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Mentiras e interesses

Publicado quarta-feira, 23 de março de 2022 às 06:02 h | Autor: José Medrado | [email protected]
José Medrado, Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz
José Medrado, Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz -

Em esclarecedora argumentação, o cientista político Davi Carvalho questiona porque temos visto as pessoas acreditarem tão facilmente em notícias absurdas e danosas, o pior: fazem-nas circular, compartilhando em suas redes sociais. Acredita o estudioso que um dos motivos, certamente, é o viés de crença que o indivíduo já tinha estabelecido em seu centro cognitivo, ou seja, as pessoas dão vazão, passam adiante o que elas, em alguma medida, também acreditam, compartilham em ideias e ideologias, sem o esteio de veracidade comprovada. Mecanismo natural, que se encontra em todos nós – o que a psicologia social chama de viés de confirmação. As pessoas não se estimulam ao confronto dialético de princípios, de opiniões ou mesmo de valores. Elas já têm as suas concepções de vida firmadas, buscando sempre a ratificação do que já concebem. Sempre afirmei que as pessoas que solicitam conselhos, não querem, em verdade, diferentes opiniões, mas estímulo ao que já decidiram. Se o interlocutor, no entanto, posicionar de forma diversa, é curioso, mas verdadeiro, haverá tentativa de convencimento de quem recorreu ao “conselho” à sua opinião, geralmente em forma de questionamento, em tentativa de persuasão da fonte recorrida ao que  só esperava corroboração.   

Um conhecido estudo sobre esse processo de confirmação foi realizado por pesquisadores, em finais da década de 1970, da Universidade de Stanford, onde dois grupos de voluntários foram levados a opinar sobre a pena de morte. Eles precisavam avaliar dos materiais bem semelhantes em conteúdo, mas com desfechos diferentes: um falava que era pouco eficaz o instituto capital e o outro afirmava a sua eficácia. A conclusão foi de que as pessoas acolheram o estudo mais  condizente às suas concepções, que foram evidenciadas em questionário prévio à pesquisa. Outro estudo mais recente, de 2018, realizado em Israel, remetia voluntários a corrigir sentenças gramaticais sobre política e problemas sociais. Os avaliadores da pesquisa perceberam que os participantes checavam as correções muitos mais rapidamente, se as assertivas estivem em consonância com sua forma de conceber os assuntos, comprovando que a nossa forma de defender, confirmar posições é a que já está estabelecida em nós, como um monumento de certezas.  

Vemos, então, que se acreditamos nos axiomas que são correlatos com os nossos valores e conceitos, a questão das fake news, por exemplo, se tornam muito mais problemática, porque não fica adstrita a se conter as mentiras, mas, em verdade, se torna uma atração para se disseminar conteúdos de crença, de “certezas”.  Aí está a arma da desinformação, o interesse de estruturar mentiras como verdades e intencionalmente.

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