Brasil repete erros cometidos na pandemia de covid
Presidente do conselho nacional de secretários de saúde defende testagem e imunização em massa
O presidente do Conselho Nacional
de Secretários da Saúde (Conass) prevê um cenário sombrio com o avanço da varíola dos macacos no Brasil caso não sejam adotadas medidas urgentes para conter a disseminação do vírus. Para ele, o que tem sido feito agora é insuficiente.
O médico sanitarista Nésio Fernandes, que também é secretário de saúde do Espírito Santo, falou à BBC News Brasil sobre a emergência global declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e defendeu que é preciso ampliar a testagem, atualizar as orientações de isolamento de casos e correr atrás de vacinas.
"Na nossa avaliação, o Brasil corre o risco de repetir os erros cometidos no começo da pandemia de covid-19", alerta.
"Com o coronavírus, não tivemos critérios de testagem para casos
suspeitos logo no início. À época, isso impediu que o país conhecesse o
real tamanho do problema com o qual estávamos lidando", contextualiza.
Fernandes classifica a postura das autoridades como um "silêncio
epidemiológico" sobre o vírus monkeypox, o causador da condição, o que pode estar levando o patógeno a se espalhar sem ser detectado pelos
serviços de saúde.
"Por ora, cada Estado está agindo de forma independente e tem critérios próprios de testagem e acompanhamento de casos", diz Fernandes. "Precisamos
de uma coordenação nacional para atualizar e padronizar a estratégia em
todo o território e não permitir que o monkeypox se torne uma ameaça
ainda maior."
Para o sanitarista, a falta de uma iniciativa coordenada prejudica o combate ao vírus. "Sem coordenação nacional, a aquisição de insumos, medicamentos e tecnologias também fica muito mais difícil", completa. De acordo com o portal Our World In Data, há mais de 17 mil casos confirmados de varíola dos macacos no mundo. Desses, 813 foram diagnosticados no Brasil.
Na
avaliação de Fernandes, o decreto de emergência de saúde pública de
importância internacional feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
em 23 de junho foi um acerto. "A decisão permite acelerar ações de vigilância e desenvolvimento de tecnologias para responder rapidamente à doença."
O
médico sanitarista considera um erro comparar o
coronavírus e o monkeypox. "Não
podemos usar a covid como critério para reconhecer outras situações
como uma emergência de saúde pública. A doença causada pelo monkeypox,
mesmo com uma letalidade mais baixa, circula numa velocidade relevante e
em proporções internacionais", diz.
Fernandes
também argumenta que a noção distorcida de que a doença só acontece em
grupos específicos, como jovens, gays, bissexuais ou homens que fazem
sexo com homens, representa uma armadilha das grandes. "É normal e esperado que algumas enfermidades afetem com mais frequência alguns grupos específicos", explica.
"Porém,
pelas próprias características do monkeypox, é questão de tempo, talvez
de apenas algumas semanas, para que ele comece a ser encontrado cada
vez mais também em outros grupos, como heterossexuais ou idosos."
Questionado
pela BBC News Brasil sobre quais são as ações concretas que o Brasil
precisa tomar agora para lidar com o monkeypox, o presidente do Conass
resumiu a necessidade de mudar as políticas públicas em três aspectos. Primeiro, reconhecer que todos os Estados estão em risco e aumentar a capacidade de testagem.
Em
segundo lugar, Fernandes diz que é preciso ter uma atenção especial com
os critérios de isolamento dos casos confirmados, uma vez que a principal forma de
transmissão do patógeno acontece por meio do contato direto com as
feridas de um paciente. Outras vias infecção são gotículas de saliva e o
compartilhamento de objetos contaminados.
A
restrição de contato de alguém que está com a varíola dos macacos é
essencial para quebrar as cadeias de transmissão do vírus na comunidade e
impedir um aumento ainda mais acelerado do número de casos. "Nos
preocupa o cenário atual, em que se recomenda apenas o isolamento de
quem teve contato direto com alguém infectado. Vemos que, em muitos
casos, a doença evolui com sintomas leves e poucas lesões, que podem
passar despercebidos", avalia.
A terceira e última ação urgente, na visão do especialista, é acelerar a busca por vacinas que protegem contra a enfermidade. "O Brasil está lento e precisa de esforços mais vigorosos para adquirir esses imunizantes", critica.
A
BBC News Brasil entrou em contato com o Ministério da Saúde para buscar
um posicionamento oficial a respeito das ações que estão sendo tomadas
para lidar com a varíola dos macacos no país, mas não houve resposta .