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CPI da Covid ouve cientista Natalia Pasternak e sanitarista Cláudio Maierovitch

Publicado sexta-feira, 11 de junho de 2021 às 20:40 h | Atualizado em 11/06/2021, 20:41 | Autor: Redação
CPI da Covid
CPI da Covid -

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid ouviu nesta sexta-feira, 11, a cientista Natália Pasternak, pós-doutora em microbiologia pela USP, e o médico sanitarista Cláudio Maierovitch, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Com discursos embasados, ambos apresentaram pesquisas feitas ao redor do mundo e também no Brasil, que comprovam a ineficácia da cloroquina no tratamento contra a Covid-19 em qualquer estágio da doença.

Em seu discurso de abertura, a presidente do Instituto Questão de Ciência reiterou que o medicamento foi testado no Brasil sem cumprir todas as etapas, cedendo à pressão popular. Mesmo assim, a droga só se mostrou funcional para combater o vírus dentro do "tubo de ensaio", mas sem nenhum progresso com animais, humanos ou nas células respiratórias.

"A cloroquina já foi testada em tudo! Foi testada em animais, em humanos. Foi testada de todas as formas e não funcionou. Inclusive de 'tratamento precoce', que são os estudos de PEP e PrEP. PEP é a exposição profilática pós-exposição, ou seja, a pessoa foi exposta ao vírus e já começa o tratamento — não dá pra ser mais precoce do que isso. Não funcionou! Aí a gente teve os PrEP, que é profilático. 'Vamos dar para profissionais de saúde', porque eles são muito expostos: também não funcionou! Estamos há pelo menos 6 meses atrasados em relação ao resto do mundo, que já descartou a cloroquina", lamentou.

A microbiologista ainda ironizou ao recordar o episódio em que o presidente Jair Bolsonaro tentou dar uma caixa de comprimido do remédio a uma ema, na área externa do Palácio da Alvorada. 

"Testamos em camundongos, macacos e humanos. Só não testamos na ema porque a ema fugiu", zombou.

Ela alertou ainda para o risco de usar o medicamento devido a sua alta toxicidade, e citou um estudo feito em Manaus, no Amazonas, que serviu como base para todo o mundo recuar no tratamento com a cloroquina. Os pesquisadores perceberam que a baixa dosagem era ineficaz contra o vírus, e que uma alta dosagem era prejudicial ao corpo humano.

"Foi uma pesquisa de excelência, premiada internacionalmente como um dos melhores trabalhos publicados em 2020. Uma pesquisa extremamente bem conduzida, um estudo de segurança de dose. Que testou duas doses diferentes para pacientes hospitalizados, e concluiu que a dose alta era perigosa, não deveria ser usada. E que a dose baixa não alterava a carga viral, não trazia nenhum benefício. O professor Marcus Lacerda [condutor da pesquisa] foi quem mostrou que aumentar a dose não era seguro, e que a dose baixa não servia", explicou.

Indagada sobre a fala recente do presidente Jair Bolsonaro, de que iria pedir ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, um "parecer" que desobrigue o uso de máscaras por pessoas vacinas ou que já pegaram a doença, a pesquisadora fez uma analogia didática com o universo do futebol.

Ela comparou as vacinas contra o novo coronavírus a um "bom goleiro", que tem um histórico positivo e que não deve ser analisado por um "frango" que tenha sofrido na carreira. No entanto, uma "defesa" ruim, que seria o não cumprimento de medidas sanitárias básicas como distanciamento social e o uso de máscaras, contribui para que o goleiro sofra mais gols e possa "falhar".

"A recomendação do uso de máscara é essencial quando observamos o número diário de casos e mortes preocupantes. A análise é que a vacina é como um bom goleiro. É bom, mas não é infalível. Se você tiver muita bola indo para o gol, ele vai falhar, se não tiver uma boa defesa não adianta", comparou.

Pasternak foi confrontada pelo senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que alegou que a ivermectina já teve sua eficácia comprovada cientificamente. A doutora questionou a qualidade das metanálises levantadas por Heinze e utilizadas como argumento, e disse que é preciso se basear sempre nos "melhores estudos sobre o assunto".

O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), por sua vez, usou o seu tempo para ressaltar os investimentos do Governo Federal na área da saúde.

REBANHO E LOCKDOWN - O sanitarista Claudio Maierovitch, que geriu a Anvisa entre 2003 e 2008, lamentou que o "povo brasileiro" seja tratado atualmente como "animais". Ele fez um paralelo com que avalia ser uma política deliberada do governo Bolsonaro, que seguiu a tendência de líderes mundiais que abandonaram a tese em março de 2020, da imunidade coletiva, ou como é conhecida, de "rebanho".

"Não gosto do termo "imunidade de rebanho". Não somos rebanho, e não há nenhum coletivo da palavra "gente" ou "pessoa" que seja traduzido como rebanho. Temos multidão, povo, muitos coletivos nos dicionários, e rebanho não é um deles. Rebanho se aplica a animais, e somos tratados dessa forma. Acredito que a população tem sido tratada dessa forma ao se tentar produzir imunidade de rebanho à custa de vidas humanas. O governo se manteve na posição de produzir imunidade de rebanho, com essa conotação toda, para a população, em vez de adotar medidas reconhecidas pela ciência para enfrentar a crise", condenou.

Chefe da área de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde de 2011 a 2016, Maierovich citou um estudo do Instituto Lowy, da Austrália, que classificou o Brasil como o país com a pior condução frente à pandemia, dentre outras 98 nações.

Segundo o médico, o Programa Nacional de Imunização elaborado pelo governo brasileiro é "pífio" e que não existiu nenhum plano para comprar ou incentivar a produção de imunizantes contra a doença, e muito menos na atenção à saúde básica, "fundamental para resposta à maior parte das pandemias".

Perguntado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sobre a sua opinião sobre Bolsonaro ter desprendido energia para a compra de cloroquina da Índia, ao invés de apostar nas vacinas, o sanitarista disse não ver "sentido" na estratégia. 

"Qual o sentido de um presidente da República, sem se apoiar numa institucionalidade, decidir sobre a importação de um medicamento? Ele vai negociar com o dirigente da Índia apoiado em quê? Isso faz tão pouco sentido que é difícil encontrar um argumento legal que diga que pode ou não pode, porque significaria prever, me perdoem a expressão, qualquer maluquice que deveria estar na lei. Então os parlamentares teriam que fazer um exercício de imaginação contínuo para criar leis que proibissem maluquices", declarou.

Maierovich reforçou que todos os números de contaminação comprovam que o isolamento social funciona para reduzir a taxa de contaminação e, por consequência, os óbitos pela doença. Ele defende que um "lockdown" total e efetivo de duas semanas poderia fazer despencar a taxa no país e mudar todo o cenário.

"Se deixar de haver circulação intensa por duas semanas, você interrompe o ciclo da doença. Se as pessoas ficarem em casa e não transmitirem, [o ciclo] se encerra, na medida que houver alcance razoável do confinamento", pontuou.

O senador governista, Jorginho Mello (PL-SC), negou que o governo federal negligencia a vacinação dos brasileiros. Segundo ele, as negociações com o Instituto Butantan e com a Fiocruz foram "diferentes" porque esta última previu a transferência de tecnologia com a AstraZeneca. 

Também aliado do Planalto, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) argumentou que estados e municípios "forçaram a barra para terem o controle pleno" das diretrizes de combate à Covid-19, como medidas sanitárias e restritivas.

"O senhor declarou que faltou em nosso país a adoção de critérios homogêneos definidos para o Brasil inteiro. A autonomia foi dada cada estado e município — disse o parlamentar", retrucou.

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