UMA BREVE HISTÓRIA DO
CINEMA BAIANO
Dos primeiros filmes, em 1910, aos dias atuais, navegue pela trajetória de construção e resistência da cena cinematográfica baiana, através de textos e fotografias de filmes, diretores e atores que nasceram ou gravaram no Estado.
Este conteúdo integra a exposição em homenagem ao cinema feito na Bahia, realizada em parceria pelo Grupo A TARDE, através do seu Centro de Documentação e Memória (CEDOC), e o Open Air Brasil, maior evento de cinema a céu aberto do mundo, realizado em Salvador, de 30 de setembro a 12 de outubro de 2025.
OS REGISTROS HISTÓRICOS JOGADOS AO MAR
Os primeiros filmes feitos na Bahia datam de 1910 e foram realizados por Diomedes Gramacho, da Photographia Lindemann, e José Dias da Costa. Obras como "Regatas da Bahia" e "Segunda-Feira do Bonfim", bem como uma variedade imensa de registros do cotidiano de Salvador, foram captadas, fotografadas e montadas pela dupla no começo do século XX. Mas, esses registros, infelizmente, se perderam ainda naquele período.
Após o falecimento de José Dias da Costa, em 1918, Gramacho seguiu à frente da Lindemann. A perda dos filmes, com os preciosos registros de uma Bahia que não existe mais, se deu pelo risco de combustão dos rolos de acetato. Temeroso, Gramacho jogou esses tesouros na Baía de Todos-os -Santos, em 1920, sepultando sob as águas a chance de futuros espectadores testemunharem os registros foi a Bahia.
A partir da década de 1930, e se estendendo até os anos 1950, os filmes documentais de Alexandre Robatto Filho, em especial obras como "Entre o Mar e o Tendal", de 1953, "Vadiação" e "Xaréu", ambas de 1954, passam a registrar aspectos culturais como a capoeira e a pesca, eternizando para a posteridade todo um tempo único de uma ainda pacata cidade de Salvador.
São obras, especialmente a primeira citada, que vão nortear influências em filmes como "Barravento", primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, que viria a ser lançado em 1961.
Jovens diretores seriam influenciados por essa leva documental e, com o tempo, se tornariam pilares de todo um movimento cinematográfico. São nomes como os de Roberto Pires, que viria a dirigir dois marcos do audiovisual da Bahia, sendo um deles o primeiro longa-metragem baiano, "Redenção", filme de 1958; e "A Grande Feira", lançado em 1961, juntamente ao já citado Glauber e seu "Barravento". Dois anos antes, ele havia lançado seu primeiro trabalho, o curta "Pátio", de 1959.
Outros nomes de destaque são os de Trigueirinho Neto, com "Bahia de Todos os Santos", filme de 1960, e Luiz Paulino dos Santos, com o capitular curta documental "Um Dia na Rampa", também de 1960.
Essa geração de realizadores inicia a discussão acerca da tragédia da fome e de como o cinema viria a representar este mal. Em suas obras, além dessa reflexão, há uma rica análise do trabalho como meio de sobrevivência e de outros meios mais escusos de se garantir a subsistência. As obras citadas acabaram por servir de base para o movimento do Cinema Novo, com sua abordagem da fome tirânica e da violência que poderia ser redentora para uns e trágica para outros.
1 - Barravento
2 - A Grande Feira
3 - Diretores
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O CINEMA NOVO E O “UDIGRUDI” BAIANO
Do apogeu do Cinema Novo, durante as décadas de 1960 e 1970, com filmes como "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" (1969), cujas gravações aconteceram no interior do estado, passando pelo primeiro vencedor brasileiro da Palma de Ouro de Cannes, "O Pagador de Promessas" (1962), que Anselmo Duarte gravou em Salvador, e chegando à gênese de um Cinema Marginal, com uma guinada para um audiovisual experimental e desafiador, surgia naquele ponto um novo tipo de cinematografia a consolidar no estado: o "udigrudi" baiano.
O movimento se deu através de obras como "Meteorango Kid - Herói Intergaláctico" (1969), filme de André Luiz Oliveira, e "Caveira My Friend" (1970), dirigido por Álvaro Guimarães, obras que iniciam uma abordagem cinematográfica contestadora de uma realidade ditatorial que o Brasil vivia à época. André Luiz, inclusive, já havia realizado ao lado de José Umberto Dias, outro cineasta expoente, trabalhos como "Doce Amargo" (1968). O mesmo José Umberto viria a dirigir, em 1972, outro marco do cinema baiano: "O Anjo Negro", filme com Mário Gusmão no elenco.
Paralelo a esse movimento, há ainda nomes como o de Olney São Paulo, com o seu "Sob o Ditame de Rude Almajesto: Sinais de Chuva" (1976), aprofundava aspectos da análise social ao abordar a questão da seca; e de Geraldo Sarno, que já trazia em sua filmografia uma reflexão do aspecto viramundo e nômade do povo nortista brasileiro, em fuga da mesma fome tirânica.
Do mesmo modo, Orlando Senna, que desde a década anterior já apresentava uma sólida produção de curtas, trazia em sua filmografia longas como "A Construção da Morte" (1969), e consolidaria um olhar da Bahia em obras como "Diamante Bruto" (1977).
Também com um olhar atento aos costumes e destacando a importância dessa cultura de povos na Bahia, o senhor das Jornadas, o cineasta Guido Araújo, trouxe seu olhar aguçado em filmes como "Maragogipinho" (1969), "Feira da Banana" (1973) e "A Morte das Velas do Recôncavo" (1976), obras que formam a chamada Trilogia do Recôncavo. À frente da Jornada de Cinema, Guido foi um dos que mais lutaram pela perseverança do precursor festival de cinema, que surgiu em 1972 e teve o cineasta como organizador até 2011.
É válido pontuar que o Cinema Marginal baiano ganharia ecos em uma geração de diretores que começava a despontar no final dos anos 1970, mas cujo desabrochar aconteceria, de fato, na década seguinte. São nomes como Pola Ribeiro, Edgard Navarro, Fernando Belens e José Araripe Jr e, respectivamente, filmes como "A Lenda do Pai Inácio" (1987), "SuperOutro" (1989), "Ora Bombas" (1980) e "Contos de Farda" (1980). Esses trabalhos representaram o boom criativo de uma geração que experimentou através do formato Super 8 de captação, seguindo para o 35mm, mas deixando uma marca indelével na cinematografia baiana. No mesmo período, já dentro do universo das animações, é imprescindível citar Chico Liberato e seu "Boi Aruá", filme de 1984, como o mais importante precursor desse tipo de cinema.
4 - O Pagador de Promessa
A BAHIA NA RETOMADA DO CINEMA NACIONAL
A produção cinematográfica brasileira entrou em um hiato a partir da extinção da Embrafilme em 1990. O cinema baiano também hibernou durante alguns anos. Ainda assim, houve quem resistisse através da produção de curtas-metragens. Um exemplo de filme dessa fase é "Adeus Rodelas", que o diretor Agnaldo Siri Azevedo dirigiu em 1990. No mesmo ano, Fernando Belens lançou "Anil", um curta experimental. Após a retomada da produção nacional simbolizada por "Carlota Joaquina", em 1995, outros trabalhos no formato de curta-metragem mantiveram viva a chama do cinema baiano. São filmes como "Bahia" (1999), de Mônica Simões; e "Mr. Abrakadabra!" (1997), de José Araripe Jr.
Naquela mesma década, a produção de longas teve um respiro com produções como "Cinderela Baiana" (1998), de Conrado Sanchez. Mas, a verdadeira retomada baiana aconteceu apenas no século XXI, com o filme "3 Histórias da Bahia". Lançado em 2001, a coletânea de três curtas dirigidos por José Araripe Jr., Edyala Iglesias e Sérgio Machado representou essa nova fase do cinema feito aqui. Machado, inclusive, viria a dirigir, quatro anos depois, em 2005, "Cidade Baixa", pungente homenagem a Salvador e, mais recentemente, lançou "3 Obás de Xangô", que contempla a amizade entre Carybé, Dorival Caymmi e Jorge Amado.
Amado é o autor de diversas histórias adaptadas para o cinema. Uma delas é Dona Flor e Seus Dois Maridos, dirigido por Bruno Barreto, com Sônia Braga, Mauro Mendonça e José Wilker e gravado nos paralelepípedos do Pelourinho. O filme, lançado em 1976, foi fenômeno de bilheteria.
No mesmo ano de 2001, Jorge Alfredo lança o documentário "Samba Riachão", sobre o lendário músico baiano. Alguns anos depois, outro documentário musical daria destaque a outros nomes importantes da Bahia. No caso, o grupo Os Novos Baianos, que tiveram, a partir do olhar do diretor e roteirista Henrique Dantas, um registro brilhante de sua trajetória em "Filhos de João: O Admirável Mundo Novo Baiano" (2009).
Válido citar, do mesmo período, o lançamento de "Trampolim do Forte", filme de João Rodrigo Mattos, da DocDoma Filmes, cuja estreia aconteceu em 2010.
5 - Dona Flor e seus dois maridos
6 - Sol sobre a lama
7 - 3 Obás de Xangô
8 - A Idade da Terra
9 - Samba Riachão
CURTAS, FESTIVAIS E AS GERAÇÕES FUTURAS DO CINEMA BAIANO
O período a partir dos anos 2000 traria um foco expressivo de produções de curtas-metragens. Filmes como a animação "Catálogo de Meninas" (2002), também de Chico Liberato; "10 Centavos" (2007), de Cesar Fernando de Oliveira; e "O Guarani" (2008), de Marília Hughes e Cláudio Marques, mantiveram uma regularidade de produções.
Como uma das principais vitrines dessa produção baiana, o Festival Cinco Minutos, organizado na Sala Walter da Silveira, durante o começo do século XX, serviu como um dos principais meios de divulgação de curtas. Dentre os vários filmes nesse formato lançados na época, é importante citar "O Fim do Homem Cordial" (2004), de Daniel Lisboa.
10 - Walter da Silveira
Alguns dos nomes destacados na produção de curtas, eventualmente, dirigiram longas-metragens, como é o caso do próprio Daniel Lisboa, com "Tropykaos" (2018); Cláudio Marques e Marília Hughes, com o "Depois da Chuva" (2014) e, também, no período desse primeiro quarto de século, os diretores Pola Ribeiro, Edgard Navarro e Fernando Belens, notórios curta-metragistas, que lançaram, respectivamente, "O Jardim das Folhas Sagradas" (2011), "Eu me Lembro" (2005) e Pau Brasil (2009).
Nos últimos anos, outros cineastas destacaram-se com a passagem para a produção de longas. É o caso da dupla de diretores Fabricio Ramos e Camele Queiroz, diretores de filmes marcantes como "Muros"(2015), que estrearam, em 2018, seu primeiro longa: "Quarto Camarim". Vale citar também a cineasta Safira Moreira, que estreou esse ano seu longa metragem "Cais" (2025), após uma carreira de curtas, dentre eles "Travessia" (2017); e a diretora Tenille Bezerra, que lançou "Aleluia - O Canto Infinito do Tincoã", longa de 2020, após uma frutífera carreira em curtas metragens.
Os festivais baianos de cinema tiveram função imprescindível para a cena cinematográfica local. Além dos já citados Jornada de Cinema e Festival Cinco Minutos, é importante destacar o Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema, a Mostra Itinerante de Cinemas Negros Mahomed Bamba, o Festival Baiano de Animação e Games - Animaí, a Mostra Lugar de Mulher é no Cinema, o Cine Horror e o Festival de Cinema Baiano - Feciba, este organizado pelo cineastas Edson Bastos e Henrique Filho, da Voo Audiovisual, diretores de filmes como "Joelma" (2011).
É essencial destacar, ainda, a importância dos curtas-metragens para a formação das bases de um cinema de qualidade e pontuar o surgimento de movimentos como o CUAL - Coletivo Urgente de Audiovisual, em 2012, e uma constante produção de filmes como "Mamata" (2017) e "Ritual Pam Pam Pam" (2015). Notório pela produção de curtas, o coletivo teve seu primeiro longa lançado em 2021, Eu, Empresa, que tem a direção de Marcus Curvelo, e, mais recentemente, destacou-se com Jamex e o Fim do Medo (2025).
Outras produtoras importantes na criação de curtas são a Gran Maître Filmes, com obras como "A Sete Tragos do Chão" (2019); e a Olho de Vidro Produções, com "Não Falo com Estranhos" (2017) e "Onze Minutos" (2018).
A lista de nomes representativos de um cinema baiano que segue para o futuro é grande: Paula Gomes e Haroldo Borges, da Plano 3 Filmes; os mineiros/baianos, Glenda Nicácio e Ary Rosa, com seu cinema focado no Recôncavo Baiano; os cineastas Vinicius Eliziario, Calebe Lopes, Lara Carvalho, Ceci Alves, Gênesis Nascimento, Susan Kalik, Thiago Gomes e Camila Ribeiro, apenas para destacar alguns dos muitos talentos na direção de curtas e de longas da nova geração do audiovisual baiano.