OPINIÃO
Mestre Didi

Por Jaime Sodré*

Após estadia importante, o acervo do escultor Rodin cederá espaço no Museu Palacete das Artes para outros do seu quilate criativo. Em justa homenagem, ocupará aquele espaço o artista Mario Cravo, tributo que associa a sua brilhante obra à longevidade dos seus 90 anos. A mim, o convívio com as obras de Mario sempre foi prazeroso e próximo, digo das esculturas na área do seu antigo ateliê na Garibaldi, uma delas operando na dinâmica do movimento pela ação do vento, adiante, o "cubo", ainda na mesma área, fazendo arte, contemplação e beleza, dignificando o ambiente.
Seria de interesse das artes demonstrar a diversidade do nosso fazer artístico no mesmo critério que une talento, gênio e longevidade, tenho sugestão para continuidade deste prêmio à sensibilidade, apresento um modesto currículo.
Comentava o escritor Jorge Amado a respeito do nome do Mestre Didi, Deoscóredes Maximiliano dos Santos, achava-o curioso, o Mestre nascera a 20 de dezembro de 1917, em Salvador, filho de Maria Bibiana do Espírito Santo, iyalorixá do Axé Opô Afonjá, conhecida como Mãe Senhora, e de Arsênio dos Santos, alfaiate. Fora batizado, fez 1ª comunhão e foi coroinha, mais tarde consagra-se como sacerdote da tradição afro-brasileira. Didi conhecera a tradição dos orixás através da sua avó por consideração, Mãe Aninha, iyalorixá Oba Biyi, quando recebera a função de assogba, sacerdote supremo do culto de Obaluaiyê; e os segredos dos Eguns com Paizinho na Ilha de Itaparica, tornando-se ojé.
A herança de Marcos Alapini foi passada ao seu sobrinho Arsênio Alagba, que encaminhou a Didi na condição de Oje Korikowe Olukotun. Mais tarde, Didi recebeu o título de Alapini, o mais alto cargo do culto dos Egungun n'ilê Agboula. Em 1980 fundou o Ilê Asipa, onde é cultuado o Baba Olukotun e demais Eguns. Asipá é o nome familiar que o vincula a sua origem africana - para Agenor Miranda Rocha, que era o mais antigo babalawo do Brasil, "Asipá borogun elese kan gongoo", ou seja, "O Asipá é tão sutil que anda com duas pernas como se fosse uma!"
Preocupado com a presença da língua yoruba no Brasil, escreveu o livro Yoruba tal como se fala. Em Abomey-Kavali, no Dahome, iniciara a sua vinculação ao culto de Obaluaiyê, Nana e Oxumare; visitou cidades da Nigéria, chegando a Ifé, no obelisco de Oraniyan, consagrado como fundador do império yoruba. Em Ketu encontra o Ojubo Oxossi, da sua família Asipá, onde recebeu homenagens. Na Bahia participa da fundação do Secneb, instituição de caráter político-cultural e científico, fortalecendo as aspirações da comunidade afrodescendente.
Exímio artesão da tradição africana na confecção de objetos sacros, como xaxarás e ibiris, emblemas rituais básicos das recriações do Mestre Didi, do panteão da terra, estendendo este conhecimento à sua atividade artística, na confecção de magníficas esculturas.
Habitando em uma ambiência estética na comunidade dos terreiros na sua condição de assogba, Mestre Didi reelabora este conhecimento estético, de original expressão artística, com matéria-prima específica, cores e formas, pertinentes à cosmogonia religiosa afro-brasileira, e começa a expor no Brasil e no mundo, como um representante, como diz Muniz Sodré, "da comunidade litúrgico-cultural" na condição de alapini e assogbá, ou seja, um sacerdote-artista.
O nosso pleito expositivo em favor do Mestre Didi substancia-se no que afirmo a respeito dele em minha dissertação de mestrado "A Influência da Religião Afro-Brasileira na Obra Escultórica do Mestre Didi", hoje livro, quando abordo as suas criações estéticas como resultado de uma visão de mundo africana, que se funde como resultado da conexão entre tradição e contemporaneidade do universo nagô. Inspiração mítica e artística em um discurso que experimenta o sagrado, recriado na medida do seu potencial e adequação respeitosa.
No mais, nada melhor do que ver e sentir, por isso aguardemos este contato com o "belo", em dose dupla: primeiro, a genialidade de Mario e, depois, a magia genial do Mestre Didi. Ambos seguem "evoluindo sem perder a essência".
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