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DIGNIDADE

Bahia é líder em cuidados paliativos no nordeste

Política nacional voltada para essa especialidade deve ampliar oferta de serviços e formação de profissionais

Por Alan Rodrigues

26/02/2024 - 0:00 h | Atualizada em 26/02/2024 - 17:02
Academia de cuidados paliativos defende redução do sofrimento de pacientes com diagnóstico irreversível
Academia de cuidados paliativos defende redução do sofrimento de pacientes com diagnóstico irreversível -

A Bahia é o estado nordestino com maior número de serviços de cuidados paliativos. No Brasil, só perde para São Paulo e Minas Gerais. A especialidade, que apenas recentemente passou a fazer parte da formação dos profissionais de saúde, tende a crescer com a implantação na política nacional de cuidados paliativos, anunciada no fim do ano passado.

Muito difundido na Europa, o cuidado paliativo ainda enfrenta muita resistência, graças à desinformação e ao medo das famílias e dos próprios pacientes de doenças terminais ou irreversíveis. Receio que se agravou durante a CPI da Covid, quando planos de saúde foram acusados de mandar para casa os pacientes diagnosticados com o coronavírus, confundindo cuidados paliativos com abandono.

Rodrigo Kappel Castilho é presidente da Associação Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), coordenadora do Atlas que mapeou os serviços disponíveis em todo o Brasil. Apesar do tabu e da carência de formação específica, a modalidade vem crescendo.

Segundo o Atlas, a região Nordeste oferece 60 serviços de Cuidados Paliativos, totalizando 264 leitos em estabelecimentos hospitalares públicos e privados. A Bahia e o Ceará são os estados que contam com o maior número de serviços: 19 e 18, respectivamente. Em seguida vem Pernambuco, com 7, Piauí com 4, Paraíba e Maranhão com 3, Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe, com 2. São Paulo, com 55, lidera o ranking nacional, seguido de Minas Gerais, com 22.

Desde 2018, quando a ANCP lançou a primeira edição do Atlas, houve um crescimento de 22,5% na oferta de serviços de Cuidados Paliativos no país. Estes serviços estão distribuídos por todo o território nacional, com maior concentração nas regiões Sudeste e Nordeste. A região Norte é que a tem menos serviços de Cuidados Paliativos. A Associação Europeia de Cuidados Paliativos recomenda dois serviços especializados a cada 100.000 habitantes.

Qualidade de vida

Para desmistificar a ideia de “tratamento de fim de vida”, Rodrigo Castilho explica que os cuidados paliativos têm o intuito de melhorar a qualidade vida do paciente e de seus familiares através da prevenção e controle de sintomas. Não apenas os físicos, mas também espirituais emocionais e sociais.

“Muitas pessoas associam cuidado paliativo com fim de vida, doença terminal, irreversibilidade, à finitude. E não necessariamente é isso”, explica o médico intensivista. Ele conta que, desde 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define que o cuidado é para uma situação de risco de vida.

“Não quer dizer necessariamente que essa pessoa vai morrer. É para cuidar daqueles que sofrem. Tanto em situações agudas quanto as mais crônicas. Também cuida de pessoas em final de vida, mas é muito menos do que o cuidado paliativo pode oferecer”, esclarece.

No Brasil, desde a sua criação, em 2005, a ANCP luta por uma política nacional de cuidados paliativos. Em 2018 uma resolução federal caracterizou o cuidado paliativo e, em dezembro do ano passado foi pactuada a política nacional de cuidados paliativos, com Ministério da Saúde e conselhos nacional de secretários estaduais e municipais de saúde, Conass e Conasems, respectivamente.

A ANCP aguarda a publicação no Diário Oficial. O objetivo da política é promover a capacitação, criação de serviços e acesso a medicações para controle de sintomas. Um levantamento internacional mostra que o Brasil ocupa a 79ª posição entre 81 países no ranking de qualidade de morte.

Formação profissional

Castilho acredita que, com a implantação da Política Nacional de Cuidados Paliativos, a especialidade vai crescer na oferta, em especial na rede de atenção primária, de forma organizada e estruturada, incrementando também a educação e formação específica do profissional.

“A criação da Medicina Paliativa de área de atuação para Especialidade Médica é uma necessidade urgente, da mesma forma que foi para Enfermagem, hoje com uma matriz específica de conteúdo para formação em Cuidados Paliativos”, ressalta o presidente da ANCP.

Com investimento estimado para este ano de R$ 851 milhões, a meta é estabelecer equipes multidisciplinares formadas por médico para atuação por 40 horas, enfermeiro, psicólogo e assistente social, além de pediatra para atendimento de crianças com doenças terminais.

Outra frente será a de equipes assistenciais com clínico em regime de 20 horas, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicólogo e assistente social. Ao todo, devem ser formadas 1.321 equipes de cuidados paliativos. A implementação vai depender da adesão de estados e municípios

Esse investimento, segundo Castilho, deve resultar na otimização de recursos da saúde. Por falta de profissionais capacitados, mais recursos são utilizados, encarecendo o serviço de saúde.

“Estudos demonstram que o cuidado paliativo reduz o custo da saúde, tanto pela queda na procura porque pessoas são melhor cuidadas ou porque a morte é inevitável e algum tratamento já não é aceitável”, diz o presidente da ANCP.

Para ele, o profissional, principalmente médico, submete o paciente a medidas invasivas, criando falsas expectativas, “sem trazer o mínimo de dignidade para esse paciente e com sofrimento também familiar”.

Castilho cita um estudo de saúde suplementar de 2006, segundo o qual metade dos gastos se dá no último ano de vida. “É mal direcionado. Tem tanto tratamento para prevenir e dar mais saúde, mais vida, mas no último ano é que usam tratamentos mais dispendiosos e não relacionados à qualidade de vida”.

Para o intensivista, grande parte desse problema advém de uma questão cultural, que passa por uma nova formação. “É uma falha do profissional. É antiético, o código de ética diz que a pessoa tem que receber todas informações importantes”, defende Castilho.

“Se a pessoa não sabe que tem um câncer, uma doença neurológica progressiva, ela vai querer todos os tratamentos”, exemplifica. O médico lembra que ouvir o paciente permite a ele escolher qual o melhor caminho seguir.

“Cuidado paliativo tem a ver com respeitar a autonomia e cuidar do sofrimento. Vem muito a ideia de deixar de fazer coisas que poderiam ser feitas. Exemplo: esclerose lateral amiotrófica. O paciente começa a engasgar, deixa de mexer os membros, se para aquele paciente fizer sentido viver dependente de um respirador e se comunicar através de uma tecnologia, é isso que o cuidado paliativo vai defender. Mas se aquele paciente, na personalidade dele, aquilo é a mesma coisa que tortura, a gente vai defender que aquilo não pode ser empregado porque ninguém pode ser submetido a tratamento desumano ou degradante, como o Código Civil defende”.

Rodrigo Castilho lembra que a academia de cuidados paliativos da América Latina defende cuidados na atenção primária a partir do diagnóstico, com atendimento ambulatorial na porta de entrada ao invés de esperar chegar à hospitalização. E cita a própria experiência em UTI como exemplo.

“Eu evito a morte na UTI mas ela (paciente) morre logo depois (80% das mortes ocorrem após a alta). Estou treinado para evitar que a pessoa morra mas a pessoa pode estar em final de vida e eu não estou dando o tratamento adequado, porque eu fui treinado para evitar a morte de qualquer jeito” .

Origem

O termo paliativo vem do latim, ‘ Palium’, que era o manto usado pelos guerreiros para se proteger das intempéries. “Em português o paliativo pode parecer uma gambiarra, um jeitinho, algo secundário, mas cuidado paliativo é para proteger aqueles que sofrem e que têm risco de morte”, defende o presidente da ANCP.

Mas, a implantação da política nacional de cuidados paliativos ainda tem um longo caminho a percorrer. Só em 2022 a especialidade se tornou obrigatória nas faculdades de medicina. Antes, havia somente em algumas poucas faculdades, mas sem oferta de residência.

Rudval Souza da Silva é enfermeiro de formação e diretor científico da ANCP. Após anos de atuação em hospitais de Salvador, cursou mestrado e doutorado e se tornou professor do cuirso de enfermagem da Universiadde Estadual da Bahia (Uneb). Após se aprofundar em cuidados paliativos durante o doutorado Portugal, sugeriu a inclusão da formação no curso enfermagem em 2018, no campus de Senhor do Bonfim.

Segundo ele, a “dificuldade principalmente no interior é encontrar pessoas que tenham formação e conhecimento em cuidados paliativos e como comunicar isso. Como passar para a família uma notícia (de um diagnóstico terminal) que é tão difícil”.

Legado

Rudval lembra que todos planejam o que fazer da vida, mas raros são os que pensam na própria morte. “A gente tem todo um preparativo para o nascimento, mas a morte a gente esquece, o cuidado paliativo entra com um diferencial, para ajudar tanto o paciente para ir ressignificando aquele momento quanto a família”.

Nesse processo, o resgate da própria história é uma ferramenta poderosa. A chamada terapia da dignidade estimula o paciente a contar sua história de vida e o relato se transforma em um “documento-legado”. Cabe ao paciente decidir se revela o conteúdo à família em vida ou após a morte.

“Enquanto o paciente conta (suas lembranças de vida) percebe quanto caminhou, o que construiu, o que deixa de legado. Esse documento é algo que conforta”, diz Rudval.

Para reunir profissionais interessados em se aprofundar nos cuidados paliativos, o X Congresso Brasileiro de Cuidados Paliativos acontece entre os dias 13 e 16 de novembro, em Fortaleza. O evento reunirá os maiores especialistas internacionais e nacionais sobre Cuidados Paliativos e as inscrições podem ser feitas através do link: https://cuidadospaliativos2024.com.br/

Bahia terá hospital especializado

E a Bahia, que já é líder do nordeste na oferta de cuidados paliativos deve ampliar ainda mais a oferta do serviço. Ainda nesse primeiro semestre deve ser entregue o primeiro Hospital de Cuidados Paliativos da rede estadual

Primeiro hospital de cuidados paliativos do Brasil deve ser inaugurado ainda no primeiro semestre em Monte Serrat
Primeiro hospital de cuidados paliativos do Brasil deve ser inaugurado ainda no primeiro semestre em Monte Serrat | Foto: Pablo Barbosa / Ascom Sesab

Localizado em Monte Serrat, no prédio do antigo hospital de doenças infecto-contagiosas, o Couto Maia, as obras já estão em fase final. O hospital terá 70 leitos, que irão se somar aos 82 já existentes e deixando a Bahia atrás apenas de São Paulo, com seus 260 leitos.

Com investimento superior a R$ 48,5 milhões apenas em obras, o Hospital de Cuidados Paliativos será o primeiro do Brasil. Além disso, será um centro formador de especialistas em cuidados paliativos no SUS, sendo referência em ensino e pesquisa na área.

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