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OPINIÃO

Meia-Lua Inteira

Por Marcio Nascimento*

24/07/2019 - 8:38 h
Na capoeira, meia-lua pode corresponder a um giro completo de 360º
Na capoeira, meia-lua pode corresponder a um giro completo de 360º -

Esta particular obra, um estrondoso sucesso musical, foi uma das primeiras do músico, compositor, produtor e percussionista brasileiro Antônio Carlos Santos de Freitas (n. 1962), mais conhecido como Carlinhos Brown. A canção, de enorme alegria sonora e rítmica, foi lançada primeiramente no álbum Estrangeiro, em 1989, do inigualável músico, produtor, arranjador e escritor brasileiro Caetano Emanuel Viana Teles Veloso (n. 1942). E foi incluída na trilha sonora da novela Tieta, livremente inspirada no romance Tieta do Agreste, do genial escritor brasileiro Jorge Leal Amado de Faria (1912 - 2001).

Mas como seria possível haver uma meia-lua inteira? Nas escolas aprendemos o que são frações, que nada mais do que um modo de expressar uma quantidade a partir de uma razão entre um número inteiro e outro. A palavra tem origem no latim fractus, que significa simplesmente dividido ou partido. Os matemáticos preferem um termo mais rebuscado: números racionais, como 1/2, 3/4, 5/3 ou 1973/42, e o termo original agora serve para exprimir o que chamamos de fractais, um novo ramo da matemática capaz de gerar belíssimas figuras, fáceis de encontrar na internet. Existem também frações que resultam em números inteiros, como 14/7 = 2, mas isto é uma particularidade, pois o que é interessante nas frações é quando elas resultam em divisões que não são exatas, formando uma infinidade de novos números.

A fração mais simples, e aquela que ocorre com muita frequência no dia a dia é a metade, ou ainda um meio: 1/2. O Dicionário Aurélio assim define: “cada uma das duas partes iguais de uma coisa”. De fato, às vezes precisamos comprar meio quilo(grama) de café ou açúcar; ou ainda consumir meio litro de leite; estudantes costumam pagar meia-entrada em bilhetes de cinema e teatro; contamos meia hora, meio-dia... Costureiras costumam medir cortes de roupas com tamanhos de meio metro, e assim por diante. Vale também lembrar que o uso da porcentagem consiste em outro exemplo de aplicação corrente da divisão entre dois números inteiros.

A invenção das frações perdeu-se no tempo e nas diversas civilizações que perceberam sua necessidade e utilidade, como os antigos egípcios, babilônios, gregos, hindus e chineses (entre outros...), sendo os registros mais antigos de quase 4 mil anos, como o Papiro Rhind, de 1650 a.C. O traço que persiste entre o numerador e o denominador na notação moderna tem a intenção de lembrar que é necessário dividir um número pelo outro. Credita-se ao matemático, físico e engenheiro flamengo Simon Stevin (1548 - 1620) a disseminação desta particular notação. Um detalhe importante é que o denominador não pode ser zero.

Voltando à canção, uma interpretação do tema musical pode ser dada, e refere-se a uma simples questão de perspectiva. Ao tomar, por exemplo, uma laranja, representando algo aproximadamente esférico, e cortando-a ao meio, pode-se observar que meia-laranja pode ser vista de modo inteiro ao girá-la. Ou seja, em termos de perspectiva, uma meia-laranja pode se apresentar de modo inteiro ao efetuar uma rotação adequada em relação ao observador.

Pode-se também imaginar que a própria Lua - sempre ela a inspirar os poetas! - mostra-se iluminada de maneiras diferentes pelo distante sol com o passar dos dias, em termos de conhecidas fases: nova, crescente, cheia e minguante. As fases crescente e minguante corresponderiam a meias-luas por razões de perspectiva similares. E a Lua nova corresponderia ao caso mais curioso de uma zero-lua - mas ainda assim, inteira, por simplesmente não estar iluminada!

No entanto, é também preciso lembrar que meia-lua também é um golpe muito conhecido de capoeira. E que, em certas condições, quando perfeitamente aplicada pode corresponder a um giro completo de 360º, perfazendo portanto uma volta inteira. Por sinal, a canção foi denominada pelo poeta de “Capoeira Larará”, mas foi gravada como “Meia-lua Inteira” pelo cantor. De fato, tanto a melodia, ritmada por instrumento de grande sonoridade – o berimbau, quanto as próprias canções, constroem inúmeras alusões a esta arte marcial brasileira, acrobacia, expressão cultural, esporte e patrimônio cultural imaterial da humanidade (desde 2014!).

Pode-se tomar como exemplo algumas das partes da canção: “sopapo” (aplicação de um golpe leve); “coqueiro baixo” (outro golpe); “quando engano se enganou” (possível alusão ao jogo de capoeira, à malandragem ou à ginga); “São dim dom dão” (referência a toques ritmados bastante conhecidos da capoeira, como os toques de Angola ou São Bento); “São Bento” (considerado protetor da arte); “grande homem de movimento” (o jogador de capoeira); “martelo” (outro golpe da luta); “martelo do tribunal” (alusão à época de ilegalidade da capoeira); “sumiu na mata adentro” (possível menção a antigos integrantes de quilombolas, possíveis praticantes desta arte marcial); “pego sem documento” (somente em 1940 a capoeira deixou de ser ilegal); “regional” (um estilo de capoeira); “terça-feira” (dia de Ogum, orixá guerreiro, também considerado patrono da capoeira); “Bimba berimba” (homenagem ao Mestre Bimba, fundador da primeira academia de capoeira em 1937, e um diminutivo de berimbau); “taco de arame cabaça barriga” (partes do berimbau).

Destaca-se também a origem tupi da palavra, kapu’era, composta pelos termos ka’a (“mata”) e pûera (“que foi”), que se refere às áreas de mata rasteira, bastante repetido em algumas versões do convidativo refrão “poeira ra ra ra”. Logo, é notável que se cante em tupi em boa parte da música! De toda sorte, provavelmente deve(m) haver outra(s) explicação(ões) a respeito de como uma meia-lua pode se tornar inteira – mas aí, somente perguntando diretamente ao poeta!

*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA

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