RELIGIOSIDADE
Cosme e Damião: relação com divindades faz gêmeos manterem tradição
Entrega de doces ou o tradicional caruru são provas da resistência de ritos pela Bahia
Por Madson Souza
Cosme e Damião, ou Acta e Passio – de acordo com historiadores os nomes reais da dupla –, ou Ibeji na associação com a religiosidade de matriz africana. Independente de como chamados, a devoção a essas divindades se mantém viva. Hoje, 27 de setembro, a entrega de doces ou o tradicional caruru são provas da resistência de ritos pela Bahia.
Entre os devotos, os veterinários Cosme e Damião se destacam não só pela homenagem nos nomes, mas por terem abraçado o costume de oferecer caruru em homenagem aos santos católicos. “Meus pais faziam o caruru bem tradicional na fazenda, com sete meninos na mesa. A gente fazia aquela festa, era uma maravilha juntar todo mundo. O pessoal rezava e cantava. E hoje a gente mantém a tradição. Vamos em algum bairro e distribuímos caruru para crianças”, conta Cosme Correia.
Mas nem sempre a identificação com as figuras conhecidas por curar sem cobrar foi motivo de orgulho. O veterinário Damião Correia conta que na infância a relação era complexa. “Antigamente, a gente não gostava do nome. Era gozação, aquela coisa de ficarem chamando de ‘Cosme e Damião’ que chegava a incomodar”, explica. Porém, Cosme reforça que, hoje, os nomes são motivo de orgulho.
O historiador Murilo Mello lembra que nem sempre a dupla foi bem quista pelo catolicismo. “A igreja via com maus olhos porque eram pessoas que tinham esse ‘poder’ de cura que não estava aliado a ela. A igreja queria ter esse monopólio e eles eram vistos como uma ameaça”, diz.
Com o passar do tempo, que a imagem dos gêmeos foi cooptada pela igreja e eles foram transformados em santos, ícones religiosos. A tradição dos santos também se mistura com as religiões de matriz africana. O historiador explica que no Brasil, Cosme e Damião passaram a ser associados aos Ibejis, divindades gêmeas do candomblé que representam a alegria e a proteção das crianças. “Eles ganham popularidade absurda aqui, principalmente na Bahia, sendo celebrados tanto pela Igreja Católica quanto pelas religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda”, afirma Murilo.
Também gêmeos, os irmãos baianos Enio e Enzo Ferreira Barbosa já foram apelidados de Cosme e Damião e consideram usar essa relação com as figuras religiosas nos textos que vão enviar para as universidades americanas para as quais estão se candidatando.
“Minha mãe é religião de matriz africana e aqui em casa todo mundo cultua. Sempre foi algo que participou muito do nosso cotidiano. Os oficiais de admissão das universidades de fora querem ver coisas novas. Então, posso citar essa relação com Cosme e Damião em alguma redação, porque é algo que conversa comigo, minha história, minha cultura, minha religião”, afirma Enio.
De olho na universidade de Stanford, Enio sonha cursar ciência da computação, enquanto Enzo almeja se formar em ciências políticas em Princeton. Os dois irmãos participam de uma iniciativa gratuita da Fundação Estudar, o Prep Program, que prepara estudantes brasileiros para o processo de candidatura em universidades estrangeiras.
Mesmo com o apoio especializado, eles comentam que ter um gêmeo e realizar esse procedimento simultaneamente é algo bastante positivo, porque se ajudam. Ainda na reta final do processo de inscrição nas universidades, Enzo comenta que vai reservar um tempo para manter viva as tradições. “É algo que pretendo manter pra vida. Estamos na reta final do processo, mas ainda assim vou tirar um sábado e vou para o meu barracão, cultuar com minha mãe e distribuir doces”.
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