ENTREVISTA/MANOEL VITÓRIO
“O prejuízo com o projeto do ICMS é de mais de R$5 bilhões"
Secretário da Fazenda diz =que estado congelou alíquota do ICMS e, mesmo assim, o preço do combustíveis segue subindo
Por Osvaldo Lyra
O secretário estadual da Fazenda, Manoel Vitório, é enfático ao afirmar que o resultado positivo das finanças da Bahia se deve ao fato de se investir muito na qualidade do gasto. De acordo com ele, o grande gargalo financeiro hoje tem sido o déficit previdenciário. Para driblar as dificuldades, o equilíbrio das contas públicas tem sido o norte maior. Diante da polêmica sobre o projeto de isenção do ICMS pelos Estados para tentar reduzir o preço dos combustíveis, Vitório avalia ser um processo de fragilização de Estados e Municípios, sem que haja ganho efetivo. Para ele, o resultado acaba ficando nas mãos de “quem participa do ciclo do petróleo, da cadeia, sejam as refinarias, a Petrobras”. Caso a matéria passe da forma que está, alerta o secretário, a Bahia pode perder R$ 5 bilhões por ano. Vitório aproveitou ainda para alfinetar o governo federal, que praticamente não dá acesso a transferências voluntárias de recursos. Confira:
Secretário, eu quero começar sabendo sobre a saúde financeira do estado. O governo registrou uma economia de R$9 bilhões com despesas de manutenção da máquina ao longo dos últimos 8 anos. Como se deu esse processo?
Nós investimos muito na qualidade do gasto. Um programa que foi montado, que se iniciou até no governo de Wagner e depois ganhou um outro contorno até com mais musculatura no governo do governador Rui Costa, que criou uma estrutura dentro da Secretaria da Fazenda para monitorar o gasto público. Isso acabou gerando uma possibilidade de economia de custeio, eliminando desperdícios, gastos ruins, racionalizando os gastos, apertando para que se fizesse um planejamento de gastos públicos. Isso fez com que a gente conseguisse ter uma racionalidade de uma economia. Porque são dois movimentos, um movimento mais perceptível, onde você muda o tipo de tecnologia, evita o desperdício, seja em coisas mais fáceis de identificar, como conta de energia, de água, e outras coisas menos perceptíveis, como em relação a auditoria de folha, levantamento, racionalização. Mas tem um outro movimento dentro da qualidade do gasto público que às vezes é menos perceptível. Que é o seguinte: muitas em áreas, como é o caso de saúde, educação e segurança pública, você não tem uma economia propriamente dita. Você tem uma troca. Por exemplo, ao tempo que você economiza com luz, com telefone, quando você economiza com outros itens você consegue fazer mais custeio até e uma ampliação dos equipamentos, como a gente ampliou a quantidade de hospitais. Tem dois movimentos que são possíveis a partir do monitoramento dos gastos públicos, e que o segundo é tão relevante quanto o primeiro. Tão relevante quanto a economia, a diminuição dos gastos, é também você poder liberar e transformar, aumentar os gastos que são necessários para aumentar o atendimento à população naqueles serviços essenciais. E no caso da saúde pública isso foi muito relevante. Nos permitiu atender a população de maneira muito melhor no período da pandemia.
Qual é o tamanho do orçamento da Bahia hoje e quais os maiores gargalos para se obter avanços na gestão?
Você está vendo que a gente está com um evento no Congresso Nacional, uma modificação na tributação do ICMS que pode afetar as contas do estado. Mas nós estamos caminhando para mais de R$56 bilhões de previsão de execução de orçamento para esse ano. E eu diria que o grande gargalo financeiro tem sido e continua sendo o déficit previdenciário. Esse ainda é um problema que a gente tem que administrar. E veja, as próprias contas públicas, eu costumo dizer que há um ano, há um ano e meio, eu costumava dar entrevista e as pessoas perguntavam se a gente continuaria pagando salário, o que iria acontecer na pandemia. Com o advento da inflação, você teve uma certa piora artificial na arrecadação, acho que é uma bolha que a gente está vivendo. E aí há um comportamento dos agentes econômicos, há uma pressão do Governo Federal, mais especificamente, já de olho no que pode ter de orçamento, eventualmente de resultado mais favorável nesse ano. Foi pouco crescimento econômico, muitos estados em crise fiscal, estados que não pagavam salários, isso não aconteceu com o estado da Bahia. Sempre tivemos o equilíbrio das contas públicas como um norte maior. E a gente vem fazendo isso constantemente. Então, eu diria que o desafio é permanecer... Mas o pior eu acho que são algumas pressões que pressionam o estado a fazer uma ação só olhando o caixa. Se em um momento você tem qualquer tipo de melhora, quer fazer gastos em custeios que daqui a 2 anos vão virar um custeio fixo que você não pode mais remover e que você vai dar um problema fiscal. Os resultados obtidos, por exemplo, com a qualidade do gasto público, a gente tem colocado em investimentos. Tem procurado trocar em coisas que não sejam gastos permanentes, para evitar esses solavancos.
Secretário, o estado sempre cumpre todos os índices constitucionais. Muitas vezes acaba investindo, inclusive, mais do que está previsto na Constituição em saúde, educação. Só que esses gastos elevados com educação não se reproduzem nos números do setor, o que é inclusive uma das principais críticas da oposição ao governo Rui Costa. Qual o problema? Faltam recursos? Falta uma melhor gestão do setor?
Eu acho que está aí uma política, a educação, que não é algo que você mude de uma hora para outra. É uma política que ao longo do tempo você vai melhorando. Você está falando com o secretário da Fazenda, mas evidentemente que nós conversamos. Eu sei que um dos itens que nós tínhamos de problema e que tem sido contornado, que acabava influenciando nos índices, era evasão escolar. E eu sei que isso tem diminuído bastante e tem melhorado a pontuação. É um esforço, o estado da Bahia tem avançado bastante também nessa área, como avançou na área de saúde, como avançou na área de infraestrutura, e vem avançando. Mas é assim. Política pública é algo que você vai plantando e ao longo do tempo vai colhendo. E eu tenho certeza de que com os investimentos gigantescos que a gente tem feito nos últimos tempos, mudando as estruturas das escolas, até para melhorar as condições de ensino, eu tenho certeza de que isso vai repercutir em uma melhoria substancial da educação e essa melhoria vai se acentuar bastante nos próximos anos.
Por falar em investimentos, a gente tem mais de R$18 bilhões sendo investidos nos dois governos Rui Costa. Isso é fruto de um esforço grande de toda a máquina para conseguir sobrar dinheiro para investir, secretário?
Olha, para você ter uma ideia, dos R$18 bilhões, como R$9 bilhões foram de economias na qualidade do gasto, metade desse resultado é em cima desse esforço da qualificação do gasto público. O resto, os outros R$9 bilhões, nós temos em melhoria do processo de fiscalização, com baixa sonegação, além de algumas alterações de crédito que geraram condições de fazer esses R$18 bilhões, que nos deixam na condição do segundo estado que mais investe no país. A gente perde apenas para São Paulo, que tem um orçamento, uma população, um PIB muito maior do que o estado da Bahia. Isso para nós é motivo de orgulho e representa o esforço da Bahia para superar, melhorar a condição de vida dos baianos. Eu diria que alguns exemplos... A gente teve um período no começo de governo em que nós investimos fortemente na área de saúde, foram construídos diversos hospitais, policlínicas. Eu diria que a rede de saúde teve uma modificação não só em capacidade de atendimento, mas também teve uma modificação de conceito. Então o que uma pessoa de classe média tinha de acesso, não só para emergência e urgência, nos hospitais ou nas UPAs, a população passou a ter acesso às policlínicas, a especialistas, a exames, a acompanhamento. Então há uma mudança qualitativa, além do aumento do número de hospitais, de leitos. Então, houve uma mudança quantitativa e qualitativa bastante expressiva. Com o movimento que a gente tem feito nos últimos tempos, só agora foram fechados em reformas e construção de escolas mais de R$2,5 bilhões investidos nessas estruturas, também para gerar outro tipo de qualidade de vida. Então, é isso que nos move, é isso que nos leva, é a motivação de fazer mais, não é só resultado, um número frio, mas sim esse número frio se traduzir em mais qualidade, em serviços de melhor qualidade para a população baiana.
Secretário, como está a questão dos repasses do governo federal? Existe algum tipo de ação de investimento do governo Bolsonaro na Bahia?
Na verdade, nós não temos tido muito acesso, praticamente não temos tido acesso a transferências voluntárias. O que nós temos são as constitucionais, aí o Governo Federal não pode se omitir, tem que fazer as transferências que são determinadas pela Constituição. E temos algumas obras, enfim, alguns convênios que fizemos com ele que previam utilização do orçamento geral da União e que acabaram não vindo. Mas também, nesse aspecto, como esse tipo de repasse é auditado pelo Tribunal de Contas da União, isso sempre acaba nos ajudando. A gente pode estar apontando se houver algum repasse diferenciado para algum outro estado, a gente acaba indo atrás e também tentando conseguir que o Governo Federal cumpra o compromisso que estabeleceu com o estado. Mas temos tido dificuldades até de obter operação de crédito simples.
Era isso que eu queria saber... O Governo Federal dificultou a obtenção, inclusive, de créditos para o governo da Bahia?
Nós temos hoje um limite de operações de crédito de R$3,5 bilhões e temos tido muita dificuldade de contratar novas operações. Nós temos essa possibilidade de tomar esse volume de recursos com garantia da União e temos tido diversas dificuldades em fazer essas operações.
Como driblar essa dificuldade para acessar investimentos, por exemplo, de recursos do governo federal?
É muito difícil. Nós já obtivemos isso em ações judiciais, outros estados também passaram por situações parecidas. E o que a gente tem feito é que nós estamos nos virando com nossos recursos. Nós estamos garantindo esse nível de investimento em cima do esforço nosso dentro da máquina do estado. Aí a qualidade do gasto público, mais uma vez, é importante. O combate à sonegação também é importante, porque a gente não tem condição de aumentar a carga para contribuinte. Então, é a eficiência da máquina, eficiência da gestão. É isso que gera um resultado e é por isso que nós conseguimos ser o governo que mais cumpre promessas no Brasil, segundo a avaliação do G1, e nós somos o segundo estado que mais investe no Brasil. Esses resultados também acabam motivando nós todos.
A gente tem uma nova polêmica que é essa questão da isenção do ICMS como medida apresentada pelo presidente Bolsonaro para facilitar a própria questão do transporte público. O que é que a gente tem de real nessa briga pela isenção do ICMS?
Nós já tivemos no passado uma Lei Kandir que previa compensação aos estados, o que não ocorria. A proposta que está sendo feita e a forma com que as coisas estão sendo tocadas ultimamente sugerem uma flexibilização, uma falta de atenção com relação ao equilíbrio fiscal. Tanto para as contas da União, e agora essas propostas que estão vindo afetam as contas dos estados, o equilíbrio fiscal dos estados. Isso é muito perigoso, e não tem o resultado prático efetivo que nós estamos vendo agora que com esse anúncio o dólar já começou a subir. Porque veja, quando os agentes econômicos percebem que há um risco fiscal dentro do país, eles começam a se proteger. Então, isso faz com que o dólar aumente, e aumentando a cotação de dólar, o petróleo que a Petrobras produz está indexado ao valor do barril no exterior, então isso aumenta a pressão também no preço dos combustíveis. E isso é ruim para todo mundo, para a sociedade. Um problema como a gente está enfrentando de inflação não é resolvido assim, dessa forma, de forma saudável, achando que pode retirar um imposto aqui, fazer um arranjo ali. Não é. A gente está realmente necessitando de um plano de desenvolvimento econômico, de um plano de equilíbrio, e o que a gente está assistindo não é isso. Para você ter uma ideia, a alíquota do ICMS não muda nos estados há anos, nós congelamos a base de arrecadação em novembro, e mesmo assim os combustíveis continuaram subindo. Você tem uma subida no preço dos combustíveis. Então, a pergunta é para onde é que está indo essa diferença? Com certeza não é para o consumidor, que está sendo prejudicado e está pagando cada vez mais. Agora, uma coisa a gente sabe que tem prejuízo direto. Esse recurso é utilizado na educação, na saúde, no combate à pobreza, ele também faz parte de recursos que são destinados aos municípios. Então, você tem um processo de fragilização sem um resultado. Um resultado que acaba ficando nas mãos de quem participa do ciclo do petróleo, da cadeia. Sejam as refinarias, a Petrobras. A Petrobras, aliás, está com um lucro no trimestre de R$44,8 bilhões. É simples a gente ver que esse tipo de ação que está sendo proposta não tem nenhuma consequência, ela só reduz recurso da saúde, da educação, só aumenta a insegurança dos investidores, dos agentes econômicos, pressiona o dólar. Então, é uma operação temerária, e que pode daqui a pouco tempo aprofundar e levar os estados a uma crise fiscal sem precedentes.
Qual a solução, então, para esse gargalo do preço dos combustíveis e impacto direto também sobre o setor do transporte e de mobilidade?
Eu não tenho dúvidas de que a resposta da questão dos combustíveis está junto à própria Petrobras e ao Governo Federal. Nós temos desses R$44,8 bilhões de lucro líquido, uma parte disso é apropriada pela própria União sobre a forma de dividendos. Então, por que não fazer um fundo com esse resultado para ajudar a equacionar essa oscilação de preços no mercado? Essa é uma questão. A outra questão é a seguinte. Por que a gente tem que ter esse barril completamente atrelado à variação em dólar se a Petrobras produz aqui, paga os agentes econômicos, paga seus empregados em real. Por que tudo tem que ser atrelado ao valor do dólar? Então, eu acho que essa é a discussão que tem que ser feita. A Petrobras é uma empresa de economia mista. Ela tem também uma responsabilidade com o governo. O interesse público está presente. Na economia mista o interesse público está presente, justifica a criação da própria empresa. Então, não tem por que esquecer disso. Não estamos demonizando o lucro da Petrobras, não somos contra de jeito nenhum. Mas o que não é possível é que a parcela mais pobre da população, aquelas que dependem da educação, da saúde, das ações do Governo do Estado, das ações de mitigar pobreza, ações sociais... Não é possível que sejam essas pessoas que tenham que fazer seu sacrifício em cima dessas políticas.
Essa isenção do ICMS, a informação é que gira na casa de R$1 bilhão por ano. Há uma expectativa do governo de mobilizar a bancada para que evite fazer com que a Bahia perca todo esse recurso, secretário?
O prejuízo com o projeto do ICMS, da forma como está sendo colocado, prevê a redução da arrecadação é de mais de R$5 bilhões, não é 1 bilhão. Ou seja, a Bahia pode perder R$5 bi por ano por causa do ICMS. R$1,4 bilhão é o que perderão os municípios se esse projeto for aprovado, R$1 bilhão é o que perderá a educação, quase R$500 milhões é o que perderá a saúde. Então, o valor da perda para esses serviços é muito maior. É mais de R$5 bilhões a previsão de perda total.
Secretário, estamos em um ano eleitoral. Independente de quem seja eleito governador da Bahia, qual o maior desafio do próximo gestor a partir de 2023?
Eu acho que o desafio é que quem tenha pretensão de ser governador a partir de 2023 tem que apoiar as nossas iniciativas, que o secretário de Fazenda do Brasil afora que tem denunciado o risco de alguns projetos, o risco fiscal que isso pode trazer para o país e para os estados. Há bem pouco tempo nós vimos diversos estados que tinham sua capacidade de executar serviço público praticamente exauridos. Estados que não pagavam salários de servidores, que não conseguiam funcionar, que não tinham dinheiro nem para botar gasolina para rodar viatura policial. Enfim. Essa é uma questão que precisa estar no foco de todo mundo. É um interesse da sociedade. Nós somos a favor, achamos que há uma carga muito grande de impostos em consumo e na produção, mas isso tem que ser feito, essa modificação tem que ser feita no âmbito de uma reforma tributária para que as coisas aconteçam com equilíbrio. O Brasil já viveu essa história de desequilíbrio fiscal, os estados viveram isso recentemente. E no final quem paga a conta é a população como um todo
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