SALVADOR
Abandono de animais cresce com a chegada das férias
Brasil tem cerca de 30 milhões de animais em situação de abandono
Por Ana Cristina Pereira
Basta apenas um olhar mais atento pelas ruas da cidade para ver a situação preocupante dos animais desamparados. Os dados não são precisos, mas uma coisa é certa: é no período de fim de ano e férias de verão que o abandono de cães e gatos cresce no País, aumentando uma estatística cruel. Segundo a pesquisa Índice de Abandono Animal, o maior levantamento já feito sobre o tema, envolvendo 20 países, o Brasil tem cerca de 30 milhões de animais em situação de abandono.
Divulgado em abril, o estudo revelou que 11% dos tutores de cães e 13% de gatos consideravam se livrar do pet nos próximos 12 meses. E os principais motivos alegados foram não estar mais apto fisicamente para cuidar (28%), mudança de residência (24%), falta de tempo (17%) e altos custos, sobretudo com animais doentes (16%).
“As pessoas viajam e muitas não hesitam em abandonar seus animais e depois pegar outros”, afirma a cuidadora Gilce Santana, uma das responsáveis pelo abrigo Aumigos (@aumigosanimaisabrigo). Não por acaso, alerta Gilce, dezembro foi eleito como mês da campanha nacional de mobilização contra o abandono de animais. Ela reflete que as pessoas precisam pensar bem antes de comprar ou adotar um pet, se estão motivadas apenas por razões como solidão, segurança para a casa ou um brinquedo para as crianças.
“Animais envelhecem e adoecem. Recebemos várias pessoas querendo deixar seus animais aqui no abrigo, e diante de nossa recusa elas fazem chantagem, dizendo que vão deixá-los na rua”, conta Gilce, acrescentado que a instituição trabalha atualmente com a capacidade máxima, de 315 cães e gatos, e que sobrevive de doações.
Mais repressão
Entre os cães, há Buldogues, Shih Tzus e Pitbulls, provando que ter pedigree não livra os cães do abandono. Gilce afirma que muita gente se deixa levar pelo modismo, não se informando sobre as características físicas e comportamentais dos pets, e depois acabam os rejeitando. É o caso do Buldogue Francês Romeu, que está sendo adestrado pela ONG. “Vamos fazer o possível para que ele seja educado e tenha a chance de ter uma família que o receba, e nunca mais o rejeite”, diz Gilce.
Para ela, só uma ação efetiva do poder público, com punições mais severas, pode inibir as pessoas de abandonar animais – seja nas ruas, em hospitais, clínicas ou hotéis. Vale destacar que o abandono e maltrato é crime, previsto na Lei Federal nº 9.605, de 1998, com aumento da pena em caso de morte. Outra lei, de 2020, prevê pena de até cinco anos de prisão, proibição de guarda e multa para os infratores.
Quem paga?
Veterinária responsável pelo hospital Pets Pop (petspop.oficial), Ana Gabriela Lima conta que já houve vários problemas com tutores que deixam seus animais internados e sumiram, gerando situações muito complexas e altos custos. “Não podemos simplesmente não tratar ou soltar os animais, mas o hospital tem as suas contas”, diz Gabriela, acrescentando que, nestes casos, a equipe é forçada a ir nas casas, ou procurar outros familiares dos responsáveis.
Ela reconhece que esse é um problema coletivo e antigo, e, infelizmente, muito comum em mais de 30 anos de profissão. “Além de ser desumano, pois os animais sentem e criam vínculo, o abandono passa por uma questão de conscientização e educação, pois animais não cuidados podem disseminar várias doenças”.
Gabriela, que é mestranda no núcleo de oncologia da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal da Bahia (Ufba), observa que nas imediações do Hospital Veterinário, em Ondina, o abandono de animais é corriqueiro.
Caso de polícia
“Espero que o Cadastro Nacional de Animais Domésticos ajude a diminuir o abandono e os maus-tratos, e a planejar melhor ações e campanhas”, pontua a veterinária, referindo-se ao sistema criado pelo governo no final do ano. Tutores, ONG´s e prefeituras deverão fazer o registro, através da plataforma gov.com.
Hotéis e creches para animais também enfrentam o problema, o que tem levado responsáveis pelos locais a redobrar cuidados e tomar medidas radicais. Em alguns casos, até recorrendo à polícia. Foi o que aconteceu na pousada Hospedagem Afetiva (@hospedagemafetiva), em Itapuã, no final de 2023.
A proprietária, Fernanda Oliveira, conta que o caso não se concretizou porque contava com um cadastro detalhado dos “tutores”. Eles deixaram quatro cachorros de grande porte no local, três São Bernardo fêmeas e um Dog Alemão macho, com meio saco de ração, dizendo ainda que seria feita uma entrega de “mais ração” no local. Não só a comida não chegou como ela descobriu que os cães estavam com uma verminose e precisavam de tratamento.
Com o sumiço dos tutores, Fernanda registrou queixa na polícia e pediu ajuda a um colega dono de outra pousada na mesma região, que a ajudou a localizar a rua onde o casal morava. “Acho que só conseguimos porque um vizinho do casal, que era policial, ligou para eles pressionando”, recorda.
A queixa policial, diz, não deu em nada. “A polícia não considerou abandono, afirmando que os animais foram deixados em uma creche”. Ele diz que desde então “redobrou” exigências para aceitar hóspedes.
O colega que a ajudou foi Gustavo Gribel, da Pousada Vacilou Ficou (@pousadacaninavacilouficou). Com 12 anos de experiência, ele conta que já assumiu os cuidados de vários cães abandonados. Atualmente, tem seis que se juntam aos seus outros dez cães comprados ou adotados.
“Acho que é uma questão cultural, as pessoas se acostumaram a se livrar dos animais que não têm o comportamento que esperam, ou ficam velhos e doentes. Aqui diminuiu porque ameaço divulgar as imagens na internet e as pessoas têm muito medo da repercussão nas redes sociais”, conta.
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