SAÚDE
Pais que recusam vacinar filhos estão sujeitos a ação judicial
Justiça de Santa Catarina assinou três condenações para genitores que negaram imunizar crianças
Por Ana Cristina Pereira
No dia 17 de janeiro, a vacinação contra o vírus da Covid-19 completa quatro anos no Brasil. O tempo e o controle da doença, no entanto, não foram suficientes para apaziguar a desconfiança de parte da população em relação ao imunizante, que já salvou milhões de vidas. No início do mês, a Justiça de Santa Catarina assinou três condenações para pais que se recusaram a vacinar seus filhos na pequena cidade de Schroeder, a cerca de 300 Km de Florianópolis.
Mesmo depois da mediação do Conselho Tutelar e do Ministério Público locais, as famílias (cujos nomes não foram revelados) se mantiveram firmes na negativa, o que levou à intervenção judicial: em um dos casos, foi aplicada a multa de R$ 4.236, equivalente a três salários mínimos; nos outros dois, o valor foi de R$ 8.472, ou seja, seis salários mínimos, que serão revertidos ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade.
Como não havia justificativa médica, a Justiça entendeu a recusa como negligência à saúde dos menores.
E, mesmo que sejam contrários à vacinação por convicções de ordem política, religiosa ou ideológica, afirma o advogado baiano Jonata Wiliam, os responsáveis não podem sobrepor suas vontades individuais ao direito constitucional à saúde coletiva, sobretudo das crianças e adolescentes. “Nestes casos prevalece o entendimento de que os menores precisam ser protegidos pelo estado e pela família, como está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente”, pontua Jonata, que é mestre em Direito Público e professor de Direito Penal na Universidade Federal da Bahia (Ufba).
O advogado explica que uma decisão do Supremo Tribunal Federal de 2020, no auge da Covid e em meio a disputas políticas, chegou a este entendimento. Principalmente se a vacina estiver no rol do Programa Nacional de Imunização – caso da Covid, agora calendarizada para grávidas, idosos e crianças de 6 meses a 5 anos.
A tese do STF também ratificou a legalidade de medidas coercitivas, como a exigência da carteira de vacinação para entrar em lugares públicos ou das multas, como a aplicada na cidade catarinense. As escolas podem exigir o cartão de vacinação, mas não proibir a matrícula de nenhum aluno. “As escolas também podem tomar medidas, como notificar o Conselho Tutelar e o Ministério Público”, completa Jonata.
Diálogo
Promotor público da Justiça baiana na área da Saúde da Criança, Carlos Martheo Guanaes diz que felizmente ainda não precisou tomar uma medida tão incisiva quanto a dos seus colegas catarinenses. Ele explica que a promotoria atua junto às escolas e secretarias de saúde na elaboração de estratégias de convencimento pró-vacinação. “Os pais resistentes são chamados para conversar e tem funcionado, nunca precisamos chegar nesse extremo”, afirma Carlos Martheo, acrescentando que a ideia é voltar a atingir uma cobertura vacinal mais ampla e não processar e punir os pais.
O promotor conta que, na maioria das vezes, os argumentos contra a vacina são baseados em fake news que circulam nas redes sociais, sem nenhuma sustentação científica. “A desinformação é o principal obstáculo da vacinação, mas nós temos que fazer cumprir o artigo 227 da Constituição, que diz que estado, comunidade e família precisam garantir a saúde das crianças e adolescentes. Vamos defender o que é melhor para elas”, reitera o promotor.
Sem partido
As fake news caminham lado a lado com a politização das vacinas, como lamenta o médico infectologista Alessandro Farias. “Infelizmente houve uma politização mundial das vacinas, que ganhou força com a Covid”, afirma o médico, que integra a equipe do Hospital Português. Ele destaca que as reações adversas das vacinas nunca podem ser equipadas aos benefícios que elas trazem. E cita a morte de uma criança na Bahia este ano por coqueluche, doença já controlada no País.
“A criança não tomou a vacina, que tem uma proteção muito boa”, assegura.
O médico reforça a importância da vacinação nas diferentes fases da vida e diz que o calendário da Sociedade Brasileira de Imunização dialoga diretamente com o Plano Nacional de Imunização. E cita exemplos de doenças, como o tétano e a febre amarela, entre tantas outras, que tiveram suas realidades totalmente modificadas com as vacinas. No caso do tétano, as mortes giravam em torno de 35% a 40% dos infectados, e da febre amarela, em 50%. “Se uma pessoa vai viajar para uma área endêmica de febre amarela e não toma a vacina ela está se arriscando muito”, garante o médico.
O pequeno Davi Queiroz de Moraes, de 5 anos, não vai viajar, mas na última quarta-feira estava no 5º Centro de Saúde, nos Barris, para tomar o reforço da vacina da febre amarela. Sua mãe, a gestora de tráfego Priscila Araújo Queiroz, diz que ele está em dia com o calendário e já tomou, inclusive, as doses contra a Influenza e a Covid. “Nós crescemos tomando vacina, acho um absurdo essa campanha de desacreditação em tão pouco tempo”, desabafa. Outro cartão que deixaria qualquer pediatra orgulhoso é o de Iure Almeida de Jesus, de 11 anos. Ele foi ao posto com a mãe, Alexandra Silva Almeida, tomar a vacina contra a meningite, a última do calendário, para fechar 2024 com a prevenção em alta.
Vacina da dengue está disponível para adolescentes
No último sábado, o Ministério da Saúde, juntamente com estados e municípios, realizou o Dia D de Combate à Dengue, um esforço coletivo para combater o mosquito, que se prolifera em meio às chuvas e altas temperaturas do verão. Um dos destaques da campanha é a vacina, que ficou encalhada nos postos dos 125 municípios baianos que receberam as doses direcionadas à crianças e adolescentes de 10 a 14 anos.
“A adesão foi bem baixa, em torno de 57%, porque é uma vacina nova e porque o Ministério recomendou que a vacinação não fosse feita fora dos postos de saúde”, afirma Vânia Rebouças, coordenadora de Imunização e Vigilância Epidemiológica da Sesab. Ela explica que uma das estratégias para atingir o público jovem é ir até onde ele está, como nas escolas, o que tem surtido efeito em relação a várias vacinas. No caso da dengue, Salvador e cidades da região metropolitana foram contempladas.
Coqueluche
“O Brasil, como um todo, registrou quedas na vacinação a partir de 2016, mas aos poucos estamos retomando os índices”, diz Vânia, que comemora os números na vacinação Tríplice Viral e BCG próximos à meta de 90% do público alvo. Ela explica que os número abaixo da meta em muitos casos têm a ver com vários fatores, inclusive com a adaptação dos municípios ao sistema de registro nacional, que agora é mais detalhado.
Outras questões estão ligadas à desinformação e têm criado cenários preocupantes, como em relação à coqueluche, com 32 casos e uma morte registrada este ano na Bahia, sendo 19 casos na cidade de Teixeira de Freitas. “Algumas regiões, como o Extremo Sul, são marcadas pelo movimento anti-vacina”, lamenta a profissional, acrescentando que a mãe da criança que morreu também não havia tomado a vacina na gestação, já que ela protege o bebê até os dois meses de vida.
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