OCUPAÇÃO
Bares podem ocupar calçadas? O que se sabe até agora
MP prioriza mobilidade social, mas existe choque com interesses econômicos
Por Gabriel Vintina*
A recente recomendação do Ministério Público da Bahia (MP-BA), para que a Prefeitura de Salvador organize um plano contínuo de fiscalização para o uso de calçadas por bares e restaurantes, suscitou um debate acirrado sobre a utilização do espaço público. A advertência, anunciada no dia 14 de outubro, prevê a remoção de mesas, cadeiras e barracas das calçadas em bairros como Saúde, Ribeira e outros pontos populares da cidade, sob justificativa de garantir a mobilidade urbana e a segurança dos pedestres.
A recomendação, com prazo de 60 dias para que o município apresente o plano, levanta questionamentos legais, econômicos e sociais. Do ponto de vista do MP, o direito à mobilidade precisa ser assegurado, especialmente em áreas onde as calçadas se tornaram verdadeiros pontos de encontro, atraindo grande fluxo de pessoas. Do lado dos comerciantes, as mesas e cadeiras são essenciais para a garantia do movimento em seus estabelecimentos.
De acordo com Alysson Carvalho, diretor-geral de Serviços Públicos da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop), a recomendação do MP não implica uma proibição absoluta da presença de mesas e cadeiras nas vias públicas. “É possível, sim, que bares e restaurantes utilizem calçadas, desde que estejam dentro dos critérios técnicos estabelecidos pelo decreto municipal 12.015 de 1998”, afirmou Carvalho.
Em nota, o MP informa que “a recomendação, de autoria das promotoras de Justiça Cristina Seixas Graça e Alice Alessandra Ataide Jácome, teve por base procedimentos que tramitam na 4ª e 5ª Promotorias de Justiça de Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo da Capital e que tratam de denúncias apresentadas pela sociedade sobre graves problemas de mobilidade urbana, que são verificados em diversos bairros de Salvador”.
Licença administrativa
Segundo o diretor, muitos dos bares notificados, especialmente na região do bairro da Saúde, já possuem autorização para uso do espaço público, mediante um processo administrativo de licenciamento. "O que a Semop busca fazer é garantir o cumprimento desse decreto, que permite a utilização de mesas e cadeiras nas calçadas desde que respeitados certos critérios, como distanciamento seguro de esquinas e hospitais, além de evitar a obstrução de vias que comprometam a circulação de pedestres", afirma Carvalho.
Alysson explica que o bairro da Saúde tem um histórico de ocupação de vias públicas para fins de lazer, atraindo moradores e visitantes para bares locais. "O bairro se transformou em um ponto de encontro, especialmente no fim da tarde, o que torna essa ocupação mais sensível para moradores que buscam preservar a tranquilidade e a mobilidade nas calçadas", justifica.
Para muitos comerciantes, a decisão pode ter impactos negativos no setor. Leandro Menezes, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) na Bahia, vê a medida como algo que precisa de um debate mais amplo. “Não estamos falando só da conveniência do cliente. A questão é de viabilidade econômica para muitos negócios que dependem do uso das calçadas”, argumentou Menezes.
‘Atualizar normas’
Segundo o presidente, a associação foi pega de surpresa pela recomendação do MP-BA. Ele defende um diálogo com a prefeitura e o MP para atualizar as normas e buscar uma convivência harmoniosa entre os diferentes interesses. "O Ministério Público poderia ter dialogado com os setores antes de emitir essa recomendação. Entendemos que o caminho mais assertivo agora é promover um amplo debate com a sociedade, envolvendo o Ministério Público, as secretarias municipais e representantes dos moradores para avançar na nossa legislação”, explica.
O objetivo do debate, segundo Menezes, seria um denominador comum entre a mobilidade dos transeuntes e a necessidade dos bares e restaurantes. “Precisamos garantir uma ocupação que não atrapalhe a fluidez do tráfego, mas que também permita aos bares e restaurantes, além de comercializarem seus produtos, contribuírem para a ocupação das ruas e, consequentemente, para a melhoria da segurança. Os bares movimentam as áreas, atraem pessoas, e onde há movimento há mais segurança", explica Menezes.
‘Abordagem técnica’
A questão da segurança tem sido bastante associada à possível retirada de mesas e cadeiras. Assim como Leandro, Richard Wagner, proprietário do Bar Tamo Junto Botequim, que está na lista do MP, compartilha sua preocupação. “Apesar de estarmos na lista, fomos notificados sobre o som alto. Temos autorização da prefeitura para colocar mesas e cadeiras na calçada. Essa movimentação é o que mantém a vida no bairro e traz segurança para as pessoas que querem um ambiente de lazer”.
Para Wagner, a Saúde se tornou um refúgio seguro para quem busca diversão em Salvador. “A presença de pessoas nos bares com mesas na calçada torna a região mais segura e acolhedora”, defende, pontuando que a retirada das mesas poderia impactar negativamente a economia e a segurança do bairro.
A Semop e a Abrasel-BA concordam sobre as transformações no espaço urbano e o aumento no número de estabelecimentos e frequentadores. Menezes reforça que a ocupação responsável das calçadas, com áreas delimitadas para mesas e cadeiras, é um atrativo para o bairro da Saúde e outros locais populares. “Estamos falando de uma questão que vai além da conveniência; é uma necessidade econômica”.
Alysson Carvalho assegura que a Semop se empenha para equilibrar esses interesses. "Queremos preservar as atividades econômicas, respeitando os limites estabelecidos, sem comprometer o direito dos cidadãos ao uso dos espaços públicos." Ele sustenta que as fiscalizações seguirão uma abordagem técnica e cita o exemplo da Ribeira, onde mesas e cadeiras foram removidas após a pandemia, restabelecendo o uso do espaço para atividades recreativas.
"Estamos mantendo esse diálogo aberto e orientando todos sobre os procedimentos necessários para regularizar suas atividades dentro da lei. Com isso, esperamos reduzir ao máximo os conflitos e manter a ordem pública", conclui.
*Sob a supervisão da editora Isabel Villela
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