SALVADOR
Cuidados paliativos ajudam pacientes e familiares a enfrentar doenças terminais
Conforto nos últimos momentos é tema de reportagem do Jornal A TARDE
Por Ana Cristina Pereira
A notícia de que o bebê que esperam tem uma doença rara e não vai sobreviver tirou o chão da enfermeira Geórgia Carvalho e do musicoterapeuta Jair Soares. Moradores da cidade de Caetité, eles receberam o diagnóstico em julho e viveram a tristeza pelo sonho interrompido, a angústia de decidir o que fazer e todos os medos em relação à morte.
“Diante de um diagnóstico tão doloroso foi como uma luz no fim do túnel”, resume Geórgia, referindo-se aos cuidados paliativos que recebem na Maternidade Climério de Oliveira.
Uma das coisas que o casal ouviu da médica paliativista neonatal Lilia Embiruçu, que comanda a equipe na maternidade, foi que deveriam nomear o futuro filho e celebrar sua vida enquanto ela existe, já que interromper a gravidez nunca foi uma opção para eles.
“O tempo não determina o amor que sentimos. Foi muito importante dar um nome ao meu filho, pois ele não é uma doença, um carma. Posso perdê-lo a qualquer momento, mas tenho muito orgulho da minha barriga”, afirma Geórgia, que está na 28ª semana de gestação de João Antônio. Jair acrescenta que esta é a experiência mais transformadora de suas vidas.
Eles resolveram, inclusive, retomar os planos do casamento, cuja cerimônia civil foi na quinta e a religiosa na sexta. “Estar casando é uma consequência boa dos cuidados que temos através da doutora Lilia. É olhar para a morte vivendo”, celebra Geórgia.
Apesar de ser da área de saúde, com especialidade em obstetrícia, ela nunca tinha ouvido falar de cuidados paliativos neonatal. Mas encontrou nas profissionais que atuam no núcleo dessa especialidade na maternidade o apoio necessário para seguir adiante. E planeja, inclusive, se dedicar à essa área futuramente. “Vou ser uma propagadora. Acredito que é pouco conhecido e difundido. O mundo precisa saber mais” , pontua.
Abrindo caminhos
E ela tem razão. Apesar da Organização Mundial de Saúde ter definido, há dez anos, metas básicas sobre a introdução de cuidados paliativos, ainda há uma grande distância entre teoria e prática. Só em maio desse ano o Brasil passou a contar com uma Política Nacional de Cuidados Paliativos no âmbito do SUS, com meta de criar e treinar 1,3 mil equipes pelo país.
Pioneira na Bahia em cuidados paliativos neonatal, a Climério celebrou seus 114 anos, na última quarta, debatendo o tema na V Jornada Científica. Médicos, gestores e estudiosos falaram sobre os esforços para tornar a prática uma realidade na rotina médica nacional.
“A política traz estrutura, normativa, diretriz, financiamento e indicação de que todos os serviços precisam assegurar esse atendimento, então tantos o serviço público quantos o privado vai ter que se adequar. Esta é uma realidade que não tem mais volta”, acredita a doutora Lilia, que esteve na articulação nacional e também atua no Hospital Roberto Santos.
Com três décadas de experiência, ela tem estado envolvida diretamente nas transformações do setor. “Sonho com o dia em que todas as maternidades do país possam oferecer um serviço de dignidade para as pessoas e que a gente possa conversar abertamente sobre o assunto”, diz a especialista. O objetivo principal da prática, no âmbito da neonatologia, é evitar o sofrimento dos nenéns e seus familiares e fazer com os profissionais, mesmo não sendo especialistas, tenho entendimento dessa filosofia.
A médica conta que atualmente os cuidados paliativos já são solicitados com mais naturalidade pelas equipes médicas. No Roberto Santos, as mães em risco também são acompanhadas.
“Quando eu comecei ficava todo mundo me olhando atravessado, dizendo lá vem a médica da morte. Hoje eles chamam e concordam com as propostas que eu faço de cuidado, de suspensão de terapêutica e de controle de sintomas”, detalha a doutora, que atua ouvindo médicos, avaliando o paciente e sobretudo conversando com a família, para entender o que faz sentido para eles.
Além da dor física
A capacidade da escuta e o respeito às decisões são fundamentais durante todo o tratamento. Ou ainda, como destaca a enfermeira Luana Iglesias, é preciso ter um “olhar holístico” em relação ao paciente. Integrante da equipe de cuidados paliativos do hospital Santo Antônio, ela pontua que é preciso ter uma visão geral, para enxergar além da dor física. Por isso o trabalho é feito juntamente com outras especialidades, como psicologia e assistência social , para identificar e ajudar a resolver o conjunto das dores sociais, psicológicas e espirituais.
Qualidade de vida
“Muita gente acha que cuidados paliativos são para aqueles pacientes que já estão no final de vida e não é isso. Qualquer paciente com doença que ameaça à vida é um paciente para cuidados paliativos e a gente vai cuidar dele para ele ter uma qualidade de vida enquanto ele viver”, detalha.
No caso das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), o trabalho é feito pela equipe de cuidados paliativos, com suporte dos profissionais dos diferentes núcleos, por exemplo, da oncologia, pediatria e geriatria, no qual a prática já existe há muito tempo. Mas os novos arranjos, na avaliação de Luana, permitiram uma disseminação maior, alcançando pacientes de diferentes idades e perfis.
Ela cita o exemplo recente de um paciente de 45 anos, que era totalmente independente quando chegou no hospital, mas foi diagnosticado com um câncer em metástase. Além de querer saber de todos os detalhes, tomou decisões, mas sua maior preocupação era em relação ao filho, com quem não estava conseguindo conversar.
“Com ajuda da psicologia eles compreenderam que esse momento da morte iria chegar, mas foi de uma forma mais tranquila, pois conseguiram conversar e esclarecer sobre todo o processo”.
Além dos atendimentos em hospitais gerais, os cuidados paliativos podem ser feitos nos hospitais de transição ou hospice, como informa o doutor João Ramos, diretor médico da Clínica Florence, que funciona desde 2017 em Salvador.
O espaço recebe tanto pacientes que passaram por uma grande cirurgia ou fazem um tratamento de reabilitação mais complexo, quanto pessoas que estão próximas do fim de vida.
“A gente está falando de pessoas que geralmente têm uma expectativa de sobrevida em torno de dias ou semanas e que tem sintomas difíceis de manejar em domicílio”, detalha o dr. João Ramos, que tem formação nas áreas de medicina intensivista, cuidados paliativos e também bioética.
Ele explica que os cuidados paliativos podem usar diversas técnicas e conceitos durante o processo, seja no diagnóstico, eventuais internações, no controle de sintomas e no fim de vida. E que sua introdução precoce tende a aumentar a sobrevida do paciente.
“Muitas vezes os tratamentos vão causar mais mal do que bem e aí uma das coisas que a gente faz é navegar nessas decisões difíceis do que é proporcional e adequado, dependendo da biografia da pessoa e do momento da doença em que ela vive”, pontua.
Ainda segundo o médico, dados dos últimos cinco anos mostram que até 45% das mortes mundiais são decorrentes de doenças graves e crônicas. Estas pessoas, assim como o grande número de idosos, se beneficiariam muito dos cuidados paliativos. Mas esses avanços, avalia, passam por uma complexidade que envolve políticas públicas e diretrizes institucionais, como dentro dos currículos dos cursos de medicina e provas de residência médica.
“A sociedade também precisa se organizar, porque, afinal, se existe uma certeza na vida é que todos nós vamos morrer. A gente precisa falar sobre isso para que, quando chegar a nossa vez, a gente seja tratado da maneira como gostaria que
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