ENTREVISTA - DESEMBARGADOR JATAHY JÚNIOR
‘A Justiça está mais preparada para combater as fake news’
Diretor-geral da Unicorp lança livro sobre fake news e defende medidas duras para combater a desinformação nas eleições
O desembargador Jatahy Júnior, diretor-geral da Universidade Corporativa do Tribunal de Justiça (Unicorp TJ-BA), tem lidado com o fenômeno das fake news há bastante tempo. Quando presidiu o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), conduziu as eleições municipais de 2020, em pleno período da pandemia da Covid-19, momento em que a disseminação de informações falsas já era um problema grave.
O fenômeno, que ele acompanhou de perto, tornou-se tema de sua dissertação de mestrado na Universidade Federal da Bahia (Ufba), na qual procurou unir a vivência prática dos juízes eleitorais ao estudo teórico sobre fake news. Esse trabalho acadêmico resultou no livro que ele lança esta semana, intitulado A Atividade do Juiz Eleitoral e Fake News – uma revisão da literatura e percepção sobre a prática.
Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, Jatahy Júnior avalia que o fenômeno vem se agravando com a chegada da inteligência artificial, mas, por outro lado, afirma que a Justiça Eleitoral está mais preparada para combatê-lo. Na conversa, ele também reflete sobre o trabalho da Unicorp e a atuação da Justiça baiana como um todo. Confira a entrevista completa a seguir.
Este é o segundo livro do senhor que trata das fake news, resultado de uma dissertação de mestrado na Ufba. Porque é importante estudar e discutir este fenômeno?
Esse fenômeno me chamou atenção quando estava na presidência do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e acabei sendo atraído pela Ufba (Universidade Federal da Bahia) para fazer esse mestrado em Segurança Pública, Justiça e Cidadania. O meu projeto foi associar as fakes news com a atividade dos juízes eleitorais. Esse fenômeno chama cada vez mais a atenção e instiga que nós, profissionais do Direito, principalmente os que militam na Justiça Eleitoral, trabalhem para combatê-lo, em razão do malefício que o ato de divulgar desinformação pode causar ao processo eleitoral. Nesse trabalho, eu mostro que a fake news não é um fenômeno novo, muito pelo contrário. Ao estudar a história, nós vemos que a fake news há muito tempo se faz presente. Posso citar os pasquins como exemplo. De fato, é um fenômeno antigo. O problema é que esse malefício ganhou uma potencialidade muito maior com a internet e as redes sociais. Essa capacidade de disseminação faz com que a notícia falsa circule de forma cada vez mais rápida. Isso gera realmente uma grande preocupação à Justiça eleitoral sobre a normalidade do pleito. A Justiça precisa de mais ferramentas para combater a disseminação de informações falsas. E isso não acontece só na democracia brasileira. Estudos mostram que as grandes democracias do mundo estão preocupadas com o fenômeno. Hoje mais ainda, com o advento da inteligência artificial, o deep fake. Isso agrava ainda mais o risco das fake news para as democracias.
Neste segundo livro, que será lançado esta semana, o senhor analisa as fake news pela ótica de quatro juízes eleitorais. Que papel esses profissionais desempenham no enfrentamento das notícias falsas?
Além de fazer uma análise do que já foi estudado e escrito sobre fake news, eu procurei também neste livro explorar a parte prática. Por isso, fiz entrevistas com quatro juízes eleitorais, um com atividade no interior, outro na capital na Justiça de primeiro grau, e dois outros que desempenham atividades no segundo grau de jurisdição. Isso para fazer essa junção da experiência prática com o conhecimento teórico que temos sobre esse fenômeno das fakes news. Essa é a proposta do livro para que o magistrado, com a experiência de colegas que já atuam na Justiça Eleitoral há mais tempo, possa trazer isso para sua atividade eleitoral. Esse é o título do livro: ‘A atividade do juiz eleitoral e as fakes news’. Essa foi minha ideia de fazer essa junção entre a parte teórica e a prática.
Como observou o ministro do STF, Nunes Marques, no prefácio da obra, as fake news ocorrem em um contexto complexo de tensão entre a garantia da liberdade de expressão e os limites do seu exercício. Como equilibrar esses dois pontos, sem resvalar na censura?
Esse é o nosso grande desafio. A liberdade de expressão é um princípio constitucional consagrado como um dos mais importantes da nossa Carta Magna. Mas esses dois sentidos não têm uma predominância sobre o outro. Às vezes, quando eles conflitam, o que percebido como mais importante para o cenário prevalece sobre o outro. Esse é o segredo, esse é o desafio que o juiz eleitoral, com a sua experiência, com os seus conhecimentos, tem pela frente. Ele não pode cercear de forma alguma a liberdade de expressão. Por outro lado, não podemos ter um ambiente que não tenha regras mínimas, porque pode inclusive levar ao comprometimento do processo democrático. Demoramos tanto para resgatar a nossa democracia, lutamos tanto por ela, e precisamos preservá-la. Não podemos, em nome de um princípio constitucional, deixar com se não houvesse respeito a uma regra mínima para preservar a democracia.
Qual é a percepção do senhor a respeito dos instrumentos atuais do Estado e da Justiça para o enfrentamento deste fenômeno nas eleições?
O fenômeno das fake news pode ser enfrentado de algumas formas. A mais importante é a base para todo mundo civilizado – a educação. Precisamos conscientizar o cidadão que nem tudo que chega ao seu conhecimento, e hoje chega rapidamente através dos nossos smartphones, corresponde à realidade. A gente precisa educar o cidadão para que ele tenha o cuidado de verificar a veracidade da fonte antes de replicar. A educação é a base de tudo. O resultado é mais demorado, mas precisamos preparar as novas gerações para isso. Por outro lado, a Justiça Eleitoral precisa combater com mais rapidez as fakes news. Precisamos de medidas mais fortes para reprimir aqueles que buscam tirar vantagens eleitorais com esses expedientes. Faço o seguinte paralelo: você deve lembrar das campanhas eleitorais em que a cidade ficava completamente emporcalhada, cheia de cartazes e santinhos. Os prédios públicos eram usados de forma indevida para colar cartazes. Hoje, em razão de posições firmes da Justiça Eleitoral, inclusive com perda de mandato, os candidatos têm a preocupação de realizar as suas campanhas sem fazer essa sujeira. Lembro também mais recentemente daqueles showmícios. Hoje está tudo regulamentado e o candidato não ousa desrespeitar esses regramentos porque sabe que o prejuízo é grande. No caso das fake news, a Justiça Eleitoral precisa caminhar também por aí. Não pode haver censura, é lógico. Tem que se respeitar o critério constitucional da livre expressão. Mas penso que o candidato, se ele for exemplarmente punido, com perda de mandato ou multas altas, a gente vai conseguir amenizar esse fenômeno.
A lacuna legal é uma das dificuldades por que passam os juízes eleitorais no enfrentamento das fake news?
O Direito Eleitoral é bem dinâmico. Temos não só a Constituição e a legislação, mas também os atos emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que têm força de lei. O tribunal tem cuidado e se preocupado com isso, mas é um aprendizado a cada pleito eleitoral. Estamos aquém do ideal, mas vamos chegar lá. A verdade é que estamos melhores do que em eleições anteriores. Estamos agora numa eleição municipal e não se ouve falar de fake news que tenham causado grande malefício. Acho que o pessoal já está começando a ter consciência de que precisa respeitar os limites constitucionais da liberdade de expressão, sob pena de ter um prejuízo grande no que é o desejo de todos os políticos, que é a obtenção do mandato.
O senhor presidiu o Tribunal Regional Eleitoral entre 2019 e 2021. De lá para cá pode-se dizer então que a situação está melhorando?
Eu presidi o TRE nas eleições de eleições municipais de 2020. Naquela época a humanidade estava vivendo a fase da pandemia da Covid-19 e se colocou até em dúvida a realização das eleições naquela situação. Nós nos desdobramos muito, nos esforçamos bastante para realizar o pleito. O ministro Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE, foi muito feliz e adiou por alguns dias a realização da eleição, que seria em outubro, e ficou para o final de novembro. Nessa época a pandemia estava com os índices mais baixos. Naquele ponto ali nós tínhamos um grave problema que era a pandemia, mas a questão das fake news já era muito preocupante. Penso que, de lá para cá, nós temos novidades inclusive na tecnologia da informação, com a inteligência artificial generativa que se tornou uma realidade. Isso possibilita que a fake news seja mais bem elaborada. Tudo isso cria mais dificuldades para quem tem a responsabilidade de controlar a disseminação dessas fakes news. Mas a Justiça Eleitoral - o tribunal superior, os tribunais regionais e os juízes eleitorais – estão mais preparados e tenho esperança que essa eleição e todas as outras que ainda teremos serão bem tranqüilas. E que esse fenômeno não chegue a comprometer o nosso sistema democrático brasileiro.
Nesta semana também teremos o curso ‘Comunicar Direito – Mídia e Justiça em busca do diálogo’, que marca a primeira reunião do Fórum de Comunicação e Justiça, vinculado à Universidade Corporativa do Tribunal de Justiça da Bahia (Unicorp-TJBA). O que motivou a criação desse fórum?
Minha vida tem sido assim. Eu saí da presidência do TRE e já tive outro desafio que foi exercer a Corregedoria das Comarcas do Interior. Encerrei o meu mandato e já fui para a Universidade Corporativa do Tribunal de Justiça, que tem por finalidade a capacitação e a requalificação de magistrados e servidores. Nós somos mais de 700 magistrados, em primeiro grau e segundo grau. Temos mais de oito mil servidores. É uma missão difícil e está cada dia mais difícil, porque o CNJ tem cobrado ações do Tribunal de Justiça para requalificar os servidores para que a entrega jurisdicional seja mais eficiente. Tudo isso através da nossa escola e universidade corporativa. Criamos alguns fóruns. A gestão passada, que tinha como diretor o desembargador Mário Albiani, já criou alguns fóruns de debate. Seguindo essa trilha do desembargador, criei também alguns. Mais recentemente, a nossa Unicorp criou esse fórum, que acho bastante interessante para discutir a relação da justiça e da imprensa de um modo geral. Penso que vocês, jornalistas, precisam conhecer melhor a gente do Judiciário, e a recíproca é verdadeira. A boa comunicação só vai trazer benefício ao cidadão. Esse é o objetivo nosso de ter essa aproximação com os meios de comunicação de modo geral. Para conhecer melhor vocês e também abrir as nossas portas, os nossos corações, para que vocês conheçam bem o Judiciário da Bahia, as nossas atividades. Com essa junção de esforços podemos entregar o que nós somos obrigados a entregar, tanta justiça como setor de comunicação ao cidadão. O nosso jornalista Flávio Novaes (assessor da Unicorp) está empolgado e eu também. Acredito que surgirão bons frutos desse fórum e vamos fazer a primeira reunião no dia 17 de setembro.
O senhor já exerceu vários cargos no Judiciário. Foi vice-presidente, presidente do TRE e corregedor eleitoral. Como o senhor descreve sua jornada na Justiça da Bahia?
Faço agora 38 anos de magistratura. Sou magistrado desde os 25 anos de idade. As constituições de 1977 e 1998 tinham como requisito para ingressar na magistratura a idade mínima de 25 anos. Portanto, ingressei com a idade mínima e já tenho uma longa caminhada. Tive experiências maravilhosas e desafios grandes como juiz eleitoral de primeiro grau, passei pelo TRE como corregedor regional eleitoral, como presidente. A experiência de corregedor das comarcas do interior foi das mais enriquecedoras. Foram desafios grandes porque todos nós sabemos a dificuldade que a Justiça da Bahia passa para entregar a sua prestação jurisdicional. Nós temos duas justiças. Uma de segundo grau e posso afirmar, sem medo de errar, que temos um dos tribunais de Justiça mais eficientes do país. A apelação e os recursos levam, em média, seis meses para serem julgados. Eu brinco dizendo que, se dois advogados resolverem combinar para atrapalhar a entrega da prestação jurisdicional, eles não vão conseguir que essa entrega ultrapasse um ano. Em contrapartida, precisamos melhorar muito a prestação jurisdicional no primeiro grau. Nós temos deficiência de servidores, temos ainda comarcas sem juiz. O tribunal está preocupado e cuidando disso. Nas últimas administrações do tribunal foram nomeados quase 200 juízes para o interior. Tivemos também a nomeação de mais de 500 servidores. Hoje há uma consciência, tanto na mesa diretora, liderada pela nossa presidente, a desembargadora Cynthia Maria Pina Resende, da necessidade de melhorar as condições de trabalho do juiz de primeiro grau. Isso já tem sido feito, mas precisamos fazer ainda mais. Também mandamos para a Assembleia Legislativa da Bahia o projeto que cria mais um assessor. Na Bahia, o juiz de primeiro grau só tem um assessor. Talvez seja o estado onde o juiz tem as piores condições de trabalho em termos de pessoal. Mas com esse segundo assessor já vai melhorar bastante. Temos melhorado o nosso parque de informática também. A gestão atual da desembargadora Cynthia, com os desembargadores Nilson e Lourival, trocou computadores. Estamos partindo para a busca de robôs, com a tecnologia da informação e a inteligência artificial. E tenho esperança que, num futuro breve, a Bahia passe a ser também no primeiro grau um dos estados que tenha uma boa prestação jurisdicional.
Raio-X
Graduado em Direito pela Ufba, Jatahy Júnior tornou-se juiz aos 25 anos. Desde então, passou a atuar na área do Direito Eleitoral. Em 2013, foi promovido ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia. Em 2019, assumiu a presidência do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA). De 2022 a 2024, foi corregedor das Comarcas do Interior. Em fevereiro deste ano, assumiu a direção-geral da Universidade Corporativa Ministra Hermes Lima (Unicorp-TJBA). É mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania pela Ufba e especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Baiana de Direito e pela Escola de Magistrados da Bahia (Emab).
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