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Ambulatório transexualizador de Salvador é fruto de luta, dizem militante e médica

Publicado quinta-feira, 11 de novembro de 2021 às 14:27 h | Atualizado em 11/11/2021, 14:36 | Autor: Lucas Franco
Clínica para pessoas trans na China, inaugurada na semana passada, também foi fruto de luta do movimento trans I Foto: Reprodução Internet
Clínica para pessoas trans na China, inaugurada na semana passada, também foi fruto de luta do movimento trans I Foto: Reprodução Internet -

Uma notícia que veio de Xangai, na China, na semana passada, trouxe o debate entre especialistas sobre a importância de pensar na saúde de pessoas trans em todas as idades, o que reforça a importância da luta por direitos, seja na Ásia ou aqui no Brasil. Foi inaugurada na cidade chinesa a primeira clínica do país voltada ao atendimento de crianças e adolescentes transgêneros. Pessoas transgêneros possuem uma identidade de gênero distinta do sexo que lhe foi atribuído ao nascer e podem ter qualquer idade. A pessoa que faz a transição hormonal é transexual.

A clínica na China é voltada para pessoas transgêneros menores de idade que já se identificam com o gênero que é distinto ao do sexo que lhe foi atribuído ao nascer. Com atividades de ensino para estes jovens, a clínica em Xangai, segundo o jornal chinês Global Times, tem psicólogos, médicos urologistas e endócrinos com o objetivo de mostrar e garantir uma transição mais avaliada ao longo do tempo.

Recentemente, direitos têm sido conquistados também na Bahia. Há três anos, foi inaugurado em Salvador um ambulatório transexualizador, ou seja, um local em que pessoas transgêneros têm acompanhamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para passar pela transição. Localizado no Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia e vinculado à Rede Ebserh (Hupes/UFBA-Ebserh), este é o primeiro ambulatório transexualizador do estado e atende maiores de 18 anos. A médica endocrinologista do local, Luciana Barros Oliveira, enxerga como importante a atenção a pessoas de todas as idades. “Essa preocupação com crianças e adolescentes transgêneros já era uma preocupação nossa desde o início, pois sabemos que as pessoas não se tornam trans aos 18 anos, mas resolvemos começar com adultos apenas, como determina a portaria do Ministério da Saúde”, disse.

A médica endocrinologista falou ainda da importância do outro ambulatório aberto, em outubro de 2020, para acolher adolescentes transgêneros que já estão em puberdade, com as opções de bloqueio da puberdade aos menores de 16 anos, que são remédios que restringem os hormônios ligados a mudanças no corpo durante a puberdade, como a menstruação ou o surgimento de pelos faciais; e hormonização cruzada apenas aos maiores de 16 anos, que funciona como uma reposição hormonal. “Importante chamar a atenção que o Conselho Federal de Medicina publicou uma resolução 2265 em 2019 que regulamenta o atendimento de pessoas trans e autoriza este atendimento de adolescentes transgêneros”, conta Luciana Barros Oliveira. O agendamento para a triagem de adolescentes é feito no guichê do prédio Magalhães Neto, do Complexo HUPES-UFBA, e não há a necessidade de encaminhamento pela atenção básica. São atendidos apenas adolescentes com autorização dos pais e acompanhados pelos seus responsáveis. “As crianças e os adolescentes que ainda estejam fora da puberdade, não precisam de acompanhamento endocrinológico, mas de apoio familiar e suporte psicológico, que nós ainda não temos condições de oferecer e, por isso, não estamos ainda acolhendo. Para estes temos uma parceria com o CEDAP-SESAB, que os acolhe e oferece atendimento psicológico e de pediatria geral”, contextualiza a médica do ambulatório do Hospital Universitário Professor Edgard Santos.

O ambulatório no Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia e vinculado à Rede Ebserh (Hupes/UFBA-Ebserh), foi uma conquista do movimento social, disse a coordenadora do Grupo Gay da Bahia (GGB) e vice-presidente da União Nacional LGBT, Millena Passos. “Foi uma luta histórica, de muitos anos, a gente lutou para isso acontecer. Quem puxou esse ambulatório para a Bahia fomos nós”, conta Millena, que na época das negociações para a instalação do ambulatório transexualizador, era presidente interina da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). “É importante que a sociedade nos respeite. Não é fácil ser diferente e lidar com discriminação. Nossas vidas correm riscos, tudo para a gente é muito difícil”, contextualiza Millena. Segundo levantamento do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil, divulgado em setembro deste ano, 207 mortes motivadas por LGBTfobia aconteceram no Brasil entre janeiro e agosto de 2021. Entre as vítimas, 102 foram homens gays, 86 foram mulheres trans e travestis, oito foram lésbicas, dois foram homens trans, um foi uma pessoa bissexual, três foram pessoas heterossexuais confundidas com LGBTs e cinco mortes não tiveram as identidades das vítimas reveladas.

A médica Luciana Barros Oliveira coaduna com a opinião da coordenadora do GGB. “A abertura dos ambulatórios trans no Brasil são fruto da luta de ativistas por muitos anos, que resultou na portaria do Ministério da Saúde, inicialmente publicada em 2008 e depois revista em 2013. Para atender a essa portaria, houve uma movimentação da Sesab [Secretaria de Saúde da Bahia] e posteriormente o Ibrat [Instituto Brasileiro de Transmasculinidades] acionou a defensoria pública, tensionando o HUPES-UFBA para implantar um ambulatório transexualizador na Bahia”. A equipe que redigiu o projeto que foi submetido e aprovado pelo Ministério da Saúde foi liderada por Luciana Barros Oliveira junto com as assistentes sociais Maria Margarida França e Claudia Sampaio e com a psicóloga Ana Karina Canguçu-Campinho.

Antes da redação do projeto, Millena Passos e a Antra se reuniram com o então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, no final dos anos 2000. “Eu lembro que a gente fez um simpósio nacional de políticas para pessoas transexuais, daí a gente teve uma reunião naquela época com o secretário de Saúde da época, que era Jorge Solla, no Edgard Santos. Trouxemos pessoas do Ministério da Saúde para a Bahia, pessoas importantes, para que esse ambulatório pudesse existir”, relembra Millena.

O Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS) foi instituído por meio da Portaria nº 1.707/GM/MS, de 18 de agosto de 2008, e da Portaria nº 457/SAS/MS, de 19 de agosto de 2008. Estas portarias estavam pautadas na habilitação de serviços em hospitais universitários e na realização de procedimentos hospitalares. A ampliação do atendimento especializado às pessoas transexuais e travestis veio na Portaria nº 859, publicada em 30 de julho de 2013, com estruturação de uma linha de cuidado organizando a atenção à saúde desde a atenção básica à especializada, com estruturação e ampliação dos serviços de atenção ambulatorial nesta última. No dia seguinte, 31 de julho de 2013, foi publicada a Portaria nº 1. 579, que suspendeu os efeitos da Portaria SAS nº 859 até que fossem definidos os referidos protocolos. Em 19 de novembro de 2013 foi, então, publicada a Portaria nº 2.803, que redefiniu e ampliou o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). O ambulatório transexualizador do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia e vinculado à Rede Ebserh (Hupes/UFBA-Ebserh), foi inaugurado no dia 5 de outubro de 2018.

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