DIGNIDADE
Bahia é líder em cuidados paliativos no nordeste
Política nacional voltada para essa especialidade deve ampliar oferta de serviços e formação de profissionais
Por Alan Rodrigues
A Bahia é o estado nordestino com maior número de serviços de cuidados paliativos. No Brasil, só perde para São Paulo e Minas Gerais. A especialidade, que apenas recentemente passou a fazer parte da formação dos profissionais de saúde, tende a crescer com a implantação na política nacional de cuidados paliativos, anunciada no fim do ano passado.
Muito difundido na Europa, o cuidado paliativo ainda enfrenta muita resistência, graças à desinformação e ao medo das famílias e dos próprios pacientes de doenças terminais ou irreversíveis. Receio que se agravou durante a CPI da Covid, quando planos de saúde foram acusados de mandar para casa os pacientes diagnosticados com o coronavírus, confundindo cuidados paliativos com abandono.
Rodrigo Kappel Castilho é presidente da Associação Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), coordenadora do Atlas que mapeou os serviços disponíveis em todo o Brasil. Apesar do tabu e da carência de formação específica, a modalidade vem crescendo.
Segundo o Atlas, a região Nordeste oferece 60 serviços de Cuidados Paliativos, totalizando 264 leitos em estabelecimentos hospitalares públicos e privados. A Bahia e o Ceará são os estados que contam com o maior número de serviços: 19 e 18, respectivamente. Em seguida vem Pernambuco, com 7, Piauí com 4, Paraíba e Maranhão com 3, Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe, com 2. São Paulo, com 55, lidera o ranking nacional, seguido de Minas Gerais, com 22.
Desde 2018, quando a ANCP lançou a primeira edição do Atlas, houve um crescimento de 22,5% na oferta de serviços de Cuidados Paliativos no país. Estes serviços estão distribuídos por todo o território nacional, com maior concentração nas regiões Sudeste e Nordeste. A região Norte é que a tem menos serviços de Cuidados Paliativos. A Associação Europeia de Cuidados Paliativos recomenda dois serviços especializados a cada 100.000 habitantes.
Qualidade de vida
Para desmistificar a ideia de “tratamento de fim de vida”, Rodrigo Castilho explica que os cuidados paliativos têm o intuito de melhorar a qualidade vida do paciente e de seus familiares através da prevenção e controle de sintomas. Não apenas os físicos, mas também espirituais emocionais e sociais.
“Muitas pessoas associam cuidado paliativo com fim de vida, doença terminal, irreversibilidade, à finitude. E não necessariamente é isso”, explica o médico intensivista. Ele conta que, desde 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define que o cuidado é para uma situação de risco de vida.
“Não quer dizer necessariamente que essa pessoa vai morrer. É para cuidar daqueles que sofrem. Tanto em situações agudas quanto as mais crônicas. Também cuida de pessoas em final de vida, mas é muito menos do que o cuidado paliativo pode oferecer”, esclarece.
No Brasil, desde a sua criação, em 2005, a ANCP luta por uma política nacional de cuidados paliativos. Em 2018 uma resolução federal caracterizou o cuidado paliativo e, em dezembro do ano passado foi pactuada a política nacional de cuidados paliativos, com Ministério da Saúde e conselhos nacional de secretários estaduais e municipais de saúde, Conass e Conasems, respectivamente.
A ANCP aguarda a publicação no Diário Oficial. O objetivo da política é promover a capacitação, criação de serviços e acesso a medicações para controle de sintomas. Um levantamento internacional mostra que o Brasil ocupa a 79ª posição entre 81 países no ranking de qualidade de morte.
Formação profissional
Castilho acredita que, com a implantação da Política Nacional de Cuidados Paliativos, a especialidade vai crescer na oferta, em especial na rede de atenção primária, de forma organizada e estruturada, incrementando também a educação e formação específica do profissional.
“A criação da Medicina Paliativa de área de atuação para Especialidade Médica é uma necessidade urgente, da mesma forma que foi para Enfermagem, hoje com uma matriz específica de conteúdo para formação em Cuidados Paliativos”, ressalta o presidente da ANCP.
Com investimento estimado para este ano de R$ 851 milhões, a meta é estabelecer equipes multidisciplinares formadas por médico para atuação por 40 horas, enfermeiro, psicólogo e assistente social, além de pediatra para atendimento de crianças com doenças terminais.
Outra frente será a de equipes assistenciais com clínico em regime de 20 horas, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicólogo e assistente social. Ao todo, devem ser formadas 1.321 equipes de cuidados paliativos. A implementação vai depender da adesão de estados e municípios
Esse investimento, segundo Castilho, deve resultar na otimização de recursos da saúde. Por falta de profissionais capacitados, mais recursos são utilizados, encarecendo o serviço de saúde.
“Estudos demonstram que o cuidado paliativo reduz o custo da saúde, tanto pela queda na procura porque pessoas são melhor cuidadas ou porque a morte é inevitável e algum tratamento já não é aceitável”, diz o presidente da ANCP.
Para ele, o profissional, principalmente médico, submete o paciente a medidas invasivas, criando falsas expectativas, “sem trazer o mínimo de dignidade para esse paciente e com sofrimento também familiar”.
Castilho cita um estudo de saúde suplementar de 2006, segundo o qual metade dos gastos se dá no último ano de vida. “É mal direcionado. Tem tanto tratamento para prevenir e dar mais saúde, mais vida, mas no último ano é que usam tratamentos mais dispendiosos e não relacionados à qualidade de vida”.
Para o intensivista, grande parte desse problema advém de uma questão cultural, que passa por uma nova formação. “É uma falha do profissional. É antiético, o código de ética diz que a pessoa tem que receber todas informações importantes”, defende Castilho.
“Se a pessoa não sabe que tem um câncer, uma doença neurológica progressiva, ela vai querer todos os tratamentos”, exemplifica. O médico lembra que ouvir o paciente permite a ele escolher qual o melhor caminho seguir.
“Cuidado paliativo tem a ver com respeitar a autonomia e cuidar do sofrimento. Vem muito a ideia de deixar de fazer coisas que poderiam ser feitas. Exemplo: esclerose lateral amiotrófica. O paciente começa a engasgar, deixa de mexer os membros, se para aquele paciente fizer sentido viver dependente de um respirador e se comunicar através de uma tecnologia, é isso que o cuidado paliativo vai defender. Mas se aquele paciente, na personalidade dele, aquilo é a mesma coisa que tortura, a gente vai defender que aquilo não pode ser empregado porque ninguém pode ser submetido a tratamento desumano ou degradante, como o Código Civil defende”.
Rodrigo Castilho lembra que a academia de cuidados paliativos da América Latina defende cuidados na atenção primária a partir do diagnóstico, com atendimento ambulatorial na porta de entrada ao invés de esperar chegar à hospitalização. E cita a própria experiência em UTI como exemplo.
“Eu evito a morte na UTI mas ela (paciente) morre logo depois (80% das mortes ocorrem após a alta). Estou treinado para evitar que a pessoa morra mas a pessoa pode estar em final de vida e eu não estou dando o tratamento adequado, porque eu fui treinado para evitar a morte de qualquer jeito” .
Origem
O termo paliativo vem do latim, ‘ Palium’, que era o manto usado pelos guerreiros para se proteger das intempéries. “Em português o paliativo pode parecer uma gambiarra, um jeitinho, algo secundário, mas cuidado paliativo é para proteger aqueles que sofrem e que têm risco de morte”, defende o presidente da ANCP.
Mas, a implantação da política nacional de cuidados paliativos ainda tem um longo caminho a percorrer. Só em 2022 a especialidade se tornou obrigatória nas faculdades de medicina. Antes, havia somente em algumas poucas faculdades, mas sem oferta de residência.
Rudval Souza da Silva é enfermeiro de formação e diretor científico da ANCP. Após anos de atuação em hospitais de Salvador, cursou mestrado e doutorado e se tornou professor do cuirso de enfermagem da Universiadde Estadual da Bahia (Uneb). Após se aprofundar em cuidados paliativos durante o doutorado Portugal, sugeriu a inclusão da formação no curso enfermagem em 2018, no campus de Senhor do Bonfim.
Segundo ele, a “dificuldade principalmente no interior é encontrar pessoas que tenham formação e conhecimento em cuidados paliativos e como comunicar isso. Como passar para a família uma notícia (de um diagnóstico terminal) que é tão difícil”.
Legado
Rudval lembra que todos planejam o que fazer da vida, mas raros são os que pensam na própria morte. “A gente tem todo um preparativo para o nascimento, mas a morte a gente esquece, o cuidado paliativo entra com um diferencial, para ajudar tanto o paciente para ir ressignificando aquele momento quanto a família”.
Nesse processo, o resgate da própria história é uma ferramenta poderosa. A chamada terapia da dignidade estimula o paciente a contar sua história de vida e o relato se transforma em um “documento-legado”. Cabe ao paciente decidir se revela o conteúdo à família em vida ou após a morte.
“Enquanto o paciente conta (suas lembranças de vida) percebe quanto caminhou, o que construiu, o que deixa de legado. Esse documento é algo que conforta”, diz Rudval.
Para reunir profissionais interessados em se aprofundar nos cuidados paliativos, o X Congresso Brasileiro de Cuidados Paliativos acontece entre os dias 13 e 16 de novembro, em Fortaleza. O evento reunirá os maiores especialistas internacionais e nacionais sobre Cuidados Paliativos e as inscrições podem ser feitas através do link: https://cuidadospaliativos2024.com.br/
Bahia terá hospital especializado
E a Bahia, que já é líder do nordeste na oferta de cuidados paliativos deve ampliar ainda mais a oferta do serviço. Ainda nesse primeiro semestre deve ser entregue o primeiro Hospital de Cuidados Paliativos da rede estadual
Localizado em Monte Serrat, no prédio do antigo hospital de doenças infecto-contagiosas, o Couto Maia, as obras já estão em fase final. O hospital terá 70 leitos, que irão se somar aos 82 já existentes e deixando a Bahia atrás apenas de São Paulo, com seus 260 leitos.
Com investimento superior a R$ 48,5 milhões apenas em obras, o Hospital de Cuidados Paliativos será o primeiro do Brasil. Além disso, será um centro formador de especialistas em cuidados paliativos no SUS, sendo referência em ensino e pesquisa na área.
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