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O Papel Higiênico Nosso de Cada Dia

Publicado quarta-feira, 29 de novembro de 2017 às 10:39 h | Atualizado em 29/11/2017, 10:39 | Autor: Marcio Luis Ferreira Nascimento*

Em tempos de discussões sobre se o papel higiênico preto é bonito ou não, e que tais, por incrível que possa parecer, este particular tipo de papel tem uma longa e interessante história. Sendo algo tão comum, qualquer um que o usa todos os dias poderia se perguntar sobre onde, quando e quem o criou.

Desde sempre o papel higiênico tinha como propósitos o asseio e a limpeza íntima, sendo utilizadas folhas finas e algo absorventes para servir de camada protetora das mãos durante a higiene pessoal, e que decomponha rapidamente. Outra característica importante é que, quando bem conservado e alojado, pode durar bastante até antes do seu uso, pois dificilmente estraga. Credita-se aos chineses a invenção do papel higiênico, por volta do século VI da nossa era.

Vale lembrar que a produção de papel é bastante remota. Embora etimologicamente o termo derive de “papiro” (Cyperus papyrus), este se distingue por ser feito de finas tiras do caule de uma conhecida planta do Egito antigo que eram sobrepostas, cruzadas, prensadas e secas. Já a descoberta do papel dito moderno deve-se ao oficial chinês Cai Lun (48 - 121) no primeiro século de nossa era, a partir da casca e fibras de árvores e do uso de processos físico-químicos.

Já com relação ao papel higiênico, mais precisamente em 589 foi encontrado um dos primeiros registros chineses, conforme descrito pelo historiador de ciências inglês Noël Joseph Terence Montgomery Needham (1900 - 1995) no quinto volume da grandiosa obra Science and Civilisation in China (“Ciência e Civilização na China”, sendo o primeiro volume publicado em 1954). Em suas pesquisas, Needham descobriu que um escritor chinês, Yan Zhitui (531 - 591), assim descreveu seu uso: “papéis nos quais existem citações ou comentários dos Cinco Clássicos, ou que contenham nomes de sábios, não ouso utilizar no vaso sanitário”. Tempos depois, durante a Dinastia Tang (618 - 917), mais precisamente no ano 851, um viajante árabe registrou o seguinte comentário sobre os hábitos chineses: “eles não são cuidadosos com a limpeza, e não se lavam quando fazem suas necessidades; mas apenas se limpam com papel”.

Certamente, o papel higiênico era considerado no início um item de luxo. Dependendo da época e lugar, um asseio com propósitos higiênicos / sanitários poderia acontecer de diversas formas. Por exemplo, índios brasileiros buscavam com frequência simplesmente tomar banho. Hábitos assim variam entre culturas diversas, e certamente de época em época. Atualmente, mais da metade da população mundial não tem acesso a papeis higiênicos. E há um enorme custo ambiental em produzi-los - para se ter uma ideia, uma árvore pode produzir até 45 kg de papel. Cada rolo pesa em média 200 g. A produção diária é estimada em 80 milhões de rolos.

Historicamente, o papel higiênico moderno foi elaborado e vendido comercialmente pela primeira vez a partir dos esforços do inventor e empresário americano Joseph Gayetty (1827 - c. 1891), que o vendia como um tipo de papel toalha em 1857, com finalidades médicas, particularmente para pacientes com hemorroidas. Não teve grande sucesso comercial.

No entanto, foi o inventor americano Seth Wheeler (1838 - 1925), da cidade de Albany, em Nova York, quem elaborou e patenteou a conhecida forma de rolo picotado em 25 de julho de 1871, sob patente de número US 117,355: Improvement Wrapping Paper (“Melhoria em Papel Acondicionado”, numa tradução livre). Reivindicava que o uso em formato de rolos era mais fácil de estocar e guardar, e que não seria possível espalhar o papel em uso por uma corrente de ar, como geralmente ocorriam com as folhas que já eram vendidas comercialmente. O rolo ainda não era vazado, não permitindo portanto um encaixe em seu eixo.

Na segunda patente, US 272,369: Manufacture of Wrapping Paper (“Fabricação de Papel Acondicionado”, numa tradução livre) de 13 de fevereiro de 1883, Wheeler adicionou um tubo oco no eixo do rolo de papel picotado, reforçando a estrutura e facilitando o uso do mesmo até as folhas mais internas. Vinte anos depois de sua primeira inovação, em 22 de dezembro 1891 (US 465,588: Toilet-Paper Roll, ou “Rolo de Papel para Toalete”), Wheeler reivindicou que o picote poderia ser dado não apenas na direção perpendicular à tira de papel, como também poderia ser em formato de “V”, mantendo o uso de um tubo no eixo do rolo.

Uma das primeiras empresas a vender papel higiênico existe até hoje, e é uma das maiores do mundo, sediada inicialmente na Filadélfia, Estados Unidos. Fundada em 1879 pelos irmãos Edward Irvin Scott (1846 - 1931) e Clarence Wood Scott (1848 - 1912), foi batizada como Scott Paper Company. Um terceiro irmão, Thomas Seymour Scott (1839 - 1901), associou-se à empresa tempos depois, bem como alguns primos. Desde 1995 a empresa foi adquirida pela gigante multinacional Kimberly-Clark. Diferente de Gayetty, os Scott obtiveram êxito através de campanhas publicitárias eficazes e um tanto agressivas junto ao mercado americano (principalmente por meio impresso), tornando o uso do papel higiênico um hábito frente à população.

É possível realizar experimentos científicos com folhas de papel. Por exemplo, para se verificar a resistência de uma simples folha, um teste interessante consiste em escolher três produtos diferentes, três vasilhames (podem ser copos ou béqueres), borrachas tipo elástico e moedas. Tomando uma folha de papel e prendendo com elástico na borda do vasilhame, molha-se a superfície de cada um deles e se depositam cuidadosamente moedas, uma por uma. Papeis mais resistentes suportam mais moedas até o rompimento.

Outro interessante experimento consiste em tomar dois rolos de papel e montar quatro tiras sobrepostas uma a uma, totalizando 2,40 m de comprimento para o conjunto de folhas empilhadas. Depois, enrola-se cada conjunto cuidadosamente no sentido horário, formando 24 cordinhas de papel. Para cada par, enrola-se no sentido anti-horário, resultando em 12 tranças. Tome-se pares destas tranças e enrole-as no sentido horário, resultando em 6 tranças maiores. Tomando três destas novas cordas, forma-se uma nova trança no sentido anti-horário. As duas cordas resultantes são unidas enrolando-as no sentido horário. Dobrando e torcendo, obtém-se uma corda de papel higiênico de quase um metro e que suporta o peso de uma pessoa (aproximadamente 80 quilos). O surpreendente deste experimento é que podem ser utilizadas apenas 48 tiras de papel, torcidas e trançadas, o que equivale a distribuir um peso de 80 quilos por 48, resultando em aproximadamente 1,67 quilos por folha de papel. A explicação leva em conta as diferentes torções nos sentidos horário e anti-horário.

É possível encontrar hoje diversos produtos, com diferentes qualidades do papel, com folhas duplas, perfumados, e mesmo com folhas de papel mais suaves. As inovações não pararam por aí: por exemplo, papeis higiênicos umedecidos e vendidos comercialmente são muito recentes, de 1992, e credita-se sua comercialização pela empresa inglesa AndrexÒ. Já a invenção de toalhas umedecidas se deve ao inventor americano Arthur Julius em 1957, que solicitou patente da marca Wet-Nap no ano seguinte (USD 719,409), a princípio para limpeza de cosméticos, mas que passou a ser conhecida como toalhas umedecidas para limpeza das mãos de clientes da famosa rede de restaurantes de fast-food KFC (Kentucky Fried Chicken).

Uma estimativa, publicada no The New York Times em 2009, era de que eram vendidos aproximadamente 7 bilhões de rolos de papel higiênico somente nos Estados Unidos, numa média de 23,6 rolos per capita por ano. E preciso concordar que é muito rolo – e como diz a sabedoria popular, “rolo serve apenas para papel higiênico”.

*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA

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