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'Praga' do cigarro eletrônico vira caso de saúde pública

Uso de vapes ou pods, proibidos pela Anvisa desde 2009, se tornou ‘uma febre’ entre os jovens com riscos para a saúde

Por Madson Souza

09/10/2024 - 5:00 h
Fumaça do vape (cigarro eletrônico) contém metais como chumbo, níquel, zinco e também tem efeito passivo
Fumaça do vape (cigarro eletrônico) contém metais como chumbo, níquel, zinco e também tem efeito passivo -

Os cigarros já foram considerados “descolados” e artifício de socialização comuns em rolês, mas com o passar dos anos e fortes campanhas antitabagismo o uso da droga diminuiu. Hoje, o uso de vapes ou pods - proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009 - são uma espécie de nova trend entre os jovens e vem muitas vezes acompanhados pelo cigarro. Pesquisas e especialistas têm observado esse aumento.

Em 2023, foram 2,9 milhões de consumidores adultos regulares de vapes, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEC). Entre os menores de idade, 16,8% dos adolescentes entre 13 e 17 já usaram a droga, o número é ainda maior entre os que têm 16 e 17 anos, com 22,7%, conforme informações da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O pneumologista e diretor de saúde pública da Associação Bahiana de Medicina (ABM), Guilhardo Fontes, conta que os jovens usuários do dispositivo são cada vez mais comuns em seu consultório.

“É uma febre e um problema de saúde pública. É um produto muito sedutor, com inúmeros sabores e cheiros, com um design muito moderno. E vende uma imagem de que é muito menos danoso que o cigarro tradicional, o que não é verdade”, afirma. Ele explica que o vape possui alto teor de dependência química, por conta da nicotina aditivada. Ou seja, é algo que vicia com mais facilidade e traz os mesmos riscos que o cigarro.

Após acompanhar amigos em festas e observar um deles em uso constante do dispositivo, Gustavo Soares (nome fictício), 25, decidiu tomar conta do aparelho para ajudar o colega. Porém, ele ficou curioso com o vape após algum tempo. “Experimentei pela primeira vez por curiosidade”, conta. Há um mês com o “pen drive”, Gustavo afirma que não costuma usar muito, mas que prefere a versão tecnológica ao cigarro tradicional por conta do gosto e de não haver tanto estigma.

“Não é uma coisa intragável como o cigarro. Você não sente que te faz mal, porque é gostoso e não tem tanto estigma. Quando você pega um cigarro é algo que pesa mais, que as pessoas julgam mais, enquanto com o pod nenhum jovem dá muita atenção, é algo normal”, comenta. O acesso ao produto também é tranquilo, de acordo com Gustavo, que já viu stands vendendo variadas opções em festas.

Metais pesados

O uso próximo a outros - que não necessariamente compartilham do hábito - é algo comum, conforme Gustavo, mas de acordo com Guilhardo tal qual o cigarro, o fumo passivo de vape apresenta riscos. “Ainda tem gente que acredita que não há efeito passivo, mas ele existe sim. São várias substâncias pesadas naquela fumaça, inclusive metais pesados como chumbo, níquel, zinco, então traz problema também para pessoas que estão ao lado”, comenta.

Outro fator, que segundo Guilhardo potencializa os riscos do uso do dispositivo é consumo precoce feito por jovens como demonstrado pelos dados do IBGE. Além dos problemas para o sistema cardiovascular, nervoso e de abstinência por conta da nicotina, a falta de conhecimento sobre a composição do dispositivo também é algo que preocupa.

“Não dá pra colocar qualquer coisa no corpo sem saber o que é. O vape é como se fosse uma injeção na veia e as pessoas estão inalando sem saber as substâncias ali presentes, diferentemente do cigarro. Outra coisa é que ainda não deu tempo de sabermos as consequências disso a longo prazo”, argumenta o pneumologista Álvaro Cruz. Ele ainda reforça que essa ideia de que o vape é mais seguro que o cigarro é uma ilusão.

Fenômeno grupal

Os primeiros contatos com o tabagismo na adolescência são um tema complexo e com várias causas. Para a psicóloga e docente do Centro Universitário Ruy Barbosa, Suzana de Almeida, o aspecto social é um dos fatores determinantes para esse consumo. “É algo que está associado a um fenômeno grupal e na busca por aprovação, validação ou identificação, com prevalência a reprodução comportamental”, indica. Outras razões são a curiosidade e a vontade de simular o ato de fumar um cigarro convencional.

Ela ainda reforça que a comunicação com os jovens é a melhor estratégia para combater esse uso dos vapes. “É necessário que haja um diálogo na perspectiva da família, escola e governo, para discutir o assunto com clareza, permitindo aos jovens expor suas curiosidades e interesses, sem tabus e estereótipos sociais, que os afastam da informação e os inserem em um circuito de críticas e julgamentos”, indica. Nos casos de jovens e mesmo adultos que já fumam, Guilhardo recomenda que é preciso buscar ajuda médica.

Outros fatores importantes no combate aos vapes é a necessidade de campanhas nacionais e mais fiscalização sobre o comércio ilegal dos dispositivos, segundo a oncologista Aknar Calabrich. “É preciso que haja campanhas nacionais, educação em escolas, orientações dos pais, enfim, informação de qualidade de fácil acesso e disseminada. Também é preciso fiscalizar e punir a comercialização ilegal desses dispositivos”, indica.

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Tags:

cigarro eletrônico saúde pública

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