RESIDÊNCIA MÉDICA
Conselho de Medicina contesta cotas em hospitais universitários e gera debate
Especialistas alegam que política de cotas nas universidades não acaba com desigualdades sociais
Por Madson Souza
As ações afirmativas são tema de discussão recorrente no País desde antes de 2012, quando foi sancionada a Lei das Cotas. O novo capítulo dessa história é fruto de ação do Conselho Federal de Medicina (CFM) que entrou na Justiça contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). O motivo da disputa são as cotas para residência em hospitais universitários, que são distribuídas por meio do Exame Nacional de Residência (Enare). O tópico divide os agentes da área da saúde.
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A reserva de 30% das vagas para pessoas com deficiência, indígenas, negros e residentes em quilombos é o alvo de questionamento do CFM. Em nota, o conselho afirmou que o mecanismo vai gerar “discriminação reversa”, já que “as eventuais desigualdades foram equalizadas a partir da entrada dos grupos menos favorecidos nas faculdades de medicina”. A medida foi apoiada pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb).
O presidente do Cremeb, Otávio Marambaia, aponta que não considera justas as cotas para o processo de residência. “Não concordamos que isso persista para outras esferas como a residência, porque se a pessoa conseguiu fazer um curso médico em igualdade de condições com pessoas de outras etnias, não é justo que na residência tenha que de novo fazer cotas”, afirma. Em resposta ao argumento, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares aponta, por meio de nota, que a política de cotas nas universidades não acaba com as desigualdades sociais.
“Não elimina as profundas desigualdades sociais que ainda afetam o acesso às especialidades médicas, tendo em vista que muitos estudantes ainda enfrentam barreiras adicionais ao tentarem ingressar nos programas de residência, onde há uma acirrada competição e altos custos associados à preparação para exames específicos”.
A cotista e graduanda do 8º semestre de medicina no Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Lindinês Sousa, indica que, por exemplo, o investimento em cursos de preparação para a prova e a necessidade de experiências curriculares prévias são dificuldades para os estudantes de baixa renda.
“A prova objetiva hoje em dia alimenta um mercado de cursos de pré-residência que dificilmente vão ser ocupados por alunos de baixa renda que acabaram de se formar, porque eles não têm esse dinheiro para pagar. E mesmo a parte de análise curricular é mais difícil para esses alunos, porque eles têm que se dedicar a outras coisas por conta da dificuldade financeira”, afirma.
Lindinês aponta que caso essas cotas sejam extinguidas vai acontecer um aumento das barreiras já enfrentadas por estudantes de grupos historicamente excluídos.
“É bem provável que o impacto dessa ação limite o acesso de médicos cotistas aos hospitais universitários e aos setores de alta especialização, que são estratégicos, principalmente para nossa formação e o atendimento da nossa população. Isso impacta também os pacientes que poderiam se beneficiar de um grupo de profissionais mais diversos, em termos físicos e de perspectiva, compreensão e aproximação cultural”.
A 1ª Secretária do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), Caroline de Araújo, comenta que a ação do CFM “é uma medida meritocrática, que não reconhece o racismo institucional e as desigualdades étnico-raciais que estão presentes no mundo do trabalho, inclusive para aqueles e aquelas da área de saúde”.
‘Diferente de concurso’
Outro ponto da nota do CFM, que indicou reconhecer a importância das cotas no texto, é que a seleção para residência médica é diferente de um concurso para cargos públicos.
Conforme indicado no texto: “esse privilégio… fomentará a ideia de vantagens injustificáveis dentro da classe médica”.
Em resposta, a Ebserh indicou - também em nota - que “o estabelecimento de reservas de vagas no Enare, com respaldo constitucional e legal, visa garantir que o acesso aos programas de residência reflita a diversidade demográfica do Brasil e contribua para um sistema de saúde mais inclusivo e equitativo”.
Com 4.854 vagas de residência médica e 3.789 vagas de residência multiprofissional e de outras áreas da saúde disponíveis, o Enare aconteceu no dia 20 de outubro, em 60 cidades, conforme informações da Agência Brasil.
A prova teve 89 mil inscritos e cerca de 80 mil realizaram o exame que é porta de entrada para 163 instituições em todo o país.
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