ENTREVISTA – EDEGAR PRETTO
‘A próxima safra deve ajudar a conter a inflação dos alimentos’
Presidente da Conab explica como a companhia contribui para os esforços de redução dos preços dos alimentos no país
Por Divo Araújo

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é um dos principais atores nos esforços do governo federal para reduzir o preço dos alimentos. Entre suas atribuições, está a regulação do mercado por meio da compra e manutenção de estoques de produtos, como o milho, nos armazéns da companhia. “Se na Bahia o preço da farinha aumentar, porque há escassez no mercado, a Conab tira o trigo dos estoques e regula o preço”, explica o presidente da Conab, Edegar Pretto, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.
Na prática, como Pretto admite, esse trabalho enfrenta uma série de desafios. Um deles, segundo o dirigente, é o fechamento de armazéns da Conab promovido pelo governo anterior, que “tinha a lógica de que quem regula preço é o mercado”. “Assumimos com 27 unidades armazenadoras fechadas e os estoques completamente vazios”, afirma. Ainda assim, ele aposta na safra recorde de 2025 para ajudar a reduzir os preços. “Mais produto no mercado, maior oferta e preço mais baixo.” Saiba mais na entrevista a seguir.
O presidente Lula destacou o combate à fome e a redução do preço dos alimentos como prioridades da sua gestão na Conab. Quais ações a companhia tem adotado para enfrentar esses desafios de forma efetiva?
Eu começo destacando que herdamos um país com 33 milhões de pessoas passando fome. Somente no primeiro ano, tiramos 24,5 milhões de brasileiros e brasileiras dessa situação. E isso aconteceu porque recuperamos todas as políticas públicas que haviam sido esvaziadas pelo governo passado. Aí, eu cito a ampliação do Bolsa Família, a política de valorização do salário mínimo (que agora tem ganho real, sempre acima da inflação), a volta do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e, falando especificamente da Conab, a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA. O governo passado propôs R$ 2 milhões para o PAA, em 2023. Corremos atrás e conseguimos R$ 250 milhões para a Conab executar. Continuamos trabalhando e, em dois anos, a Conab comprou R$ 1,04 bilhão de alimentos da agricultura familiar, levando essa comida à mesa de quem passa fome. Ou seja, com uma mão a gente leva renda aos produtores, com a outra leva comida às pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. Então, o PAA é um dos principais instrumentos para acabar com a fome no Brasil. Em relação ao preço dos alimentos, a Conab está inserida num processo de retomada do incentivo aos nossos produtores. Com a volta do MDA, voltou o Plano Safra da Agricultura Familiar, por exemplo. Isso faz muita diferença, porque o agricultor vê, novamente, o governo federal incentivando a produção de alimentos. O agricultor, antes de botar a semente na terra, faz a conta. Agora, novamente, produzir alimentos se tornou um bom negócio. Por isso, vamos ter uma safra histórica, com 325,7 milhões de toneladas de grãos, com destaque para o aumento da produção de alimentos básicos, como o arroz e o feijão. Isso significa mais produto no mercado, mais demanda e preço mais baixo.
A Conab lançou em fevereiro uma nova chamada pública do Programa de Aquisição de Alimentos. Qual é o orçamento dessa chamada e qual a importância do programa para os pequenos produtores?
Nós lançamos a nova chamada do PAA no dia 18 de fevereiro. Iniciamos essa chamada com R$ 500 milhões, o dobro do valor inicial na chamada anterior. O PAA é fundamental para os nossos agricultores familiares, porque ele é uma garantia de renda. Os produtores sabem que terão para quem vender a sua produção. E, simultaneamente, essa comida chega até as pessoas em situação de vulnerabilidade social em todo o Brasil. Para se ter uma ideia da importância do PAA: em dois anos, foram R$ 1,04 bilhão que a Conab comprou das cooperativas e associações da agricultura familiar. Foram 1.655 municípios, 132 mil toneladas de alimentos, mais de 2,9 mil cooperativas e 70 mil agricultores familiares. O Nordeste foi a região que mais acessou o PAA, com 40% dos projetos inscritos. Vejam o tamanho e a importância desse programa para os pequenos produtores da agricultura familiar. Ao mesmo tempo em que gera renda, o PAA leva comida de qualidade a quem precisa. É assim, com programas como o PAA, que o Brasil sairá outra vez do Mapa da Fome.
A safra brasileira de 2025 promete ser uma das maiores da história. A Conab confirma essa perspectiva otimista? Quais fatores explicam essa projeção?
Sim. A Conab confirma. A Conab é a responsável pelos dados agropecuários oficiais do governo federal. Nossa companhia tem superintendências regionais em todos os 27 estados da federação. Ou seja, a Conab está em todo o Brasil. Todos os meses, cerca de 100 técnicos vão a campo para fazer a previsão de safra. São 12 previsões por ano. E, para este ano, a previsão é de uma safra recorde, a maior da história do nosso país: 325,7 milhões de toneladas de grãos, um aumento de 9,4% em relação à safra do ano passado. E, muito importante: depois de anos de queda, aumenta a produção de arroz e feijão, que são alimentos básicos da alimentação da população brasileira. Iremos colher 11,79 milhões de toneladas de arroz, um aumento de 11,4%. No feijão, serão 3,35 milhões de toneladas, aumento de 3,2%. Esse aumento é o resultado da parceria entre o homem do campo, que trabalho duro, todos os dias, e que agora tem o apoio do governo federal. Nos últimos anos, no Brasil, não havia mais incentivo. Agora, nós temos, novamente, o governo federal ao lado dos produtores. Temos um Plano Safra Recorde, com juro mais baixo. Se o preço ficar baixo, temos a Conab, que garante a compra e cobre todo um eventual prejuízo. Então, nós temos hoje, no Brasil, o governo federal e os produtores trabalhando juntos. Somado à ajuda do clima, vamos colher a maior safra da história do Brasil.
Essa safra pode ajudar a conter a inflação dos alimentos no curto e médio prazo, ou seus efeitos só serão percebidos à longo prazo?
Sim. A próxima safra deve ajudar a conter a inflação dos alimentos. Assim como a queda do dólar, igualmente, deve ser um fator que vai reduzir a inflação dos alimentos. Mais produto no mercado, mais demanda e preço mais baixo. Em relação às carnes, há um fator importante a ser observado, que é o ciclo do boi. Mais especificamente, o fim da reversão do ciclo do boi – que é o período em que as vacas são destinadas ao abate, após a retenção delas para procriação e a entrada dos bezerros no mercado, que aumentará a oferta de animais no mercado. Mas, é muito importante a gente destacar alguns dados sobre a inflação dos alimentos. Nos quatro anos do governo Bolsonaro, a inflação dos alimentos foi de 56,1%. Nos dois primeiros anos de Bolsonaro, foi 27,4%. Nos dois primeiros anos do presidente Lula, foi de 7,6%. Então, nós sabemos que os preços estão elevados, mas estamos trabalhando para reduzir e vamos reduzir.
A recuperação dos estoques da Conab foi uma promessa do governo Lula. Como está esse processo atualmente? Os estoques da companhia podem, de fato, ajudar a conter a alta dos preços dos alimentos?
Começo respondendo essa pergunta trazendo uma informação fundamental para esse debate. O governo passado fechou 27 unidades armazenadoras da Conab. Eram 91 e restaram 64. E fizeram isso porque o governo passado tinha a lógica de que quem regula preço é o mercado. Então, nós assumimos com 27 unidades armazenadoras fechadas e os estoques completamente vazios. Dito isso, o governo passado deixou R$ 2 milhões para investirmos nas nossas unidades, em 2023. Conseguimos mais R$ 10 milhões e fechamos 2023 com R$ 12 milhões investidos. Em 2024, foram mais R$ 15 milhões. Em 2025, temos R$ 70 milhões de Orçamento e mais uma parceria com o BNDES, que vai render R$ 175 milhões para a Conab reformar oito unidades armazenadoras. Para se ter uma ideia, através dessa parceria com o BNDES, nossa capacidade operacional de armazenamento aumentará em 33%. Vamos saltar de 900 mil toneladas para 1,2 milhão. Em relação a conter a alta dos preços, sim, os estoques são fundamentais nesse processo. Quando você tem um produto estocado, e o preço desse produto sobe, a Conab bota esse produto no mercado, aumenta a demanda e o preço baixa. Essa é a lógica do estoque regulador e foi isso que fizemos, por exemplo, com o milho, em 2023. Houve uma supersafra de milho no Centro-Oeste, os preços despencaram, a Conab comprou 342 mil toneladas e estocou. Quando houve a seca no Nordeste e as enchentes no Sul, o preço do milho subiu, porque a produção diminuiu. O que a Conab fez? Botou o milho no mercado, através do ProVb, e regulou o preço. Agora, compramos trigo e estamos comprando arroz, para estocar.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) previa investimentos na expansão dos armazéns da Conab. Em que estágio está esse processo? Já há obras em andamento ou um cronograma definido?
Os investimentos nos nossos armazéns não vieram do PAC, mas de outros órgãos do governo federal, como a Itaipu Binacional (R$ 55 milhões) e o BNDES (R$ 175 milhões), por exemplo. O importante é que o governo federal voltou a investir na recuperação dos armazéns da Conab.
Alguns setores do agronegócio veem a retomada dos estoques reguladores da Conab como uma política intervencionista. Por que essa medida é necessária e quais os benefícios esperados para o mercado e os consumidores?
Importante destacar que, para formar estoques, são necessárias duas coisas: ter o que comprar e ter onde guardar. A Conab só compra, para formar estoque, através da Política de Garantia de Preço Mínimo. Ou seja, pela Lei, a Conab só pode comprar, para formar estoque, quando o preço de mercado de algum produto está abaixo do preço mínimo estabelecido pela Conab. Quando há essa situação, a Conab pode comprar do produtor, garantindo um preço mínimo. Esse produto, então, é estocado. Por outro lado, é importante para o consumidor porque, havendo estoque, há a possibilidade de equilibrar os preços. Por exemplo, nós estamos fazendo estoques de trigo, depois de 11 anos. Se na Bahia o preço da farinha aumentar, porque há escassez no mercado, a Conab tira o trigo dos estoques e regula o preço. Ou seja, ganha o produtor e ganha o consumidor.
A Conab possui superintendências regionais em todas as capitais e unidades armazenadoras distribuídas pelo país. Essa estrutura é suficiente para garantir a regularidade do abastecimento nos quase seis mil municípios brasileiros?
Evidentemente que melhorias e ampliações são sempre bem-vindas, ainda mais quando se fala da Conab, que foi esvaziada pelo governo passado e estava em vias de ser fechada. Mas, nós estamos reconstruindo a Companhia e tornando ela mais forte, ainda. Inclusive, realizaremos um novo concurso público, com 403 vagas. As superintendências regionais, além deste papel citado por você, também são importantíssimas para multiplicar e tirar todas as dúvidas sobre projetos como o PAA, em suas respectivas regiões. Se o agricultor tem dúvida sobre qualquer projeto, basta consultar uma delas. A capilaridade e a inteligência agrícola da Conab passam muito pelas suas Superintendências Regionais.
No ano passado, o Rio Grande do Sul enfrentou a pior tragédia climática de sua história. Na ocasião, o governo federal autorizou a importação de até um milhão de toneladas de arroz para mitigar os impactos sociais, mas a operação foi cercada de polêmicas e ações judiciais e, no fim, não se concretizou. O que esse episódio ensina para futuras crises de abastecimento?
Para garantir a segurança e a soberania alimentar da população, e evitar crise de abastecimento, é fundamental que a Conab esteja estruturada e com seus estoques abastecidos. E é isso o que nós estamos fazendo: reestruturando a nossa Companhia e retomando a política de formação de estoques.
A Conab está hoje estruturada para responder a emergências como a do Rio Grande do Sul? Quais medidas podem ser aprimoradas para garantir o abastecimento e a comercialização diante de crises?
Sim. A Conab está totalmente preparada. No episódio da enchente do Rio Grande do Sul, a Conab cumpriu com agilidade e sucesso a missão dada pelo presidente Lula, que era coordenar toda a distribuição de cestas de alimentos e água para todas as pessoas atingidas. Durante a tragédia climática no Rio Grande do Sul, entregamos 190 mil cestas de alimentos. E, neste dois anos, atuamos em diversos locais do Brasil no atendimento às emergências climáticas. Em dois anos, distribuímos 623,7 mil cestas de alimentos, onde a população estava sofrendo com chuvas ou seca. No socorro aos Yanomami, por exemplo, foi a Conab quem esteve lá e distribuiu mais de 100 mil cestas de alimentos em parceria com a Funai e as Forças Armadas.
É possível dizer que a companhia está reestruturada? Quais avanços foram alcançados e o que ainda precisa ser feito?
Nós vamos seguir recuperando e reestruturando a Conab, mas é importante destacar que retomamos todas as políticas públicas da Companhia. O PAA, que estava esvaziado; os armazéns, que estavam sucateados; os estoque púbicos, que estavam zerados – compramos milho, trigo, arroz e estamos preparados para ampliar ainda mais a política dos estoques reguladores. Aumentamos o alcance do Programa Venda Balcão, e agora queremos expandir ele para além da cultura do milho. Retomamos a PGPM-Bio, que é a garantia da política de preços mínimos para os produtos da sociobiodiversidade, ou seja, além de preservar a floresta, garantimos renda para quem nela vive. Geramos a inteligência agropecuária, os dados oficiais do Governo Federal nessa área. Firmamos uma parceria com o Banco do Brasil, para trabalharmos em conjunto na geração de informações da produção, com leitura do mercado agrícola, para entregar à população brasileira informação mais amplas e precisas. Ou seja, estamos reconstruindo a Companhia Nacional de Abastecimento, que estava caminhando para a extinção.
Entidades que representam a agricultura familiar defendem que a Conab tenha um papel mais estratégico na produção e disponibilização de dados e estatísticas para subsidiar os pequenos produtores. Na sua visão, de que forma a Conab pode aprimorar sua atuação em inteligência agropecuária para atender melhor a agricultura familiar?
Hoje, a inteligência da Conab entrega a produtores e mercado informações preciosas para que o país planeje e pense suas políticas em relação à insegurança alimentar. Entregamos, mensalmente, entre outros produtos, o boletim do Programa Brasileiro de Modernização do Mercado de Hortigranjeiro (ProHort), com a medição dos preços de 117 frutas e 123 hortaliças, somando mais de mil produtos; a safra dos 15 principais grãos, mês a mês, e do café e da cana-de-açúcar. Além disso, também fazemos o levantamento da produção e exportação dos três tipos de carnes. É claro que sempre podemos, e devemos, melhorar. Como eu disse, a Conab estava em um processo de extinção, com suas políticas públicas sendo esvaziadas. E as políticas para a agricultura familiar foram as que mais sofreram cortes, pelo governo passado. Estamos buscando sempre mais orçamento e parcerias para ampliar o nosso alcance e a potência das nossas políticas públicas.
Raio-X
Atual presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto é filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Foi deputado estadual pelo Rio Grande do Sul por três mandatos consecutivos (2011-2023) e presidiu a Assembleia Legislativa em 2017. Durante sua atuação parlamentar, liderou a bancada do PT, criou e coordenou a Frente Parlamentar em Defesa da Alimentação Saudável. Em 2022, foi candidato ao governo do Rio Grande do Sul. Sua trajetória é marcada pela defesa da agricultura familiar, segurança alimentar e políticas de abastecimento.
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