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Tema de matéria do A TARDE, “ACM Neto pardo” causa indignação

Parlamentares e internautas reforçam críticas de militantes históricos; humoristas satirizam situação

Publicado domingo, 25 de setembro de 2022 às 16:31 h | Atualizado em 25/09/2022, 22:03 | Autor: Da Redação
Prefeito de Salvador entre 2013 e 2020, ACM Neto (UB) concorre nestas eleições ao cargo de governador pela primeira vez
Prefeito de Salvador entre 2013 e 2020, ACM Neto (UB) concorre nestas eleições ao cargo de governador pela primeira vez -

A reportagem “ACM Neto ‘pardo’: entre o afro-oportunismo e a fraude eleitoral”, publicada pelo portal A TARDE neste domingo, 25, causou repercussão entre políticos e seguidores da página do Instagram onde ela foi divulgada.

O recorte histórico, delimitado desde a vinda de Spike Lee a Salvador, em 2013, quando o cineasta constatou a ausência de negros nos círculos de poder público da Bahia, até os dias atuais, em que o candidato ACM Neto (UB) se autodeclarou pardo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), passando também pela ausência histórica da existência de um governador negro na Bahia ou um prefeito negro em Salvador, estimulou o debate racial entre leitores e autoridades.

“O que ele fez é muito sério e muita gente não tem noção das intenções nefastas desse homem”, comentou a leitora Annyy Dadde sobre ACM Neto. O leitor Kelvin Foky, por sua vez, disse ter mudado de candidato com o episódio. “Ele perdeu meu voto. Agora é Jerônimo”, escreveu.

Líder do PT na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), Osni Cardoso afirmou que o desconhecimento do ex-prefeito de Salvador sobre temas relacionados a questões raciais, apresentados na reportagem, prova a sua artificialidade política.

“Isso deveria ser conhecimento básico para qualquer gestor que se preocupasse de verdade com os avanços de indicadores socioeconômicos da população negra da cidade que administra”, disse.

Colega de Osni na casa legislativa, o deputado estadual Alex Lima (PSB) enxerga que o objetivo de ACM Neto (UB) seja o de desacreditar as políticas de reparação racial promovidas no país.

“A reportagem do jornal A Tarde foi precisa em ver os riscos que esse tipo de canalhice pode trazer para uma série de avanços que a população negra conquistou ao longo dos últimos anos”, opinou.

Oposição ao grupo do político do União Brasil na Câmara Municipal de Salvador, o vereador Henrique Carballal (PDT) chamou a autodeclaração de ACM Neto como pardo de desserviço à luta por igualdade e justiça racial.

“O lado de lá enxerga a pauta racial como oportunidade para brincar e enganar, não tem o mínimo compromisso”, alfineta.

Também indignado, o secretário de Combate ao Racismo do PT Bahia, Ademário Costa, diz que é inaceitável ver um “candidato branco, rico, dono da TV Bahia, de um grupo que sempre foi contra as cotas, se declarar negro visando obter mais verbas do fundo eleitoral”.

“Além de afirmar que o erro é do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], insiste em dizer que é pardo, só porque era chamado de moreno na infância. Agora perguntamos: quantas vezes ele foi parado em blitz por ser moreno?”, questionou Ademário.

A situação que envolve o candidato a governador da Bahia também tem repercutido fora do estado. A antropóloga, historiadora e professora da Universidade de São Paulo, Lilia Moritz Schwarcz, enxerga oportunismo  no movimento do ex-prefeito da capital baiana.

“A família toda [de ACM Neto] nunca se identificou com políticas para a população negra, então não pode uma pessoa como ele usar desse expediente simbolicamente tão relevante”, discorre. “O intuito foi se valer justamente de políticas que precisam beneficiar populações que estiveram fora do jogo político durante tanto tempo”, completa Lilia, que também se manifestou no Instagram neste sábado, 24.

Humor

Entre discursos indignados e risadas sem querer, a exemplo do que aconteceu a apresentadora da Globonews, Julia Dualibi, surgiram também vídeos que se propuseram a retratar a situação com humor, sem deixar de alfinetar o ex-prefeito de Salvador.

“Eu acredito que os vídeos que viralizaram, tanto o meu quanto o de João [Pimenta], tenha influenciado na campanha, porque ele está questionando algo que todo mundo está vendo. A família de ACM Neto é branca. Assim como ele tem a escolha de autodeclarar-se pardo, a sociedade tem a escolha de achar graça”, disse o ator Daniel Ferreira, que fez um vídeo satírico em que simula uma situação em que a população de Salvador atinge 100% em autodeclaração como parda.

“Os comediantes muitas vezes têm medo de falar sobre política, por retaliação, perder trabalho, mas a política faz parte da sociedade. Sem política, a gente não consegue gerir um condomínio”, conta Daniel, que também faz críticas ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). “Meu objetivo é sempre apontar algo que eu acho que cabe uma crítica. Como aconteceu com a motociata [de Bolsonaro]”, relata.

Também autor de um vídeo satírico sobre a autodeclaração de ACM Neto como pardo, Matheus Buente diz que a repercussão sobre sua publicação tem sido boa. “Eu não tenho recebido críticas sobre isso não. As pessoas têm rido, entendido que é uma piada, ao mesmo tempo que têm refletido sobre o quão ridícula é a declaração do candidato”, conta. “Nossa cidade é majoritariamente composta por pessoas negras de fato. Quando ACM Neto se autodeclara pardo, ele ofende toda a questão racial e cultural de uma cidade inteira. É complicado olhar para uma pessoa fenotipicamente branca e defender que ela não é branca”, conclui Matheus. 

Fraude

Na reportagem “ACM Neto ‘pardo’: entre o afro-oportunismo e a fraude eleitoral”, um dos pontos citados é que ACM Neto, ao se declarar pardo, pode ter cometido fraude eleitoral para ter acesso a mais recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral – o que, em algumas análises, poderia ser passível até de cassação de registro da candidatura.

A tese é reforçada pela constatação de que o candidato inicialmente se registrou como “branco” na Justiça Eleitoral e alterou a autodeclaração para “pardo” alguns dias depois. Isso ocorre porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, em 2020, que a distribuição da verba do Fundo Eleitoral deveria ser feita proporcionalmente, pelos partidos, de acordo com o número de candidatos que se autodeclaram pretos e pardos. 

Assim, se uma legenda tem 50% dos candidatos autodeclarados negros (pretos e pardos), metade da verba destinada para o partido deve ser aplicada nesses candidatos. No caso do União Brasil, que tem em ACM Neto um dos principais beneficiários do Fundo Eleitoral no País – é o segundo que mais recebeu recursos do partido, atrás apenas da candidata a presidente pela legenda, Soraya Tronicke –, a divisão do fundo entre os candidatos de diferentes etnias ficaria “maquiada”, o que o beneficiaria financeiramente, além de fazer seu partido ter mais facilidade em cumprir a proporção exigida pelo TSE.

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