ENTREVISTA
"Temos que trabalhar política pública transversal", diz Eduardo Sodré
Secretário de Meio Ambiente (Sema) fala sobre desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas
Por Cassio Moreira
Garantir o desenvolvimento sustentável é um dos principais desafios do século XXI. Em entrevista exclusiva ao Grupo A TARDE, o secretário estadual de Meio Ambiente, Eduardo Sodré Martins, explica como a Bahia tem conciliado a agenda verde com a garantia de avanços econômicos. Sodré alertou para a necessidade de um trabalho conjunto e de políticas públicas transversais para evitar desastres ambientais de larga escala, como o do Rio Grande do Sul, e falou sobre como a Bahia tem atuado na exploração responsável de recursos naturais.
O que foi feito na Sema no primeiro ano da sua gestão?
Desde a minha chegada, em janeiro de 2023, vem um pouco do que a gente está colhendo neste um ano e meio, que é trazer a pauta ambiental para a visibilidade que ela precisa e merece nos dias de hoje. Tirar um pouco desse cenário como acessório e trazer como protagonista das ações.
Então, a gente trabalhar meio ambiente não só dentro da pasta, mas em outras secretarias, com envolvimento do poder empresarial, da sociedade civil, do poder público como um todo. Trazer um pouco desse cenário de meio ambiente ao protagonismo de política pública.
Existe uma certa necessidade de melhorias que estão acontecendo, mas o que a gente pode perceber, neste primeiro momento, é que a gente conseguiu alavancar a pasta para esse protagonismo no cenário nacional, com a chegada do presidente Lula e da ministra Marina Silva. E dessa aproximação entre poder estadual e federal, a gente consegue ter um relacionamento maior com os municípios, justamente nas questões dos eventos climáticos extremos.
Trazer uma relação de envolvimento com os municípios para trabalhar um pouco da política ambiental municipal, sabendo que eles fazem parte de todo o processo, e uma série de ações que foram acontecendo ao longo de 2023 e agora em 2024, que começaram com o lançamento do programa Bahia Mais Verde, que é um programa conceito. Depois, ele acabou se incorporando ao Plano Plurianual como um programa especial, que tem vários eixos e projetos.
A caravana do Bahia sem Fogo, conversão de multas, o Plano Estadual de Meio Ambiente, que será aberto para consulta pública na próxima semana. Tivemos uma reunião do Conselho Deliberativo do Fundo Estadual de Recursos Hídricos - a última reunião tinha acontecido há dez anos. Estou tirando um pouco da inércia para trazer essas pautas positivas de consolidação de políticas públicas para que a gente possa pôr em prática ter o que está preconizado na Constituição [artigo] 225, que é ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações.
Durante muito tempo, desenvolvimento econômico e sustentabilidade foram tratados de forma antagônica. Como conciliar as duas coisas?
Você pode unir os dois [conceitos] em duas palavras: desenvolvimento sustentável, quando você consegue atrelar crescimento econômico, geração de emprego e renda, com sustentabilidade, com preservação do meio ambiente. Essa balança dificilmente vai estar em perfeito equilíbrio.
Sempre vai ter um lado mais favorecido em algum momento, mas isso também, dentro das regras da física, permanecerá em equilíbrio. Como a gente faz isso? Trabalhando política pública transversal. As ações trabalhadas dentro da pasta de Desenvolvimento Econômico têm que estar alinhadas com as pautas da Secretaria de Meio Ambiente, da mesma forma que as pautas estão sendo trabalhadas nas secretarias de Agricultura, Desenvolvimento Rural, Infraestrutura Hídrica, Turismo etc.
A Sema já trabalha com o cenário de desastres em um futuro não tão distante? Como evitar que atinja a população e os recursos naturais, como no Rio Grande do Sul?
Estive no evento do Ibrades [Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade]. Um evento bacana, porque a gente pode unir sustentabilidade, desenvolvimento econômico, Direito, trabalhar a parte de legislação. De fato, o que aconteceu no Rio Grande do Sul é algo que a gente já vê acontecer há muito tempo. São ações de dez, 15, 20 anos, ações humanas que corroboraram para chegar no fato que aconteceu no Rio Grande do Sul.
Todos os estados do Brasil, o mundo inteiro também, estão aptos a ter evento climáticos extremos desse porte. Chuvas mais intensas, secas mais severas, furacões, frios intensos, calores fortes. Tudo isso faz parte desse processo de mudança climática, e a gente precisa trabalhar a mudança em duas vertentes: adaptação e mitigação.
A adaptação é este momento que todos nós vivemos de adaptar nossa vivência, a nossa relação com o ser humano, com o meio ambiente. A mitigação é de que forma a gente pode amenizar os efeitos dessas mudanças climáticas no nosso dia a dia. A gente tem trabalhado isso, a gente tem um mapa de vulnerabilidade, que é justamente a identificação dessas áreas.
São ações transversais que vão fazer a gente combater essas questões de eventos climáticos extremos
A gente está trabalhando também no Plano Ações às Mudanças Climáticas, mas quero deixar registrado que é importante o estado estar à frente, mas não só enquanto pasta de Meio Ambiente. É preciso entender o estado como um todo, porque são ações transversais que vão fazer a gente combater essas questões de eventos climáticos extremos.
Precisamos de ações voltadas para a agricultura familiar, de saneamento e esgotamento sanitário, acesso à água, agricultura de baixo carbono. Além disso, trazer os municípios para a discussão. Eles precisam estar envolvidos nessas políticas, porque eles serão os maiores afetados diretamente.
Durante visita à Espanha, o governador assinou um termo de cooperação para a produção de hidrogênio verde. Como isso pode impactar na economia do estado?
Eu vou trazer um pouco do cenário de transição energética que vive a Bahia. A Bahia foi pioneira, porque lá em 2012, o senador [Jaques] Wagner, ex-governador do estado, foi corajoso em trabalhar e trazer a implantação de usinas eólicas na Bahia. E publicou um Atlas Eólico, que determina dentro do território baiano os melhores locais com corredores de vento para a implantação dessas empresas. Depois disso, o ministro Rui Costa fez também o Atlas Solar, para atrair empresas de usinas solares fotovoltaicas.
O governador Jerônimo [Rodrigues], nessa esteira, fez o Mapa do Hidrogênio Verde, que é a união da questão solar e eólica, mas com acesso à água para a produção do hidrogênio verde. O hidrogênio é verde porque utiliza as fontes de energia renováveis através da eletrólise da água. Precisa de uma fonte de água para colocar energia suficiente, quebrar a molécula da água, aí ter o H2 e o oxigênio.
Nosso foco inicial não é a exportação, apesar de ser uma demanda. Nossa ideia é atrair empresas para que se instalem na Bahia e utilizem as fontes energéticas do hidrogênio verde para [implantar] indústrias.
Nosso foco inicial não é a exportação, a gente não vai exportar isso, apesar de ser uma demanda
A Bahia hoje é referência internacional em economia verde. O que foi feito até aqui para que o estado ganhasse essa reputação?
A Bahia tem um toque de Deus na sua construção e definição territorial. Do ponto de vista eólico, [temos] a geração híbrida com a solar, porque, de dia, a gente consegue ter grandes índices de insolação, e de noite, grandes índices de vento. A gente consegue fazer a planta híbrida - de dia, ela gera energia solar; de noite, a eólica.
Somada com a questão da água em abundância, seja de reúso ou de águas passíveis de utilização, a gente consegue também trabalhar com o hidrogênio verde. Além disso, estamos entregando à Assembleia Legislativa, semana que vem, um Projeto de Lei de transição energética, não só trabalhando hidrogênio verde, eólica e solar, como também outras fontes de biocombustíveis. Aí pode ser o bioetanol, pode ser biomassa, do dendê. Toda a parte oleaginosa a gente consegue trabalhar.
A Bahia está despontando, principalmente em biocombustíveis, mas também trabalhando com bioeconomia
A Bahia está despontando, principalmente em biocombustíveis, mas também trabalhando com bioeconomia. A gente está fechando com a Secretaria de Agricultura o plano de baixo carbono, implantação de usinas de etanol de milho, desenvolvimento da bioeconomia como um todo no fortalecimento de rotas turísticas regenerativas. A Secretaria de Turismo, em parceria com a Sema, acabou de lançar uma rota de turismo de observatório de aves. Isso é economia verde. Eu pego as unidades de conservação que fazem parte do nosso catálogo e coloco, além do turismo normal, outras vertentes econômicas.
Visitação aos povos das comunidades tradicionais para entender um pouco da cultura daquele povo, vivenciar a caatinga, o cerrado. Tudo isso faz parte do que a gente chama hoje de economia verde.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes