SAÚDE
Ampliar diagnóstico para redução da mortalidade por HIV/Aids
Eleuzina Falcão, coordenadora de Vigilância Epidemiológica de Doenças e Agravos Transmissíveis da Sesab
Por Jane Fernandes
A Bahia tem conseguido bons resultados na redução da mortalidade por HIV/Aids, como destacado pelo Ministério da Saúde em atividades do Dezembro Vermelho, mobilização em torno da prevenção ao vírus e outras infecções sexualmente transmissíveis. Em entrevista ao A Tarde, a coordenadora de Vigilância Epidemiológica de Doenças e Agravos Transmissíveis da Sesab, Eleuzina Falcão, explicou as principais estratégias adotadas no estado.
Dados do Ministério da Saúde apontam que a Bahia reduziu o coeficiente de mortalidade por HIV/Aids nos últimos dez anos. Quais são os principais fatores para chegar a esse resultado?
A gente acredita que esses fatores estejam relacionados à implantação daquelas estratégias de prevenção, diagnóstico, tratamento e controle da doença. Nos últimos dez anos, nós avançamos muito nessa área. Vale a pena destacar o tratamento com o uso adequado dos anti-retrovirais, como principal causa da mudança desse perfil de mortalidade da doença, porque a partir da utilização dos anti-retrovirais, a gente observa uma melhoria da qualidade de vida da pessoa vivendo com HIV, e da longevidade também.
E isso também a gente pode associar ao aumento da oferta da testagem, a expansão do teste rápido é um fator que favorece a captação precoce desses casos, porque muitas vezes a pessoa contrai o vírus mas passa um tempo sem ter conhecimento, então quando a gente aumenta essa oferta de teste, essa cobertura, consegue captar mais cedo, começara orientar e iniciar um tratamento, o que vai permitir uma queda expressiva na mortalidade e uma queda expressiva no número de casos de pessoas com Aids. A gente precisa entender que o fato de você ter a infecção não quer dizer que você tem a doença, a doença pode ser desenvolvida, se você tiver infecção e não tiver o diagnóstico e tratamento correto.
No Brasil, pouco mais de 60% das mortes ocorreram em pessoas negras. Na Bahia também ocorre essa concentração? Como o Estado está atuando para reduzir a desigualdade no acesso ao tratamento?
A Bahia não é diferente do restante do país, então acompanhando os dados epidemiológicos a gente observa que em torno de 75% dos casos estão concentrados na população negra e parda. E sabemos também que nós temos alguns grupos que apresentam maior vulnerabilidade, então eu estou falando aqui das pessoas privadas de liberdade, estou falando das pessoas em situação de rua, a gente está falando das pessoas que compartilham drogas injetáveis, de alguns grupos de profissionais do sexo... Como nós sabemos que essas populações apresentam maior vulnerabilidade, o Estado da Bahia tem trabalhado na perspectiva de testar essas pessoas, de encontrar essas pessoas para tentar antecipar esse diagnóstico e tratamento. A gente no Brasil tem o Sistema Único de Saúde que permite que você atenda a população de uma forma ampliada e através de diversas estratégias, então eu tenho, dentro dessa perspectiva, os grupos de saúde prisional que trabalham com a equipe de saúde dentro dos presídios, dos locais onde as pessoas privadas de liberdade. Nós temos também uma outra estratégia extremamente importante que são os consultórios de rua, nós temos também na Bahia, desde 2021, uma portaria que amplia a testagem para todas as unidades básicas de saúde, independente do motivo de você ter buscado a unidade de atendimento. Porque antes de 2021 esses testes eram ofertados preferencialmente a gestantes, a alguns grupos mais específicos, hoje qualquer pessoa que procure a unidade de saúde ela tem conhecimento que o teste está lá e ela pode fazer essa testagem mesmo que ela tenha buscado essa unidade, sei lá, porque torceu o pé. Além das estratégias extramuros que nós realizamos, a exemplo do "Fique sabendo", que a gente trabalha nas grandes festas populares como Carnaval, São João… Nessas festas, nesses movimentos, a gente encontra aquela população que, em termos de faixa etária, aparece nos nossos dados, a gente consegue captar esses grupos mais vulneráveis e chegar com oferta, principalmente de prevenção. É um número muito grande de pessoas porque não é só testagem, independente do resultado, reagente ou não, todas essas pessoas que passam pela estratégia do "Fique Sabendo", conversam com um profissional de saúde a respeito do que nós temos a ofertar em termos de prevenção. Então a gente apresenta a mandala de prevenção completa, conversa a respeito da situação de cada pessoa que tem uma única parceria, várias parcerias, enfim faz uma conversa, um aconselhamento adequado à realidade daquela pessoa para que ela continue não reagente ao longo da sua vida. E aqueles que são reagentes também têm uma abordagem, um aconselhamento, a gente coloca hoje que você ser reagente para HIV não é mais aquela situação de 20, 30 anos atrás, você tem um tratamento eficaz, qualidade de vida e você pode chegar uma situação sim de ter uma carga viral indetectável. Isso quer dizer que também é intransmissível.
A Bahia tem conseguido atender a meta quanto ao tratamento e supressão viral?
Hoje eu preciso diagnosticar 95% daquela população estimada, tratar 95% das pessoas que foram diagnosticadas e ter carga viral indetectável em 95% das pessoas que estão em tratamento. Então hoje a nossa meta é 95 95 95. Não chegamos a esses números ainda, mas estamos perseguindo esses números, utilizando várias estratégias, inclusive a questão da expansão do teste rápido para todas as unidades de saúde. E aí eu estou falando de atenção básica, eu estou falando de hospitais, eu estou falando de maternidade… Com todos os serviços de saúde testando, a gente espera alcançar essa meta de 95% das pessoas diagnosticadas. Além disso, temos essas atividades extramuros para trabalhar com as populações específicas. Agora para 2024 está dentro do nosso planejamento, trabalhar com a população privada de liberdade, trabalhar com a população em situação de rua, mais uma vez retomar essas atividades que têm sido realizadas constantemente, trabalhar também com as clínicas de hemodiálise… O tratamento a gente tem todo ele fornecido gratuitamente pelo SUS, então a gente não teria problema em diagnosticar, tratar e trabalhar a rede para que haja de fato uma adesão e esse paciente não abandone o tratamento, para que a gente também consiga que desses em tratamento 95% esteja com carga viral indetectável.
Qual o percentual de diagnóstico alcançado nos últimos anos? A procura pela testagem já é algo naturalizado ou ainda há um certo tabu?
Olha, a gente ainda não tem essa busca como nós gostaríamos, mas as equipes estão sendo o tempo todo trabalhadas, as equipes estão sendo o tempo todo incentivadas a ofertar essa testagem em todas as unidades, em todos os serviços de saúde e a gente tem trabalhado também com populações mais específicas. Então assim a gente tem trabalhado uma abordagem às pessoas a partir de 15 anos, porque a gente observa nesse comportamento de mudança da faixa etária dos casos, cada vez mais a gente tem caso de pessoas mais jovens. Com relação ao diagnóstico, nós temos dados do Ministério da Saúde que apontam que em 2021 nós estaríamos entre 90 e 92%, e agora nós estamos atualizando esses dados.
Quais as estratégias usadas para vencer o estigma que ainda existe em torno do HIV/Aids?
A meta do Ministério da Saúde hoje, do departamento de HIV Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis, é reduzir o estigma e a discriminação. Inclusive aparece lá como a primeira meta do departamento e aqui, para nós do programa Estadual de HIV/Aids, sífilis, hepatites virais, HTLV e outras infecções também surgem como uma prioridade, para isso o trabalho junto com a imprensa, o trabalho com os meios de comunicação, o trabalho com a sociedade civil é extremamente importante para que a gente consiga superar esse resquício ainda de preconceito e discriminação. E a gente supera falando sobre isso, fazendo uma abordagem que consiga chegar àquelas pessoas que precisam conhecer, ouvir falar sobre. Na verdade, tudo começa com diagnóstico, não é por outra razão que a gente tem investido tanto em capacitação da própria rede de vigilância e saúde, das equipes de atenção primária, porque esse primeiro contato é extremamente importante para fazer com que o paciente tenha adesão ou não ao tratamento. Na linha desse investimento nós estamos, aqui na Diretoria de Vigilância Epidemiológica, publicando dois guias que são guias de aconselhamento, como conversar com esse paciente, como fazer essa primeira abordagem para que você o traga para o tratamento. Eu acho que se a gente tem sucesso nesse primeiro momento, a gente garante a adesão desse paciente, então a gente tem investido muito. Nós temos alguns casos de pacientes que após o diagnóstico passam realmente um tempo fora, têm dificuldade de falar sobre esse diagnóstico, seja com as equipes de saúde, seja com a própria família. Então a gente tem que trabalhar muito para superar isso, inclusive dizendo que o diagnóstico do HIV hoje é diferente do diagnóstico do HIV há 20, 30 anos, hoje nós temos medicamentos que possibilitam que as pessoas tenham uma vida com bastante qualidade, uma longevidade muito grande, não há nenhum impedimento na sua vida pessoal, sexual social. É uma pessoa que vive com tranquilidade e qualidade de vida, sim.
A busca pela PrEP parece estar em crescimento em todo o país, qual é o cenário na Bahia? Como avalia o desempenho do Estado quanto à efetividade das estratégias de prevenção?
Sobre estratégias de prevenção, a gente começa falando da vacinação. Não de vacinação para HIV, mas eu estou falando de vacina para infecções sexualmente transmissíveis de um modo geral, porque quando você faz abordagem a um paciente, você não aborda somente sobre o aspecto de uma infecção específica, você conversa com ele sobre todas as possibilidades, transmissão de hepatite B, hepatite C, sífilis, HTLV, clamídia, gonorreia e por aí vai. Então para algumas dessas pessoas a gente já chama atenção que é preciso utilizar as vacinas que estão disponíveis na rede. É importante falar que nós temos a PEP, que é a profilaxia pós exposição, que pode ser buscada até 72 horas de uma situação de relação desprotegida ou uma situação de violência ou um acidente com um perfurocortante. A PrEP, que é a profilaxia pré-exposição para aquelas situações específicas, hoje nós estamos ofertando em todas as regiões de Saúde do Estado, dentro dos nossos serviços de atenção especializada, nossos SAES, e CTAs também, que são os centros de testagem e aconselhamento, estamos trabalhando para 2024 com a perspectiva de expansão da PrEP. Inclusive tanto a expansão da profilaxia pós exposição, quantas expansão da profilaxia pré-exposição estão como colocar então colocadas aí no nosso planejamento Estadual como indicadores importantes para os municípios aqui do Estado da Bahia, hoje, nós temos 31 serviços ofertando a prece e a nossa ideia é ampliar cada vez mais esse número.
Quais são os pontos centrais na atuação em relação ao HIV para 2024?
A gente começa com um trabalho muito forte, com o objetivo de reduzir estigma e preconceito com as pessoas que tenham infecção pelo vírus. Além disso temos um compromisso muito grande com a ampliação do diagnóstico, a gente pretende investir principalmente nesses grupos mais vulneráveis, a gente precisa realmente ampliar esse diagnóstico para captar mais precocemente essas pessoas, fazer a oferta da do tratamento anti-retroviral e ter um grupo de pessoas com melhor qualidade de vida e longevidade. Nós estamos também pretendendo fazer o monitoramento muito de perto da questão da adesão dessas pessoas diagnosticadas, inclusive com estratégia de buscas de pessoas que por qualquer motivo abandonem o tratamento. Hoje a gente nem utiliza mais esse termo ‘abandono’, a gente fala de descontinuidade de tratamento, que inclusive pode ser uma descontinuidade artificial, quando a pessoa sai de um lugar e vai para outro, mas continuou o tratamento. E estamos investindo também na questão da eliminação da transmissão vertical do HIV e da sífilis. Inclusive, este ano nós tivemos cinco municípios do estado da Bahia que começaram a receber os primeiros selos mostrando que eles estão no caminho da eliminação da transmissão vertical, aquela transmissão que ocorre de mãe para filho, seja no momento do parto seja no momento da amamentação.
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