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Os "infiéis" e seus monstros

Publicado quinta-feira, 26 de novembro de 2015 às 10:12 h | Autor: Ranulfo Bocayuva | Jornalista
paris, atentados, morte
paris, atentados, morte -

Defender a violência e a monstruosidade terrorista em nome do Islã e Alcorão é, evidentemente, inadmissível. Mas não seriam a invasão americana do Iraque, em 2003, e a guerra na Síria, entre Bashar Al­ Assad e as forças rebeldes financiadas por potências ocidentais desde 2011, as responsáveis pelas faíscas da explosão do complicado conflito interétnico nestas regiões?

Os atentados sangrentos com centenas de mortos e feridos não somente em Paris, mas em Mali, na Turquia, Tunísia, Líbano e também na Península do Sinai, onde caiu o avião russo da Metrojet, foram praticados e reivindicados pelos assassinos alucinados do jihadista Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Daesh, na sigla árabe) e seus aliados, como o grupo egípcio Ansar Beit Al-Maqdis e o nigeriano Boko Haram. Estes atos comprovam, mais uma vez, que a rede de terror atingiu perigosamente níveis globais com conexões também com talibãs afegãos e seguidores de Bin Laden, da Al-Qaeda.

É bom lembrar que as células sunitas armadas do Daesh não são apenas formadas por jovens europeus (descendentes, ou não, de imigrantes) habitantes de periferias marginalizadas e recrutados por eficientes redes sociais, mas principalmente por ex-militares do Exército de Saddam Hussein e do Partido Baas, que se juntaram à causa jihadista. Na verdade, o conflito começou entre iraquianos xiitas, no poder, e os sunitas oriundos do antigo regime.

"Propaganda controlada, através das redes sociais, mas também através de seus canais de comunicação, como Al-Furqan Media ou Al-Hayat Media Center, utilizam apelos racionais (salário, posição, habitação e casamento) e irracionais (medo, poder, sacrifício, pureza e ideal)", argumenta o jornalista Anthony Samrani, do "L'Orient-Le Jour",  de Beirute.

O terror ataca cidadãos e população em geral: qualquer "infiel" pode ser alvo e vítima.

Por absoluta falta de coerência estratégica e política internacional em relação à Síria, que englobasse interesses comuns dos Estados Unidos e França e seus rivais, Rússia e Irã, o EIIL se igualou e superou a Al-Qaeda, que destruiu, em 2001, as Torres Gêmeas. Instalados na "capital" política Raqqa, na Síria, e na "capital" econômica Mossul, no Iraque, os extremistas liderados por Abu Bakar Al-Baghdadi, dominam o banco local, a polícia, os postos de fronteira, os sistemas de saúde e de justiça, além de disporem de recursos e impostos procedentes de produção agrícola, hidrocarbonetos e pilhagem arqueológica. Apropriaram-se também de depósitos de armas americanas, no Iraque, e russas, na Síria. Calcula-se, segundo jornais europeus, que o chamado "califado" (expressão raramente usada desde o fim do Império Otomano) se estenda por mais de 300 mil quilômetros quadrados, onde habitam cerca de 10 milhões de pessoas.

Segundo o especialista Karim Pakzad do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), os atentados em Paris demonstraram virada estratégica do EIIL para ampliar sua influência internacional, atrair admiradores e combater os países que bombardeiam "seus" territórios. O grupo islâmico sofreu, recentemente, derrotas em Sanjar, cidade curda no Iraque e na Síria, graças à aliança de Assad com seus históricos aliados, Rússia, Irã e o grupo libanês Hezbollah.

A mais grave constatação sobre o novo capítulo da geopolítica contemporânea é a atrasada articulação entre Europa, EUA e Rússia para superar suas ambições regionais e combater o novo inimigo comum transnacional: ela foi somente desencadeada após muito sangue ter jorrado, tanto das vítimas inocentes dos atentados, como dos bombardeios e "sofisticados" drones. Seria ingênuo não qualificar a "guerra contra o terror" de terrorismo de Estado, que, pela lógica da reação, criou Daesh.

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