ENTREVISTA EXCLUSIVA
Lula: 'Não há país desenvolvido que não tenha investido em educação'
Em entrevista exclusiva ao A TARDE, presidente da República falou sobre meta fiscal, juros e eleições municipais
Por Equipe de Política de A TARDE
O presidente Lula desembarca hoje em Salvador, onde cumpre agenda com o governador Jerônimo Rodrigues, e participa amanhã das comemorações do 2 de Julho. Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, ele disse que o governo pode cortar gastos para cumprir o arcabouço fiscal e voltou a criticar a política de juros do Banco Central.
Lula também descartou a tese de que as eleições municipais podem servir para testar a aprovação ao seu governo e defendeu que a polarização com a extrema-direita é tarefa de todo o campo democrático, e não apenas do PT e partidos de esquerda. “A direita que aceitar a pauta da extrema-direita será engolida por ela”, alertou.
Confira a entrevista completa:
Em 2023, o senhor afirmou que o 2 de Julho é a principal etapa da independência do Brasil e elogiou a participação popular no cortejo das comemorações em Salvador, das quais tem participado seguidamente desde 2021. O governo federal pretende efetivamente nacionalizar essa data? Que passos poderão ser dados nesse sentido?
"Estou muito feliz de participar mais uma vez, como presidente da República, das comemorações do 2 de julho. Essa data é o símbolo da luta do povo baiano pela independência, a liberdade e a justiça, um exemplo para todos os brasileiros e brasileiras. A nacionalização da comemoração é uma proposta interessante. Podemos propor no Executivo, mas em articulação com a bancada baiana, porque precisa ser debatida e aprovada pelo Congresso".
O povo baiano tem alguns sonhos que dominam as pautas políticas do estado há alguns anos. Um deles é a ponte Salvador-Itaparica, mas ainda não há acordo entre o governo da Bahia e a concessionária por um reequilíbrio econômico-contratual. Outro é a duplicação da BR-116, administrada pela controversa ViaBahia. O quanto o governo Lula está disposto a intervir, inclusive financeiramente, para tornar sonhos como estes realidade?
"Há um grande esforço do governador Jerônimo e do ministro Rui Costa em acelerar a obra da ponte Salvador-Itaparica, inclusive com conversas com a China. Ela está hoje em fase de sondagens do solo. A pandemia atrasou e encareceu o seu custo, mas vamos avançar. Grandes obras não são fáceis, é muito importante ter empenho e diálogo para tirar projetos grandes, como a transposição do São Francisco ou a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, do papel. A discussão do trecho de duplicação na BR-116 está no TCU e o Ministério dos Transportes está conversando com a concessionária para encaminhar as obras o mais rápido possível, já que esse assunto estava abandonado quando assumimos. A falta de interesse da gestão federal anterior por projetos estruturantes para o país trouxe um cenário de retrocessos, mas nós mudamos essa realidade e estamos comprometidos com o desenvolvimento de todas as regiões do Brasil".
O senhor tem sido questionado sobre responsabilidade fiscal desde a transição de governo. De lá para cá, o governo teve sucesso em algumas ações para aumento de receitas, mas fracassou em outras tentativas. Neste momento, o senhor já considera a possibilidade de cortar gastos para cumprir o determinado no arcabouço fiscal?
"Importante lembrar que quem propôs o arcabouço fiscal foi o próprio governo, que contou com o apoio da maioria dos parlamentares para aprová-lo no Congresso. Então, é claro que vamos cumpri-lo. Estamos analisando onde é possível fazer cortes e se há abusos em alguns programas. O que tenho dito, e repetido, é que os cortes não podem penalizar os mais pobres, que mais precisam do Estado".
Os dados da economia são muito positivos, com aumento do PIB, avanço do emprego e da renda. Acho que existe muito pessimismo artificial de certos setores, que não se confirma na prática
Desde 1980, a média de crescimento anual do PIB brasileiro está em 2,3% - neste século, de 2001 para cá, registra os mesmos 2,3%. Os dados estão em linha - levemente abaixo - do crescimento registrado no mundo nesses períodos e consideravelmente abaixo de países como Índia (7,8% ao ano desde 1980), Turquia (5,7%), China (5,3%) e até os Estados Unidos (2,9%). Ou seja, no cenário global, o Brasil não consegue avançar, apesar de suas muitas potencialidades. Na sua opinião, qual o principal gargalo que impede um crescimento mais vigoroso e constante de nossa economia? Como corrigi-lo?
"O nosso maior gargalo são os juros altos, um dos maiores do mundo, que encarecem o crédito e limitam a atividade econômica. Outro problema é o histórico de séculos sem investimentos em educação. Não há país desenvolvido que não tenha investido em educação. Por isso que, mesmo sem diploma universitário, sou o presidente que mais construiu universidades e institutos federais de ensino em toda a história desse país".
"O Brasil tem inflação baixa, um projeto consistente de retomada de obras de infraestrutura, um governo responsável, reservas internacionais, recordes de balança comercial. A média de crescimento do PIB nos meus dois primeiros mandatos foi de 4,1% e agora, no terceiro, já estamos crescendo acima das expectativas do mercado. Eu espero que os juros baixem e que aproveitemos as oportunidades que a transição energética, nossa agricultura, nossas empresas e a inclusão dos mais pobres podem trazer para fazer a roda da economia girar e construirmos um crescimento inclusivo, sustentável, constante e mais vigoroso".
Está se aproximando o momento da escolha do novo presidente do Banco Central e o senhor tem dito que ainda não se decidiu sobre o nome. Mas qual é o perfil que o governo deseja para o posto: um mais ortodoxo, no estilo de Henrique Meirelles (presidente do BC nos seus primeiros mandatos), ou um mais heterodoxo, como os economistas mais ligados ao PT?
"Acho que um presidente do Banco Central precisa ter o compromisso com o controle da inflação - até porque a inflação penaliza principalmente os mais pobres -, mas também com o crescimento do país. Precisa ser alguém com muito senso de responsabilidade com o Brasil".
As eleições municipais serão o primeiro grande teste de aprovação do seu governo e de medição de forças com os partidos hoje dominantes no Congresso. Qual a expectativa de expansão do PT e dos partidos de esquerda e em que medida se dará sua participação nas campanhas?
"Não vejo a eleição municipal como um teste para o governo federal. As eleições para as prefeituras envolvem muito mais as questões e debates locais. As pessoas estão julgando as administrações dos seus prefeitos. Aliás, no governo federal, nós trabalhamos e fazemos parcerias institucionais com todos eles, independentemente de partido e de linha política.
No caso das eleições, o que espero é que os brasileiros valorizem seu voto e apoiem políticos que defendem a democracia e o diálogo e digam um sonoro não aos negacionistas da democracia e da ciência
A eleição para a presidência da Câmara dos Deputados está se aproximando, temos dois nomes baianos entre os favoritos: Elmar Nascimento e Antonio Brito. Qual a sua avaliação dos dois quadros? O Planalto pretende apoiar algum candidato?
"A eleição da Câmara é uma questão dos deputados. O Planalto não pretende se envolver. Vamos trabalhar e dialogar com o presidente que a Câmara escolher".
O PT polarizou durante décadas com o PSDB. Hoje, o PT e a centro-esquerda vivem um cenário de polarização com extrema-direita, que disputa hoje o domínio de pautas conservadoras, inclusive no plano mundial. A esquerda perdeu o espaço para a direita no debate de ideias? O que o Sr. acha que deve ser feito para 'barrar' a expansão do discurso de extrema direita no mundo? E como dialogar e manter relações diplomáticas com as lideranças desse campo político?
"Não é apenas o PT e a centro esquerda que polarizam com a extrema direita. É o campo democrático, todos aqueles que lutam contra a mentira, a intolerância e o negacionismo. A direita que aceitar a pauta da extrema direita será engolida por ela".
Não dá para achar normal a insanidade que foi o governo anterior, as centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas na pandemia. A não aceitação do resultado das eleições. Eu acho que temos que ter mais democracia, mais alianças entre os que defendem a democracia mesmo que de correntes políticas distintas, e democracia com resultados concretos para conquistarmos o apoio da maior parte da população e continuarmos derrotando a extrema direita, como fizemos nas eleições de 2022.
Nos seus primeiros anos de mandato, o senhor mudou a cara do Brasil com os programas sociais, a exemplo do Bolsa Família, Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida e outros. Mesmo com a retomada desses programas, neste terceiro mandato, o governo ainda não consegue imprimir uma marca como no início. O que falta para o Lula 3 alcançar o feito? Como melhorar a percepção do brasileiro para o trabalho que o Governo vem desempenhando?
"Estamos reconstruindo o Brasil e isso não é pouco. A começar pela democracia, o respeito e o diálogo entre os Poderes. Não podemos esquecer que a gestão anterior perseguia adversários políticos, ignorava governadores e prefeitos por serem de outros partidos. No meu primeiro ano de governo, viajei por todo o mundo para reconstruir a imagem e o respeito pelo Brasil lá fora. Temos um projeto de desenvolvimento inclusivo com um governo que efetivamente governa, tem projetos, responsabilidade e rumo".
"Essa é a marca desse governo. E os resultados começam a aparecer. 24 milhões de brasileiros deixaram de passar fome. A renda cresce com a valorização do salário mínimo. A economia volta a avançar. Estamos com a menor taxa de desemprego desde 2014. Nunca tive um governo tão intenso, que fez tanto em tão pouco tempo. Plantamos muito e vamos colher. Eu quero e vou fazer mais nesse meu terceiro mandato do que nos dois primeiros".
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