PRECARIZAÇÃO
"Totalmente desvalorizados": motoristas por app acumulam stress e doenças em Salvador
Pesquisa revela jornada de mais de 50 horas dos entregadores por aplicativos, com ganho insuficiente
Por Priscila Dórea
Na busca por garantir uma boa renda todo mês, a vida de motoristas e entregadores de aplicativo em Salvador tem se tornado uma maratona de horas exaustivas e quilômetros rodados. Um levantamento do Projeto Melhor Prevenir, do Ministério Público do Trabalho (MPT) - com questionário orientado pela UFBA -, revela que quase 60% desses trabalhadores enfrentam jornadas de trabalho de mais de 50 horas semanais.
“Trabalho de 10h a 12h por dia e vários dos acidentes que sofri foram no final do turno, quando o cansaço já estava batendo”, relata o motorista e entregador por aplicativo Thiago Santos da Silva - o Thiago Peppa, como é conhecido.
E a rotina de Thiago nem é “das piores”. Ele explica que hoje não se dedica mais às promoções de aplicativo, por exemplo, que é quando as plataformas estabelecem metas de corridas que geram uma bonificação extra para o motorista que as cumprir.
“Essas promoções sugam demais da gente e na grande maioria dos casos a rentabilidade não compensa. A verdade é que a tarifa dos aplicativos hoje não está defasada, ela baixou mesmo. Para se ter uma ideia, uma corrida da Graça ao Aeroporto em 2016 custava entre R$40 e R$43, hoje ela não passa de R$36”, explica o motorista.
Impactos na saúde
Em contraponto, manutenção, gasolina e até o aluguel dos carros seguem encarecendo. Com tudo mais caro e as corridas barateadas, os motoristas precisam trabalhar mais horas, o que segue trazendo danos à saúde física e mental deles.
De acordo com a pesquisa, nos últimos 12 meses, 42,7% dos motoristas e entregadores de aplicativo de Salvador foram diagnosticados com lombalgia; 18,3% com depressão, ansiedade e/ou estresse; 12,2% com LER/DORT e 8,5% com varizes.
Junto a esses quadros, há ainda alguns agravantes, pois durante essas horas de trabalho 93,6% dos motoristas não têm acesso a água potável; 93,9% não tem acesso a sanitários; 98,8% não tem um lugar para fazer as refeições e 97,8% não têm um local para descanso.
“A verdade é que a pesquisa só reafirmou algo que já era conhecido por estudos anteriores e à medida que fomos conversando com esses motoristas, era evidente o nível de insatisfação deles”, explica o procurador do MPT, Ilan Fonseca, autor do livro Dirigindo Uber.
Sem valor e inseguro
Motociclista e vice-presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativo, André Freire Vieira Reis enfatiza o quanto a profissão se tornou essencial para a circulação na cidade. "Mas somos totalmente desvalorizados. Essas 12h dirigindo cobram da gente e cobram caro. Muitos motoristas estão descobrindo hérnia, bico de papagaio, hemorróida e por aí vai. A nossa luta hoje é por garantia de direitos e não retirada de direitos. Querem nos taxar como CLT, mas não temos os direitos de um CLT”, afirma André Freire Vieira Reis.
E em meio a corridas de baixo valor e a insalubridade do trabalho, há ainda os acidentes. “Tem sempre aquele motorista que se machuca em um acidente e no outro dia vai enfaixado trabalhar, porque precisa e não pode parar. E nenhum suporte de aplicativo nos ajuda de verdade nesse momento e um retorno perante a Justiça também é muito difícil. Sem falar do quanto nos falta segurança nas ruas. A gente sai de casa todo dia, mas sem a certeza de voltar”, afirma o motociclista de aplicativo, Deivide da Silva Miranda, que faz transporte de pessoas e mercadorias.
Para garantir o mínimo de segurança e direitos para esses motoristas, é preciso pesquisas que atestem os principais problemas, como a levantada pelo MPT, mas o professor e pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da UFBA, Cleber Cremonese que fez parte da equipe que ajudou a organizar o questionário do MPT, aponta que há um incômodo entre os pesquisadores: órgãos oficias que notificam acidentes e óbitos de trânsito durante o trabalho não parecem condizer com a realidade.
"Os números são baixos e parece que o problema não existe. Mas se de um lado há muitos motoristas informais, do outro os profissionais de saúde e polícia técnica, por exemplo, precisam ser capacitados permanentemente para identificar de forma correta esses acidentes como sendo de trabalho para todos tenham uma noção mais real dos riscos que esses profissionais correm", explica o professor.
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