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DÉCADAS DE DESCASO

Poluição da Tronox é notícia há mais de 30 anos em A TARDE

Motivados pelas reportagens recentes, pescadores manifestam sua indignação

Por Alan Rodrigues

02/12/2023 - 0:00 h
Água contaminada compromete a atividade pesqueira no entorno da Tronox
Água contaminada compromete a atividade pesqueira no entorno da Tronox -

Não é de hoje que a Tronox perturba o sossego dos moradores de Areias, Arembepe, Jauá e outras localidades do litoral norte baiano, no município de Camaçari. Os resíduos que contaminam o ar e o subsolo também comprometem a vida marinha e a subsistência de pescadores.

Desde que A TARDE começou a acompanhar o inquérito do Ministério Público que apura o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2012 para monitorar a emissão de resíduos de metais pesados, alguns leitores, também pescadores, procuraram o grupo para lembrar das denúncias feitas há mais de 30 anos.

Um deles é Luiz Edmundo Oliveira, que trabalhou 19 anos na Embasa e por 30 anos viveu em Armação. Ele escreveu um livro, chamado “Histórias de pescador”, onde dedica um capítulo à poluição causada pela Tibrás, empresa que viria a se chamar Tronox.

“São muitos anos brigando com a Tibrás por causa da poluição”, lembra Luiz Edmundo, que participava de grupo de pescadores. “Posso dizer que o sulfato ferroso lançado pela Tibrás no mar era altamente prejudicial”.

Segundo ele, a substância, que já foi usada pela Embasa para floculação de partículas em suspensão, isola o fundo do mar e acaba com a cadeia alimentar. “A Tibrás não era nem para se instalar ali, vários países rejeitaram na Europa”, indigna-se o aposentado, que considera a fábrica de pigmentos uma “herança maldita de ACM”, referindo-se ao ex-gpvernador do estado, falecido em 2007.

Luiz Edmundo lembra que, além da poluição causada no subsolo, a Tibrás poluía o oceano. Sobre isso, ele escreveu em 1995 para duas revistas de circulação nacional, texto incorporado ao seu livro publicado em 2017, cuja transcrição ele autoriza.

“A poluição oceânica que hoje se verifica no estado da Bahia é alarmante e deveria merecer, por parte das entidades ecológicas, providências drásticas e efetivas para que o quadro seja revertido.

A TIBRÁS - Titânio do Brasil S/A, é, sem dúvida alguma, a maior responsável pelo alto grau de poluição que existe - e piora a cada ano - com gravíssimas consequências para a vida marinha na região.

Tendo sua instalação negada em vários outros países, a TIBRÁS foi montada há cerca de 25 anos atrás em nossa orla marítima, na aprazível localidade de Arembepe e, tão logo iniciou sua operação, passou a despejar diariamente toneladas de sulfato ferroso, ácido sulfúrico e outros resíduos industriais no leito do oceano Atlântico, através de um emissário submarino. (...)

Como pescador amador, juntamente com outros companheiros, podemos testemunhar que, antes da TIBRÁS, havia na região uma imensa quantidade de peixes, tais como garoupas, guaricemas, chicharros, vermelhos, atuns, bonitos, cavalas, alvacoras, xaréus, etc.

Atualmente, quase sempre, se a isca permanece por mais que 10 minutos no fundo do mar, quando é puxada, está completamente tingida de um amarelo/amarronzado, fruto da contaminação pelo sulfato ferroso. Maioria das vezes, até a corda da poita, quando recolhida, está completamente marrom”.

José Luís Matos, médico do trabalho, de 86 anos, foi fundador da colônia de pescadores Z-6 (Itapuã) e por muitos anos pescou ao lado de Luiz Edmundo. Acompanhando as reportagens de A TARDE, ele escreveu para o jornal para lembrar de reportagem veiculada em 1992, quando a Tibrás já era apontada como responsável pela contaminação do mar.

A TARDE denuncia poluição ambiental da Tronox (antiga Tibrás) há mais de 30 anos
A TARDE denuncia poluição ambiental da Tronox (antiga Tibrás) há mais de 30 anos | Foto: 20/01/1992 | Cedoc A TARDE

Ele lembra que o emissário submarino de 1 km de extensão, tinha 800 metros sob a terra e apenas 200 metros no mar, lançando os resíduos muito próximo da costa. “Desaguava em frente fábrica.”, recorda-se José Luís.

O médico explica eu a produção de titânio é feita a partir da ilmenita, rocha importada da África do Sul, rica em ferro, tratada com ácido sulfúrico para separar o sulfato ferroso do titânio. Esse sulfato ferroso era eliminado em forma de gel, insolúvel em água.

“O gel decantado vai para o fundo do mar e acaba com a vida marinha, como crustáceos, moluscos e peixes pequenos,” detalha José Luiz, que lembra que só após as queixas do condomínio Interlagos a empresa resolveu aumentar o duto. Mas os prejuízos ambientais não cessaram.

“No inverno, a inversão de corrente marítima do Sul para o Norte levava os resíduos para Guarajuba, chegando até a Aracaju. Do avião dava para ver a mancha no mar,” realata o médico. Ele lembra que, mesmo a 10 milhas da costa e 200 metros de profundidade, as iscas de pesca voltavam amareladas. “Hoje não tem mais peixe migratório”, lamenta.

José Luís questiona ainda o uso de barreiras hidráulicas, como previsto no TAC, para conter os resíduos e evitar a contaminação da água dos rios. “´E impossível, o terreno arenoso infiltra”, lembra ele.

Vendidos e omissos

Na última quarta-feira, 29, a central de efluentes líquidos do polo petroquímico de Camaçari (Cetrel) e a Tronox, realizaram uma audiência na escola Nadir Copque, em Arembepe, para apresentar os relatórios de monitoramento marinho. Segundo a empresa, o emissário submarino não oferece nenhum risco à balneabilidade das praias de Jauá e Arembepe.

Moradores acompanham audiência convocada pela Tronox. Sem análise do subsolo.
Moradores acompanham audiência convocada pela Tronox. Sem análise do subsolo. | Foto: Reprodução / Acervo pessoal

O estudo aponta ainda que o mal cheiro da água e as doenças registradas na comunidade local se devem à falta de esgotamento e abastecimento de água encanada, de responsabilidade da Embasa.

Durante a apresentação, uma moradora de Areias, comunidade com alto índice de câncer e leucemia, segundo laudos da secretaria de saúde de Camaçari emitidos em 2014, questionou a postura da empresa e cobrou apresentação de análise do subsolo de Areias

Ela afirmou que o órgão ambiental do estado (Inema) é “altamente vendido” e denunciou a omissão na fiscalização do que considera a “caixa preta” da Tronox, antiga Tibrás. Segundo a moradora, a sucessão de omissões resultou na queda da ex-diretora do Inema, Márcia Telles.

Há pouco mais de um mês, o Inema, agora sob a direção de Maria Amélia Mattos Lins, pediu 120 dias para atender a solicitação do MP e enviar os laudos que embasaram a concessão e renovação das licenças ambientais da Tronox nos últimos 11 anos.

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