minha mão desde o início. Eu escolhi cada signo que aparece ali: a flor de jambo, os símbolos, as cores, a tipografia. Até a letra que está sobre o meu rosto na capa passou por mim. É a letra da minha avó. Então, cada detalhe foi pensado para comunicar a força e o amargor que convivem nesse trabalho. Assim, mesmo não tendo participado diretamente do design do vinil, sinto que essa estética, que agora se expande, vem de um lugar muito meu, muito vivo – e tudo isso foi muito bem representado pela equipe responsável por essa nova criação”, diz.
De acordo com Lima, o lançamento do vinil foi pensado com cuidado estético e respeito à potência artística de Melly. Ele enfatiza que a decisão de transformar o álbum em um disco físico envolveu critérios que vão além da popularidade. “Buscamos trazer um produto à altura da artista. Antigamente, os discos eram todos pretos, com capas e encartes simples. Pensamos em todos os públicos. O público da Wakati é muito diverso – a gente vende discos para pessoas de 18 a 70 anos”, conta.
“Quando fazemos nossas reuniões de curadoria, levamos em conta a qualidade da obra, os arranjos, a produção e também a questão da temporalidade. Sempre digo que o mercado da música tem dois tipos de temporalidade: há músicas passageiras, hits do momento que daqui a cinco anos ninguém mais lembra. E há músicas atemporais. Na nossa opinião, o trabalho da Melly é atemporal”, disse.
“Nenhuma produtora lança vinil de músicas que são apenas modinhas, porque há o risco de que aquele disco perca o sentido com o tempo. A escolha de Amaríssima veio dessa certeza: de que é uma obra que vai atravessar gerações e marcar a história da música brasileira”, continuou.
Para Melly, o vinil não é apenas uma extensão do conceito do seu trabalho. O formato, segundo ela, favorece a escuta atenta e contínua que o álbum propõe desde a criação. “O vinil pede tempo, pede escuta, e Amaríssima foi feito exatamente pra isso: ser vivido em sequência, sem pressa. Cada faixa foi colocada onde está por um motivo, construindo uma narrativa emocional que vai da dor à cura, da dúvida à entrega”, afirma.
“No streaming, a gente costuma pular faixas ou ouvir no aleatório… mas no vinil não tem esse atalho. Você se compromete com a jornada. Então, nesse sentido, o formato físico não só reforça como valoriza a proposta do disco – decantar todo o processo de se habituar ao desconhecido, ao desconforto, de tudo que o tempo pede”, observa a cantora.
Cura e representação
De acordo com Melly, as canções do álbum foram cuidadosamente ordenadas para construir uma narrativa emocional coesa — da dor à cura, da dúvida à entrega.
O disco, inteiramente autoral, conta com participações de Liniker e Russo Passapusso, vocalista da banda Baianasystem. O trabalho foi aclamado pela crítica por seu lirismo direto e melancólico, uma estética que Melly define como “superlativo de amargo” (justamente o significado do termo ‘amaríssimo’).
Algumas faixas se destacam por timbres dissonantes e arranjos dançantes, como Falar de Amor, que abre o disco refletindo sobre a incerteza de um relacionamento, e Derreter & Suar, uma mistura de pagodão com R&B.
Melly destaca que o impacto de Amaríssima vai além da música dançante, toca em representatividade, pertencimento e inspiração para outras mulheres negras. “É algo que me atravessa muito. Ver jovens artistas, e principalmente mulheres negras, se sentindo representadas por Amaríssima me dá a certeza de que valeu – e vale – cada passo. Esse disco nasceu de um lugar muito íntimo, de exposição mesmo. Então, quando recebo mensagens dizendo ‘me vi na sua letra’ ou ‘você me deu vontade de criar’, é como se a música cumprisse sua missão de espelho e impulso”, conta.
“A gente cresce sem representação, sem espaço... e, de repente, ver outras mulheres negras se reconhecendo no meu trabalho é um jeito bonito de dizer: sempre estivemos aqui, e seguimos sendo o melhor que podemos ser”, diz.
E, como uma boa baiana, ela não poderia deixar de mergulhar no samba-reggae. Bandida, um dos principais singles do álbum, narra histórias que nem sempre têm final feliz, retratando um relacionamento que, embora aparentemente divertido, é problemático. Já Cacau, com sua sonoridade ensolarada, brinca com a expressão popular “o cacau caiu”, usada para descrever chuvas fortes – ou falar de um desencontro amoroso.
As inquietações com o tempo — o que passou e o que está por vir — também estão presentes. Em Rio Vermelho, a artista reflete sobre a ansiedade diante do futuro. O encerramento de Amaríssima é marcado por duas faixas que condensam a delicadeza emocional do projeto. Bye Bye aposta em um tom classudo e melancólico, enquanto extra: ‘um poema com minha letra (gaveta)’ é uma canção intimista em que Melly, acompanhada apenas do violão, entrega uma interpretação intensa e sensível, destacando com sutileza as melhores regiões de sua voz. Segundo a cantora, essa é a sua faixa favorita do álbum.
E para os fãs de carteirinha da jovem cantora, ela mandou avisar que tem coisa boa vindo por aí: “Eu tô mergulhada num novo projeto, que vai liberar toda a minha vontade. Ainda não posso contar tudo, mas posso dizer que vem som, conceito, entrega — do jeitão que eu gosto de fazer”, conclui.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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