"É preciso que os mais pobres tenham mais força política", diz deputado Marcelino Galo | A TARDE
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"É preciso que os mais pobres tenham mais força política", diz deputado Marcelino Galo

Publicado quinta-feira, 14 de outubro de 2021 às 06:05 h | Autor: Jefferson Beltrão
Marcelino Galo, deputado estadual (PT) | Foto: Divulgação
Marcelino Galo, deputado estadual (PT) | Foto: Divulgação -

Segundo o deputado estadual Marcelino Galo (PT), o único cenário pré-eleitoral na Bahia é de quem “está contra esse projeto de extrema direita e de quem é a favor da democracia e da liberdade”. Para ele, não há diferença entre João Roma (PRB), ministro da Cidadania e possível candidato bolsonarista, e o ex-prefeito ACM Neto. Nesta entrevista, também transmitida pela TV Alba (canal aberto 12.2 e 16 na Net), Marcelino, que tem um histórico de atuação na luta pela terra, fala também de seus projetos na área e da dificuldade de legislar numa Alba “muito conservadora”.

Como tem sido a sua atuação em defesa de uma reforma agrária eficaz na Bahia?

Eu venho da luta do campo e os meus votos vieram de pescadores, marisqueiras, assentados de reforma agrária, acampados que lutam pela terra, agricultores familiares. Esse foi o meu exercício profissional e político que me levou a ser deputado. Mas a nossa agenda política continua sendo a mesma. Avançamos muito pouco. Tivemos um período da democracia em que avançamos na questão da terra, ampliamos o número de assentamentos, tivemos políticas para os pescadores, mas agora isso foi travado. Claro que avançamos para outros segmentos. Temos trabalhado muito a questão cultural como estratégica que permeia as atividades do homem em relação ao seu trabalho, à questão ambiental. Trabalhamos muito com povos tradicionais e não tem como tratar a questão ambiental sem tratar o socioambiental. Nós temos uma cidadania muito precária por conta da formação social brasileira, e temos que destravar essas agendas.

A Bahia, assim como o Brasil, sustenta, historicamente, a imagem de um estado concentrador de terras, marcado por conflitos sem uma mediação política satisfatória. Até que ponto o governo Rui Costa falha na condução de uma reforma agrária na Bahia?

Nós temos um Estado constituído com uma herança que preserva privilégios de uma elite dominante. A gente precisa alterar essa correlação de força social. É preciso que segmentos mais pobres tenham mais força política e ocupem espaços de decisão e de poder em todos as instâncias. Nós temos hoje grandes corporações no mundo que dominam a economia, ditam o que deve ser feito e têm poder econômico maior e mais forte do que muitos governos. Temos que avançar motivando e ajudando a sociedade a se organizar para que possa resolver esses problemas. Nós continuamos com a questão da terra, direitos trabalhistas que foram todos usurpados, o trabalho pulverizado. Falta pouco para voltarmos à escravidão. É uma concentração de renda brutal. Nesse período de epidemia aumentaram os bilionários do mundo e os pobres ficaram mais pobres. E num período em que o governo federal programa a morte, se nega a assistir, a vacinar o povo. É um momento muito difícil. A sociedade brasileira precisa lutar muito.

O senhor é autor de um projeto de lei que institui a política estadual de agroecologia e produção orgânica na Bahia. Em que pé está a discussão sobre o projeto?

Nós estamos numa casa muito conservadora. A Assembleia tem uma maioria que apoia o governo mas não se organiza em função de um programa, de um projeto para a sociedade. Então, a tramitação de determinados projetos não é fácil. E um projeto como esse é necessário. O campo se modernizou à custa de muita pesquisa, o desenvolvimento do manejo do solo possibilitou a ocupação do cerrado, mas a agricultura orgânica, a agroecologia, ela ainda precisa de muito apoio. E nós temos uma série de programas que inclui a instituição dessa política estadual. É uma coisa normal hoje no mundo. Você chega na Europa e em qualquer esquina encontra um mercado vendendo produtos de origem orgânica. E nós precisamos avançar, dar garantia de pesquisa, conhecimento, fomento, crédito e, sobretudo, comercialização.

O senhor também é autor de um projeto de lei que dispõe sobre a política de desenvolvimento sustentável da pesca e aquicultura na Bahia. Pode explicar melhor o propósito do projeto?

Com certeza, e a minha alegria é que ele já passou pela Comissão de Constituição e Justiça. É um projeto que vem suprir uma necessidade histórica. O estado da Bahia tem o maior litoral e não tem um programa de pesca. Nós temos nossos pescadores sem nenhuma garantia dos seus territórios pesqueiros. Não temos política de incentivo. Temos a Bahia Pesca mas precisamos readequá-la. Ela precisa de ter estímulo para pesquisa e controle dos recursos pesqueiros, senão vamos extinguir tudo. Precisamos ter conhecimento do período de reprodução, de como preservar os pescadores. Esse é um extrativismo que precisa ser organizado e em combinação com o próprio pescador. Tudo isso precisa estar regulamentado. E nós vamos ter o primeiro plano estadual de pesca sustentável do estado da Bahia.

Além de questões relacionadas à terra, ao agronegócio, quais outros temas movimentam seu mandato?

Temos trabalhado com muita força a questão das políticas culturais. Temos uma emenda constitucional para que o Estado aumente para 1,5% do seu PIB o investimento no setor cultural, para ter políticas públicas que deem sustentação à economia criativa. Nós apoiamos também a reorganização da Orquestra Sinfônica da Bahia. Ela estava num modelo que não permitia ter a participação de segmentos privados. Nós trabalhamos muito isso. E eles, em agradecimento, sempre vêm à Assembleia Legislativa. Nós temos também a semana da dança aqui que é fantástica, muito bonita, onde temos a possibilidade de receber grupos do interior, de escolas públicas. Nós incentivamos aqui uma feira cultural, gastronômica, que é a feira agroecológica e da produção orgânica. É uma série de atividades que a gente desenvolve no sentido de aproximar a Assembleia desse mundo aí e trazer o discurso do corpo, que talvez seja até mais verdadeiro do que esse que é feito de forma tradicional.

O senhor está no seu terceiro mandato como representante do PT. Como define o seu apoio ao governador Rui Costa?

É o apoio necessário para viabilizar um projeto que a gente trabalhou a vida toda. Eu sou fundador do PT. Um partido que tem experiência única no mundo. Temos um programa e temos também um governo de coalizão. Geralmente, os deputados quando atacam o governo falam no PT, o governo do PT. Mas temos a participação de outros partidos. Você tem uma coalizão e um programa que é dessa base do governo.

Em que momentos, por exemplo, o senhor se posicionou contra o governo atual?

Nós temos que tensionar para aplicar aquele que é o programa histórico do Partido dos Trabalhadores. Em determinados momentos, há tensionamentos e isso faz parte. Você tem setores que não concordam com o que você falou da reforma agrária, não compreendem a importância de apoiar a cultura. Setores que têm outra visão da segurança pública. Mas é um projeto democrático. É melhor você conviver de forma difícil na democracia do que ter ditaduras. Agora, a gente precisa frisar isso: é um governo de forças que se juntaram que vem dando certo e nós esperamos que vai continuar. Vamos nos esforçar para isso.

O nome do ex-governador Jaques Wagner aparece mais uma vez como provável candidato do PT ao governo estado. O senhor concorda com a indicação?

É um dos melhores nomes, não só do PT como da própria coalizão. O que Jaques Wagner conseguiu implementar foi um novo período civilizatório do ponto de vista da política. Nós vivíamos um período em que se batia em prefeitos, não se atendia prefeitos de oposição, se desrespeitava a vontade do povo. E Jaques Wagner traz isso para o nosso estado. Ele passa a atender de forma civilizada, a respeitar que quem escolhe o prefeito é o povo. Essa é a maior obra do governo Jaques Wagner fora a infraestrutura. Eu diria, com certeza, que é o melhor nome que temos a oferecer à sociedade. Ele tem uma habilidade muito grande de construir consenso, conviver com as diferenças. Vai ter como construir essa unidade em toda a base do governo.

Como é que o senhor avalia a posição de partidos como o PP, do vice-governador João Leão, de pleitear a cabeça de chapa na disputa pelo governo?

Nós estamos num governo de composição. Tem ali, historicamente, aqueles que já vieram desde a fundação. Tem o PC do B, o PSD, o PP. Então, se você se dispõe a colaborar, é legítimo você também pleitear. Qualquer um que compõe a base do governo pode, num determinado momento, também querer governar. Mas vai resultar do próprio consenso que é construído. Eu acho, por exemplo, que Jaques Wagner é o melhor nome por reunir essas condições, de conviver com as diferenças, de construir unidade. Foi ministro, foi governador, enfim, tem todas as condições. Mas é natural que os outros partidos também preiteiem.

Na Bahia, a disputa pelo governo nas eleições de 2022 deve ser polarizada entre Jaques Wagner e ACM Neto ou a Bahia tem espaço para o crescimento de uma candidatura bolsonarista, por exemplo, que represente uma terceira via?

O bolsonarismo não é uma terceira via. Eu diria a você que nós temos uma grande polarização da própria sociedade brasileira que quer voltar a ter emprego, a viver com vida digna, que quer acabar com a fome. E isso está sintetizado no projeto que representa Bolsonaro. Ali, a extrema direita comandando, mas a sustentação é da direita. São os neoliberais que sustentam e eles nunca se colocaram nesse país como sendo extrema-direita. ACM Neto, por exemplo, foi um dos que apoiaram. O DEM tem ministro no governo Bolsonaro. Então, não tem como você separar ACM Neto de Bolsonaro. A direita tem uma certa diferença é com a falta de educação de Bolsonaro, o jeito dele. Mas ele é funcional aos interesses. O setor financeiro nunca ganhou tanto. Ele é funcional ao interesse do setor agrário mais atrasado que financiou esse movimento todo. Ele é funcional à direita e aos liberais. A polarização da sociedade brasileira é se livrar desse projeto, é voltar à democracia, à liberdade. E aqui na Bahia não tem essa história de terceira via. Tem quem está contra esse projeto de extrema direita e quem está a favor da democracia e da liberdade. Aqui na Bahia é a mesma coisa. Qual é a diferença do [ministro da Cidadania] João Roma para ACM Neto? João Roma foi uma cria de ACM Neto. Eu venho daquele tempo lá do ACM Avô. O ACM avô fazia esse jogo com a ditadura. Quando Tancredo Neves ganhou, ele pulou de barco logo e eles vão pulando de acordo com as suas conveniências. Então, não existe esse negócio de terceira via. Nós temos é que lutar para não deixar esse projeto que é neofascista ser implantado no Brasil.

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