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ENTREVISTA - FABRIZIO PELLICELLI

‘Precisamos incluir os vulneráveis nas soluções para crise climática'

Presidente de organização internacional defende prioridade para os mais afetados pelas mudanças climáticas

Por Divo Araújo

07/04/2025 - 6:00 h
Fabrizio Pellicelli
Fabrizio Pellicelli -

Criada na Itália, a Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI) atua no Brasil desde 1982, apoiando populações em situações de calamidade — da seca na Amazônia às chuvas no sul da Bahia e às inundações no Rio Grande do Sul. Essas experiências reforçaram a missão da organização no enfrentamento da injustiça climática, como explica o presidente da AVSI Brasil, Fabrizio Pellicelli, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.

"É evidente que as mudanças climáticas criam uma grande vulnerabilidade para as pessoas em situação de maior pobreza. Quando falamos de resiliência climática, falamos em melhorar as condições de vida dessas pessoas", explica. Para o arquiteto italiano, que mora há 30 anos em Salvador, a capital baiana está particularmente vulnerável à crise climática por causa da ocupação desordenada. Saiba mais na seguinte entrevista.

Por que a AVSI Brasil decidiu priorizar a promoção da justiça climática em seu plano estratégico de 2025, e qual a importância desse tema para o Brasil e o mundo?

A AVSI é uma organização sem fins lucrativos que nasce na Itália e atua em 42 países, incluindo no Brasil desde 1982. Nos últimos anos, a AVSI, coerente à sua missão, percebeu que muitas pessoas em situação de vulnerabilidade foram afetadas por desastres climáticos. Nós atuamos na crise climática na Amazônia, atuamos no sul da Bahia nas inundações, em Petrópolis, em São Sebastião e agora em Porto Alegre. Ou seja, em todos os grandes desastres climáticos, a nossa organização foi chamada a responder à necessidade das pessoas em situação de vulnerabilidade. E percebemos que a realidade estava pedindo uma atenção particular para essas populações mais vulneráveis. O que é importante colocar é que nossa organização entra no tema climático com uma grande provocação, porque o centro da nossa missão são as pessoas. Essas pessoas vivem em um ambiente que pode ser a natureza ou a cidade. E começamos a entender este nexo muito forte entre o desenvolvimento da pessoa e o ambiente onde ela vive. É evidente que as mudanças climáticas criam uma situação de grande vulnerabilidade para as pessoas que vivem em situações de maior pobreza. Entendemos que, quando falamos de resiliência climática, falamos de melhorar as condições de vida destas pessoas. É uma ação fortemente inerente à nossa missão institucional. É para isso que estamos engajados.

O aumento da temperatura global já impacta o cotidiano e tende a se intensificar no futuro. Como as mudanças climáticas afetarão as comunidades mais vulneráveis?

É evidente que a crise climática tem um impacto muito maior sobre as pessoas em situação de vulnerabilidade. Por quê? Porque são pessoas que ocupam, por exemplo, áreas nas cidades com risco de inundações e, portanto, estão sujeitas de forma muito forte aos fenômenos climáticos. Evidentemente, isso implica que a crise climática afeta de forma muito mais sólida as pessoas pobres em situação de informalidade e que vivem em áreas de favelas. O Brasil tem uma população muito numerosa que vive neste contexto. Existe um conceito de justiça climática - ou seja, as pessoas que são mais pobres e menos incidem nos efeitos climáticos, são aquelas que sofrem um impacto maior. Isso implica uma atenção particular a esses grupos vulneráveis.

Como a AVSI Brasil pretende engajar governos, sociedade civil e setor privado na conscientização sobre a urgência da Justiça Climática?

Evidentemente, quando falamos de resposta à crise climática, falamos de uma temática muito ampla. Nós falamos que é precisa uma abordagem holística, integral. No sentido holístico, para realmente criar as condições para que as pessoas sejam mais resilientes aos fenômenos. Portanto, que elas tenham mais infraestrutura, capacidade econômica e proteção social. E, para isso, é necessária uma grande aliança. Todas as políticas públicas têm que se direcionar a esse território, não somente na infraestrutura, mas também de educação, saúde, desenvolvimento econômico. E também todos os atores da sociedade civil, o setor privado, que é também um grande ator, e a comunidade internacional. Somente através de uma aliança de muitos atores será possível atuar na resposta à crise climática no mundo.

A crise climática está em pauta em diversas nações. Como a AVSI Brasil tem abordado essa questão no país e quais são suas principais ações nessa área?

Nós entendemos que a atuação da AVSI se direciona em duas grandes temáticas. Uma é na questão da adaptação climática. Ou seja, tentar resolver os impactos que estão sendo gerados por parte da crise climática, principalmente nas comunidades vulneráveis. Nesse sentido, a AVSI, que tem como missão estar junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade, pode ajudar os governos, os políticos e os atores internacionais a entrar em relação com essas pessoas e criar planos para responder à crise climática. O segundo grande ponto é que a nossa organização há muitos anos atua na temática energética, principalmente eficiência energética, como uma forma para reduzir a emissão de CO2 na atmosfera. Portanto, nós temos duas grandes ações: uma de mediação, mas também colocando a redução da emissão de CO2 como nossa prioridade para a crise climática.

AVSI Brasil considera a conscientização das populações mais vulneráveis o caminho eficaz para promover a justiça climática? De que forma isso pode ser feito?

Existe um conceito que é muito claro: para atuar na crise climática é preciso envolver toda a população. Não somente a classe rica, mas principalmente as pessoas mais vulneráveis. Isso é muito importante, porque precisa-se cocriar soluções. A solução não pode ser exclusivamente de um grupo, mas de toda a população. Nesse sentido, nós entendemos que a população que é mais afetada, que são as populações vulneráveis, tem que ser engajada de forma muito efetiva. Para eles mesmos criarem - junto com os atores públicos, privados, da cooperação internacional -, respostas concretas nas suas comunidades. Entendemos que esse tema da cocriação implica um engajamento direto, uma participação efetiva, e uma participação também nos modelos de gestão das suas respostas nas comunidades. Sem o engajamento das populações vulneráveis, entendemos que não teremos uma resposta eficaz a esse grande tema que é a crise climática.

O senhor acredita que a educação desempenha um papel crucial na redução das desigualdades, especialmente no contexto das mudanças climáticas?

Falar de justiça climática significa criar condições para que a população em situação de vulnerabilidade possa ser mais resiliente. Para isso, precisamos gerar desenvolvimento. E o motor do desenvolvimento é a educação. Educação significa também preparar as comunidades para serem mais ativas nas respostas. Criar modelos para que elas mesmas sejam as protagonistas. E educar para as comunidades entenderem que precisam ter uma postura que mantenha não só elas mais seguras, como também as futuras gerações. Portanto, a educação é um fator central quando falamos de justiça climática. Não se pode pensar somente em uma resposta imediata.

O senhor defende a priorização das “soluções baseadas na natureza” em vez das soluções tradicionais de “infraestrutura cinza” para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Quais seriam os passos concretos para implementar essas soluções de forma eficaz?

Precisamos entender que, para combater os efeitos das mudanças climáticas, não se trata de uma questão exclusivamente de infraestrutura. Precisamos de soluções que gerem mais benefícios. Primeiro, devemos evitar soluções baseadas somente no concreto, utilizando sistemas naturais para melhorar a infraestrutura das comunidades. São soluções que permitem, por outro lado, gerar riqueza para as populações carentes, oferecendo um sustento, uma forma de ter uma vida melhor. As soluções baseadas na natureza têm outro elemento importante: o de inserir dentro das comunidades lugares bonitos, verdes. Eu entendo que um espaço bonito, harmônico, é com certeza um fator central para se poder viver melhor. Portanto, as soluções baseadas na natureza vão muito além da infraestrutura. São modalidades onde a natureza pode ser um viés para substituir a infraestrutura clássica cinza, mas também para criar espaços mais bonitos, onde a comunidade possa viver melhor. Mas isso implica um comprometimento muito forte da comunidade, porque as soluções baseadas na natureza são espaços vivos. Precisamos mantê-los durante o tempo. E se a comunidade não se engaja, não cria soluções junto aos governos e outros atores, essa vida dura pouco. Isso implica um novo modelo de gestão, de aliança entre a comunidade e os governos para poder gerar projetos durem no tempo e que permitam espaços mais bonitos, onde as pessoas vivam melhor e tenham benefícios econômicos com essas soluções.

Outra estratégia da AVSI Brasil para promover a Justiça Climática é a articulação de diversos setores para uma intervenção intersetorial, considerando as características específicas de cada localidade. Por que essa abordagem integrada é tão essencial para enfrentar os desafios climáticos?

Acreditamos que para poder gerar soluções à crise climática, precisamos entender primeiro que cada comunidade tem sua história, sua identidade, sua tradição, sua forma de se engajar. Por isso, é realmente importante conhecer essas pessoas, de que forma estão presentes em suas comunidades, como se agregam para responder às suas necessidades. Sempre digo que o ponto de partida é conhecer a realidade específica das comunidades, definir os grupos mais vulneráveis e, junto com estes grupos, definir soluções integradas. Junto com as comunidades, governos e instituições internacionais. Mas é preciso partir das peculiaridades que cada comunidade tem. Para isso, é preciso investir muito na presença nestas comunidades e no diálogo. Para que junto com elas se possa cocriar soluções e gerar resiliência contra as mudanças climáticas.

Há quanto tempo a AVSI está presente no Brasil? Poderia nos contar sobre a trajetória da organização e os principais marcos de sua atuação no país?

A nossa organização atua no âmbito internacional. Chegamos ao Brasil nos anos 80, atuando nas áreas informais, nas favelas de Belo Horizonte. De lá, entramos em contato com esta realidade que é aparentemente vulnerável, mas descobrimos um patrimônio social incrível dentro destas comunidades. Partindo de Belo Horizonte, nós chegamos em Salvador em 1992. Temos uma presença histórica no subúrbio de Salvador. Atuamos fortemente em programas de desenvolvimento urbano integrado no subúrbio da cidade de Salvador. E também aprendemos muitas coisas. Aprendemos que é verdade que existe uma necessidade humana, mas existe um patrimônio enorme destas pessoas que precisa ser valorizado. A AVSI chega para ajudar as pessoas a encontrar junto conosco soluções para o seu desenvolvimento. E temos um ponto muito claro. Existe sim necessidade nas comunidades vulneráveis, mas existe um patrimônio. Precisa partir do positivo daquilo que existe, valorizando isso, e junto com ele criar soluções, agregando governo e outros aliados necessários para esta transformação. A AVSI hoje é uma organização brasileira. Somos reconhecidos como uma organização sem fins lucrativos com estatuto brasileiro. Atuamos em três estados da federação. Atuamos em mais de 50 programas direcionados à população vulnerável. E tentamos realmente responder cada dia à necessidade humana destas pessoas através de respostas concretas. Pode ser educação, saúde, energia, habitação... Tudo o que é necessário para que estas pessoas possam ter uma vida melhor e possam redescobrir a sua plena dignidade através de um protagonismo dentro da sua vida.

O senhor mora em Salvador, uma cidade conhecida pela ocupação desordenada. De que maneira as populações dessas comunidades são mais vulneráveis aos impactos da crise climática?

Eu sou italiano de origem e moro aqui há quase 30 anos. Realmente aprendi muito com Salvador. Aprendi muito com as comunidades chamadas vulneráveis. Mas, repito, é preciso olhar o lado também muito positivo dessas pessoas. Não somente a vulnerabilidade. Realmente Salvador é uma cidade caracterizada pela alta informalidade. E é uma cidade onde estão crescendo muito as áreas informais. Nós temos um dado que mostra que, nos últimos 30 anos, aumentou oito vezes a informalidade em Salvador. Ela é uma cidade, portanto, muito crítica do ponto de vista do impacto das mudanças climáticas. Porque é exatamente essa população mais sujeita aos efeitos negativos das mudanças climáticas. Salvador, como tantas capitais do Brasil, tem um grande desafio. Um desafio que parte, acho, de um patrimônio muito grande. Salvador realmente atua historicamente com programas de referência de desenvolvimento urbano integrado, de regularização fundiária. Isso ajuda muito a poder integrar, a partir de todo esse patrimônio, uma resposta mais integrada, mais holística para a questão climática. Mas esse é um desafio de todas as grandes capitais do Brasil. Esse será o grande desafio dos próximos 10, 15 anos: como melhorar as condições dessas comunidades vulneráveis a partir da mudança climática, que é muito presente.

Uma das primeiras medidas do presidente Donald Trump foi retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris. O senhor teme que essa decisão, vinda de um dos maiores emissores de gases de efeito estufa no mundo, possa representar um retrocesso significativo na luta global contra o aquecimento climático?

Todo mundo ficou surpreso, porque os Estados Unidos são o maior emissor de CO2 no mundo. Sabemos que a crise climática é global, não depende só de um território. Mas o fato deles se afastarem do acordo de Paris preocupa todo cenário internacional. Isso preocupa muito, por causa das emissões de CO2, mas também preocupa porque os EUA eram um grande ator que financiava a agenda global. São dois grandes temas que devemos enfrentar nos próximos anos. Ainda não está clara essa dinâmica, mas eu espero, obviamente, que possa realmente se retornar uma sensibilidade também sobre a agenda de Paris por parte do governo americano.

Em novembro deste ano, o Brasil sediará a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30. Qual é a sua expectativa em relação à inclusão da justiça climática no debate durante o evento?

A COP 30 será um evento histórico, muito importante, também porque temos um contexto mundial muito particular, como falamos antes. Por exemplo, a saída do governo americano do Acordo de Paris é um elemento de grande preocupação porque será discutida a forma de financiamento internacional. Precisa de muitos recursos para combater a crise climática. Precisa de muitos recursos para atuar nas comunidades mais afetadas. Isso realmente será um tema em discussão. O Brasil, eu acho, que fará um grande trabalho e colocará o tema da justiça climática como o centro da COP 30. Porque, como falamos, o Brasil vive cotidianamente este tema. É um país tropical que vive muito essa sensibilidade climática, mais precisamente porque entende que as pessoas pobres são aquelas que menos emitem CO2 e são as mais afetadas. Portanto, eu tenho a expectativa que o Brasil será capaz de sensibilizar muito a agenda global sobre esta temática do financiamento global para poder reduzir a emissão, mas também para poder encontrar formas para que as pessoas que vivem em situações de vulnerabilidade possam ser ajudadas a estar mais aptas a esta mudança climática. Eu tenho a certeza que a COP 30 terá um papel muito importante. Espero vivamente que possa abrir um diálogo para que todos os países possam realmente juntos encontrar uma solução para este tema global.

Raio-X

Fabrizio Pellicelli é mestre em Arquitetura, com especialização pela Universidade de Roma. Atua como presidente da AVSI Brasil desde 2014 e como gerente regional da Fundação AVSI na América Latina desde 2018. Possui vasta experiência no planejamento de programas de desenvolvimento social, econômico e ambiental, além de iniciativas de proteção social e adaptação às mudanças climáticas. Lidera programas de cooperação internacional, incluindo ações de acolhimento e integração socioeconômica de migrantes e refugiados venezuelanos, em parceria com a ONU, governos e o setor privado.

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