ACOLHIMENTO
Defensoria assegura tratamento para dependência química
Em alguns casos, família recorre à Justiça para assistência ou internamento em clínica de reabilitação
Por Ana Cristina Pereira
Aparentemente, o caminho mais indicado para o tratamento de Silvana*, que se encontrava em uma situação de visível sofrimento mental, seria o internamento. Jovem, negra, vivendo em situação de rua e usuária de substâncias psicoativas, ela queria uma vaga em uma Unidade de Acolhimento, mas a dificuldade para encontrar a moradia transitória intensificou seu sofrimento, levando-a a uma crise.
Atendida pela equipe da Defensoria Pública, Silvana foi encaminhada para o Pronto Atendimento Psiquiátrico, depois para o Centro de Apoio Psicossocial (Caps) de referência e para o Caps III, que funciona 24h, onde teve acolhimento noturno e foi assistida por alguns dias. Em paralelo, várias ações foram sendo articuladas, inclusive com a presença da família, como a viabilização do acesso dela a seus benefícios socioassistenciais e a vaga para sair da rua.
“Esse caso mostra o quanto há um caminho necessário e importante antes de se considerar uma internação, inclusive considerando o que o próprio assistido traz sobre seu sofrimento e um possível projeto de vida. Uma internação só deve acontecer em casos extremos ou quando o próprio sujeito deseja. Do contrário, existem muitas possibilidades”, afirma a psicóloga Laís Mendes, do Núcleo de Saúde Mental da Defensoria Pública em Salvador.
Por isso, não é exagero dizer que nos casos de uso abusivo de drogas cada caso é um caso. Ou, para usar uma terminologia técnica, cada assistido precisa de um Plano Terapêutico Singular. Por isso que no caso de Paulo Silva*, 42 anos, o plano foi recorrer ao internamento em uma clínica de reabilitação, via ação judicial. O próprio pai procurou a Defensoria Pública, em Alagoinhas, para pedir a medida, com consentimento do filho, que é usuário desde a adolescência e estava vivendo em situação de rua. Em agosto passado Paulo teve alta, após nove meses de tratamento em uma clínica particular em Feira de Santana, com custo coberto pelo Estado.
A defensora pública Jamara Saldanha de Santana, titular da 3a DP de Alagoinhas e responsável pelo caso, explica que a família e o Caps comprovaram que o homem já tinha passado por diferentes tratamentos ambulatoriais, sem sucesso. E que os familiares também não tinham como custear o tratamento, pois no passado já tinham feito sacrifícios para bancar outras internações.
“Nesse caso foram esgotadas todas as possibilidades ambulatoriais, mas a regra, depois da Lei Antimanicomial, é o atendimento no meio externo”, afirma Jamara, referindo-se à Lei da Lei da Reforma Psiquiátrica de 2021. “Não basta a família chegar e dizer que quer o internamento e não pode pagar. Mas nesse caso houve o entendimento, acatado pelo juiz, de que era a melhor solução para resguardar a vida dele, da família e da sociedade, ainda que ele não tenha perfil perigoso”, detalha.
Adesão
Mesmo se Paulo não concordasse seria possível interná-lo. Mas os profissionais que atuam na rede psicossocial concordam que, com a adesão do paciente, as chances de sucesso são muito maiores, já que o tratamento não é apenas medicamentoso. Também concordam que o tempo deve ser o menor possível, para que a pessoa não perca o contato com a sociedade.
Laís Mendes descarta, por exemplo, encaminhar usuários para comunidades terapêuticas reclusas, que tenham viés espiritualista ou religioso. “Temos diversos desafios, pois o modelo asilar esteve por muito tempo no centro do tratamento, e está incutida na sociedade. Outro ponto que temos de considerar é a fragilidade dessa rede, pois muitos municípios não possuem um Caps, e o papel da Defensoria é cobrar o fortalecimento dessa rede de atendimento psicossocial”, pontua.
Salvador conta com três unidades do Caps AD, referenciais para tratamento de usuário de álcool e drogas, sendo dois do tipo III, com atenção 24 horas. A rede principal de atendimento pública inclui o Pronto Atendimento Psiquiátrico os hospitais Juliano Moreira e o Mário Leal. A psicóloga Luciana Rodrigues é atualmente a coordenadora técnica do Caps III Gey Espinheira, em Campinas de Pirajá. Ela explica que no cerne do trabalho dos centros está a substituição da lógica da hospitalização como única possibilidade de superar a crise psiquiátrica ou decorrente do uso de drogas.
“A gente ainda não superou esse lugar, as pessoas almejam o internamento como lugar de cuidado, sobretudo para pessoas pobres e pretas”, afirma Luciana, destacando que trabalhar com redução de danos pode significar, por exemplo, trocar o crack pela maconha. “As pessoas são complexas e às vezes a demanda que ela traz é a necessidade reconstruir os vínculos familiares”, diz.
As atividades propostas também levam em conta o perfil do público. Para crianças e adolescentes, destaca, a unidade prepara uma oficina de letramento, entendemos que é preciso prepará-los para voltar ao contexto escolar. Há ainda iniciativas como uma banda percussiva, formada por assistidos e que se apresenta com regularidade.
Rede privada atende particular ou por meio de convênios
Além da rede pública, o tratamento de pessoas com transtornos mentais e dependentes químicos, seja ambulatorial ou hospitalar, pode ser feito na rede suplementar de saúde, com atendimento particular ou através de planos de saúde. É o caso do Grupo Bom Viver, que atua desde a década de 1960 e mantém um hospital no bairro do IAPI.
“Enquanto o SUS oferece serviços essenciais no tratamento de dependência química, a saúde suplementar pode ampliar o acesso a terapias e tratamentos especializados que nem sempre estão disponíveis ou são facilmente acessíveis no sistema público”, afirma Roberto Menezes, diretor de operações e comerciais do Grupo Bom Viver.
Multiprofissional
Segundo a psicóloga Raquel Ribeiro, coordenadora de psicologia e das atividades terapêuticas da instituição, o tratamento é multiprofissional e integrado, com participação da família e estímulo às atividades físicas e terapêuticas como recurso de ressocialização.
Ela explica que é proposto ao paciente uma rotina que inclui cuidados de higiene, uso de medicação e alimentação adequada, além de exercícios, terapias como musicoterapia, horta e reabilitação psicossocial, além de participação em grupos terapêuticos ou específicos das linhas de cuidado, como o de Dependência Química. ”Tudo isso acontece de forma muito integrada, em uma rotina onde o paciente é cuidado e depois encaminhado para um acompanhamento ambulatorial, na alta”. afirma
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes