PITANGA DOS PALMARES
Quilombo vive luto e medo após assassinato de Mãe Bernadete
Titular da SSP, superintendente regional PF e delegada-geral da Polícia Civil se reúnem para avançar na apura
Chovia muito, na última quinta-feira, 17, em Simões Filho, enquanto Joaquina (nome fictício) assistia televisão com o marido em casa. Em meio ao volume do aparelho e o ruído na chuva forte, ela ouviu um barulho alto na rua. “Na hora achei que fosse o vento, mas meu marido baixou o som da televisão e disse que parecia tiro. Um pouco depois ouvimos os gritos”, conta. Os gritos eram do neto de Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, líder do Quilombo Pitanga dos Palmares: a avó havia sido alvo de 20 tiros dentro da própria casa e ele gritava por ajuda.
Mãe Bernadete é a 11ª liderança quilombola baiana morta em 10 anos, aponta a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
O enterro da líder foi no sábado passado e, desde domingo, a sua casa está vazia. A família foi orientada a ir para outro lugar, se manter reclusa e não falar mais sobre o assunto com veículos de comunicação. O quilombo está em luto e os moradores temem o que ainda pode vir a acontecer.
“Algumas pessoas foram para casas de parentes e outras, como eu, permaneceram, mas a angústia é de todos, assim como a tristeza. Mais cedo, no dia que ela morreu, estive com ela. Foi um dia agradável, tranquilo, normal. Estávamos organizando uma reunião inclusive. Ela era realmente uma pessoa muito boa e do bem, sempre estava ajudando a todos do quilombo”, lembra Joaquina.
Perder uma pessoa como Mãe Bernadete – que estava com 72 anos –, é também perder uma fonte poderosa de conhecimento, afirma o presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras (CMCN) de Salvador, Evilásio Bouças.
“E perder de uma forma tão violenta é ainda pior. O assassinato dela foi, para além da agressão ao ser humano que não merecia ser agredido dessa forma, um ataque contra a religião, contra todos que se reportavam e iam até ela por conselhos. A morte dela é reflexo do racismo estrutural e institucional. Reflexo do nosso histórico com a escravidão. É uma perda irreparável”, lamenta.
Apuração
As investigações sobre o assassinato da ialorixá e líder quilombola ainda estão sendo feitas, e localizar e prender os seus assassinos foi o principal objetivo de uma reunião realizada, na tarde de ontem, entre o titular da Secretaria de Segurança Pública (SSP), Marcelo Werner, o superintendente Regional da Polícia Federal na Bahia, Flávio Albergaria, a delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito e outras autoridades policiais.
"Estamos somando esforços e compartilhando informações para elucidarmos o caso. Queremos evitar repetições de procedimentos e sobreposições das equipes. Com integração encontraremos os responsáveis de forma mais célere", declarou Werner, acrescentando que a população pode continuar ajudando através do telefone 181 (Disque Denúncia da SSP). "Todas as informações serão verificadas e com o sigilo garantido".
O advogado da família de Mãe Bernadete, David Mendez, afirmou que a morte da liderança quilombola foi um conjunto de ameaças feitas por aqueles que tinham interesse na terra do quilombo.
“Ela não aceitava que ninguém da comunidade nem caçasse nas terras, fazia um trabalho de educação ambiental. Ela era um empecilho para aqueles que queriam passar por cima dela”, afirmou o advogado.
Infelizmente, a morte de Mãe Bernadete não foi uma surpresa, lamenta o advogado, membro da União de Negros Pela Igualdade da Bahia (Unegro-BA) e do Grupo Tortura Nunca Mais – Bahia, Jailton Andrade.
“Binho, seu filho, foi morto há seis anos pelo mesmo motivo e o crime não foi solucionado. Não tenho dúvidas que os dois casos têm relação, e a impunidade deliberada no caso de Binho foi o fator para a morte de Mãe Bernadete”, explica.
Jailton vem acompanhando vários casos de violação de direitos relacionados a disputas de terra na Bahia, como no quilombo do Rio dos Macacos, e nas comunidades de Boipeba e Boca do Rio (Porto de Aratu).
“E em Pitanga dos Palmares não é diferente. Mesmo com as demarcações parciais de territórios pelo Incra, os grileiros tentam garantir domínios nestas áreas e para isso utilizam grupos mercenários, milícias ou de tráfico. Não por outro motivo, o filho de Bernadete foi assassinado, em 2017, enquanto tentava evitar o cercamento de área dentro da demarcação do território”, afirma Jailton.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes